Abaixou a cabeça para se proteger das gotas que caíam do céu
feito notas musicais que não encontraram seu lugar na partitura. As roupas
molhadas carregavam o peso de um dia cercado de prédios cinzentos e janelas fechadas
que escondiam sorrisos privados de casais que ele não compreendia. Mas ignorava
o frio e o vento graças ao som de trovão que seu coração ansioso disparava a
cada passo.
Um carro atravessou na sua frente pela rua molhada,
espirrando água em seus pés e iluminando seu rosto. Despenteado, não se sabia
mais onde terminava a chuva e onde começava o suor, da mesma forma que não
conseguia mais diferenciar a saudade do passado e a vontade do futuro. Outro
carro, outa poça, outra janela fechada.
Mas respirou fundo sabendo que os prédios cinzentos
terminariam em breve.
Lembrou-se de quando a conheceu, num bar esfumaçado e barulhento.
Apaixonou-se em algum momento entre ela sorrir e se apresentar. Mais de uma vez, quis voltar no tempo e mudar tudo. Na briga mais feia. Na sensação de que não
ia dar certo. Nos dias que ficaram sem falar. Na certeza de que era um erro.
Mas sempre perdia a vontade de mudar o passado quando ela se tornava presente
fazendo promessas de futuro.
Ele sabia que o futuro nunca viria. Sabia que todos os
planos começavam a se desfazer no momento em que ela terminava de gritar na cama,
e que eles desapareciam feito lembranças de um sonho que escapa no ar conforme
ela se vestia. Quando a porta se fechava, o futuro havia se tornado futuro do
pretérito, preso a condicionais que não dependiam dele.
E ele jurava que era a última vez. Jurava para si mesmo que
hora de parar com aquela paixão regada a encontros aleatórios que aconteciam ao
prazer dela. Ela ainda devia estar no elevador quando ele decidia que aquilo
nunca mais aconteceria, que ele era uma pessoa para ser amada durante o dia,
e não apenas escondido de madrugada. Também queria beijos de café, não apenas
sexo de uísque.
E, como se percebendo isso, ela sumia, levando consigo qualquer
resquício de paixão que ele pudesse experimentar. Carregava na bolsa qualquer
possibilidade do seu coração disparar, bem como uma mescla de todas as paixões
adolescentes que ele idealizou sem concretizar. E assim ele voltava a ser tornar
um mundo de prédios cinzentos e uma garoa fina que não convoca a eletricidade
do ar.
Mas de vez em quando ela reaparecia e ele esquecia completamente
do que não teria, sentindo apenas a fome do que precisava. E de repente nada
mais existia, a não ela e a vontade dela, ela e o sabor dela, ela e os gritos
abafados dela que temperavam a madrugada da cidade que dormia.
Quando entrou no apartamento, estava encharcado e com frio.
E ela estava em pé, esperando nua. Ele caminhou até ela em silêncio. Ela
deslizou até ele em música. O celular dele ainda apitava no bolso, indicando a
mensagem “estou te esperando” que ele não teve tempo de responder antes de
correr para ela.
Ela o envolveu com suas asas, fazendo com que ele
desaparecesse completamente. Não existia mais nada... Nem ele. Ele sorriu,
lembrando-se que tinha um pequeno anjo doce que o alimentaria naquela noite.
Mas, aquecido embaixo das asas dela, chorou por lembrar-se que uma hora o Sol iria
raiar espantando seu anjo para longe.
Mas no momento que ela deu o primeiro grito, ele não pensou
mais nisso. No momento que ela deu o primeiro grito, ele não sabia mais nada. A
não ser quem ele era.
Isso ele sempre sabia quando estava com ela. Só quando
estava com ela.
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