Ele saiu do cinema calado, completamente diferente dos amigos,
que ainda viviam cada cena do filme como crianças na porta de um cinema que se
recusou a envelhecer e fincou os pés em 1977. Todos eram garotos novamente.
Queriam um sabre de luz ou pilotar um caça, viajando de um planeta para o outro.
Acima de tudo, queriam livrar a galáxia do mal.
Todos, menos ele, que continuou em silêncio quando entraram
no bar e permaneceu assim quando pediram as primeiras cervejas. Foi só no
segundo copo que um dos amigos, ao ver que ele apenas encarava o copo, cutucou seu
braço:
“Você não gostou do filme?”
“Adorei”, respondeu, ainda com os olhos baixos.
“Mas você não está falando nada! O que achou do filme?”
Ele observou uma bolinha de gás se desprender do fundo do
copo e flutuar até a superfície.
“É maravilhoso. É melhor que eu esperava.”
Seu tom de voz era preocupado. Completamente diferente de horas
atrás. Na fila para entrar no cinema, ele estava tão empolgado quanto os
companheiros e falava pelos cotovelos, conversando sobre os filmes anteriores
para disfarçar a ansiedade, sem perceber que isso o deixava ainda mais nervoso.
Havia comprado o ingresso dois meses antes, mas não era um
filme que ele esperava para assistir desde o dia que os ingressos começaram a ser
vendidos, nem desde que o primeiro trailer foi lançado. Era mais que isso. Estava
esperando esse filme desde garoto. Foram décadas imaginando como esse filme
poderia ser e, muitas vezes, se perguntando se ele seria feito.
Agora, com a história e cada cena frescas em sua cabeça, tudo
o que ele conseguia fazer era fitar o próprio copo.
“Mas por que você está desse jeito?”, um deles perguntou.
“Já sei”, outro concluiu. “É por causa daquela cena em
que...”
“Não! Sem spoilers”, o terceiro gritou, batendo na mesa.
“Isso aqui é uma crônica e não sabemos se todos os leitores já assistiram ao
filme!”
“Tem razão, desculpe”.
Ficaram alguns segundos em silêncio, esperando o amigo entregar
o motivo de estar amuado daquele jeito. Finalmente, mas ainda sem erguer os
olhos, murmurou.
“Estou apenas um pouco preocupado. Só isso.”
“Preocupado com o
quê? O filme é maravilhoso!”
“Sim, eu sei. É justamente por causa disso”, disse, olhando os
amigos nos olhos pela primeira vez desde que as luzes do cinema se acenderam.
Nenhum deles soube ao certo o que dizer. Se ele tivesse dito
que estava preocupado antes de ver o filme, na fila do cinema, seria
compreensível. Mas ali, no bar, com os olhos ainda inchados das lágrimas derramadas
a cada cena mais emocionante... Não fazia sentido. Sabendo disso, ele deu um
gole na cerveja e resolveu explicar.
“Qual o melhor filme da saga?”
“Império...”, disse um deles.
“Contra”, emendou o segundo.
“Ataca”, concluiu o terceiro.
“Isso”, ele concordou, ignorando o momento Huguinho, Zezinho
e Luisinho cavado pelos amigos. “Vocês nem precisaram pensar antes de
responder. Esse é meu ponto”.
“Mas o que há para se
pensar?”, disse um deles. “Império é o melhor filme da saga!”
“Império é o melhor filme da história”, disse o segundo.
“Cadê o garçom?”, disse o terceiro, o único a perceber que
as garrafas estavam vazias.
Como se procurasse a melhor forma de colocar sua preocupação
em palavras, ele ficou em silêncio alguns segundos, com o rosto apontado na
direção do balcão do bar, mas sem olhar nada específico.
“Vocês se lembram de 1999? Episódio Um?”, ele finalmente
disse.
“Sim, claro”, um deles respondeu.
“O que vocês acharam do filme?”
“Bem, eu saí maravilhado. Só na quarta ou quinta vez que fui
ao cinema que comecei a perceber que ele era ruim”, um deles disse – e não faz
diferença qual, já que todos concordaram.
“Vocês acharam em algum momento que ele era melhor que
Império?”
“Claro que não! Nada é melhor que Império!”
“E ao ver Episódio Um”, ele perguntou, agora olhando diretamente
para cada um dos amigos, “vocês acharam que Episódio Dois poderia ser melhor
que Império?”
“Imagine! Império é o melhor filme da história!”
“Sim”, ele concordou. “Eu também acho isso.”
“Nunca teremos um novo Império Contra-Ataca!”, declarou um deles,
de forma definitiva.
“Hoth! A cena dos asteroides! Boba Fett!”, emendou o
segundo.
“Posso comentar spoilers desse, certo? O filme é de 1980, os
leitores da crônica sabem o que rola no filme”, pediu o terceiro.
“Claro”, todos emendaram.
“I AM YOUR FATHER!”, ele gritou, erguendo o copo, e sendo
aplaudido pelos outros dois.
Quando os aplausos e gritos cessaram, o amigo parecia ainda
mais fatalista.
“Como eu disse, esse é o meu ponto. Vou tentar explicar
aqui”, ele disse, dando um gole na cerveja. “O Império Contra-Ataca é mais que
um filme. Ele é uma das poucas certezas absolutas da vida.”
“Como assim?”
“A gente sempre teve certeza não só que Império Contra-Ataca
é o melhor filme de Star Wars, como nunca mais outro Império Contra-Ataca seria
feito. Pergunte a um fã se ele gostaria que outro O Império Contra-Ataca fosse
feito. Ele vai falar que sim. Mas pergunte se ele acha que isso é possível e
ele vai rir da sua cara.”
“Sim, tem razão.”
“Império Contra-Ataca é uma certeza. É uma daquelas coisas
que acontece apenas uma vez na vida, e que mostra que a perfeição é possível.
Aliás, um dos motivos dele ser tão bom é que sabemos que nunca mais haverá
outro igual.”
“Tipo o Brasil de 70”, disse aquele que gostava de futebol.
“Tipo a Bianca”, disse aquele nunca havia se recuperado da
primeira namorada.
Nova rodada de cervejas. Quando o garçom terminou de encher
os copos, ele continuou.
“Enfim, eu sempre pensei isso. Por mais que eu mentisse para
mim dizendo que adoraria que outro Império Contra-Ataca surgisse, eu sempre
soube que isso não iria acontecer. E eu nem precisei dos outros filmes para
saber isso, soube disso quanto assisti pela primeira vez. A primeira vez que
assisti Império, eu tive certeza que aquilo era o auge. Quando fui assistir O Retorno
de Jedi, eu vi que estava certo assim que os ewoks apareceram”.
“Eu também”, um concordou.
“Aí veio a nova trilogia...”, disse outro.
“E a gente teve mais certeza ainda. Aliás, não vamos nos
esquecer das edições especiais. O Império Contra-Ataca é tão imbatível que nem
mesmo a nova versão do próprio Império Contra-Ataca consegue ser do mesmo
nível. É o que eu estou falando, ele é uma certeza. É algo que a gente cresceu
sabendo que era verdade indiscutível.”
“Sim.”
“Pelo menos, até hoje”.
Todos pararam de beber ao mesmo tempo. Mas apenas um deles
teve coragem de transformar o espanto em palavras.
“Espere aí! Você está dizendo que Episódio Sete é melhor que
Império?”
“Não, claro que não. Na verdade, não estou comparando.
Afinal, lembre-se que Império é o segundo filme da Trilogia Clássica. E esse
filme que acabamos de assistir é o primeiro de uma nova trilogia.”
“E daí?”
“E você realmente acha”, ele indagou, “que pelo que vimos
hoje... Pelo filme que vimos agora... Que essa nova trilogia não tem chances de
ter um segundo filme melhor que Império?”
“Você acha?”
“Não estou dizendo que sim, mas... Pense. Pense nas
trilogias. Uma Nova Esperança virou O Império Contra-Ataca. Certo. Agora, Episódio
Um a gente sempre soube, desde o primeiro dia, que ele jamais daria origem a um
novo Império Contra-Ataca. Com sorte... Com muita sorte, ele teria uma
continuação que chegaria perto de O Retorno de Jedi. Agora, se o Despertar da
Força, que é o primeiro filme dessa trilogia, já foi tudo isso...”
Deixou o resto da frase no ar, esperando que um dos amigos a
pescasse. E não demorou muito até que um deles mordeu a isca.
“Meu Deus. Você tem razão. Se Episódio Sete já foi tudo
isso... Episódio Oito pode ser melhor.”
“Pode ser melhor que Império.”, ele corrigiu.
“Será? Mas Império é perfeito!”
“Mas agora esse risco agora existe. E eu não sei se estou
pronto para isso”
Silêncio na mesa. Desta vez, não porque as cervejas tinham
acabado ou porque tinham receio de comentar spoilers no meio da crônica. Era um
silêncio mais profundo, típico de pessoas que veem suas vidas inteiras sendo
questionadas.
“Você tem razão”, um deles finalmente disse. “Eu não saberia
viver direito sabendo que Império Contra-Ataca não é o melhor filme da saga. Acho
que eu nem mesmo me reconheceria mais.”
“Sim”, outro emendou. “Agora que você está falando... Existem
dias que você acha que não entende nada sobre a vida. Seu casamento termina e
você não sabe o motivo, seu colega incompetente é promovido e você não... Aqueles
dias em que você sabe que está fazendo tudo errado, mas não entende ao certo o
que exatamente está fazendo de errado, sabem?”
“Sim.”
“Mas aí você para e pensa que Império Contra-Ataca é o
melhor Star Wars e sente um pouco de conforto, porque sabe que existe pelo
menos um assunto que você entende. Sabe que existe algo que você sabe e que
nunca vai mudar.”
“Exato. Eu sequer me lembro da pessoa que eu era antes de achar
que Império Contra-Ataca era o melhor filme da saga! Eu não conseguiria mudar
agora, estou velho para isso.”
“Eu também não.”
“Vocês fazem ideia”, disse um deles, “que se Episódio Oito
for melhor que Império... Nada mais faria sentido? Amor. Vida. Morte. Não vão
mais existir verdades absolutas. Porque se Episódio Oito for o melhor Star
Wars, é porque a única certeza que nós tínhamos... Deixaria de ser verdade.”
“E se isso acontecesse, tudo o que sabemos sobre a vida...
Sobre o mundo... Sobre nós mesmos...”
“Até mesmo sobre o Brasil de 70”, um deles acrescentou.
“Ou sobre a Bianca”, outro concluiu.
“Tudo. Tudo poderia estar errado”, alguém finalizou.
“Eu não estou pronto para isso. Eu não estou pronto para
jogar décadas da minha vida fora assim.”
“Não. Esse filme não pode ser melhor que Império.”
“Sim! Se um dia fizerem um Star Wars melhor que Império, no
que nós vamos acreditar? Vou estar com quase cinquenta anos e de repente descobrir
que nunca soube nada sobre a vida?”
“Meu Deus”, disse um deles, escondendo o rosto nas mãos.
“Tantos anos... Tudo o que sou... E isso pode terminar em apenas um filme? Não
é justo.”
“Vamos torcer. Quem sabe as coisas dão errado...”
“Quem sabe o roteiro é ruim?”
“Quem sabe trazem o Jar Jar de volta?”
“Isso. Aí iríamos para casa e passaríamos a noite bebendo e
conversando sobre Império Contra-Ataca.
“E nos perguntando se um dia alguém conseguiria fazer um
filme tão bom quanto ele. Ou melhor.”
“E tendo certeza que a resposta era ‘não’”.
“Certeza absoluta.”
“Verdade. Bons tempos em que a gente entendia o mundo...”
Novo silêncio. Desta vez, por aquele medo típico que
sentimos quando vemos uma verdade absoluta se esfarelar como um castelo de
areia, que é a maneira que a vida encontra, às vezes, de mostrar quem manda
ali. Mas ele foi quebrado pro uma voz. Era outro amigo, que havia ido a outro
cinema e combinado de aparecer no bar depois. Entrou vestindo um manto Jedi e
gritando sobre o filme.
“Que filmaço!”
Todos olharam para ele com cara de enterro.
“O que aconteceu?”, ele perguntou, puxando uma cadeira.
“Vocês não gostaram do filme?”
“Adoramos.”
“Por que essas caras?”
Todos pensaram se era justo estragar a vida do amigo, mas decidiram
que não. Ele podia esperar mais uns anos e descobrir por conta própria se
Episódio Oito era melhor que Império Contra-Ataca. Assim, ficaram em silêncio.
O único que falou, falou mais para si mesmo que para os outros.
“Saudade da Bianca. Nunca mais vou achar uma mulher como ela...”,
resmungou.
3 leitores:
Espetacular meu caro. Linda crônica. Me arrepiei no final!
Ahhhh... Bianca! hehehe
Tive uma conversa parecida com esta depois de ter assistido O Despertar da Força. Como um filme pode ter virado tanto nossas cabeças a ponto de nos deixar tão pensativos depois de tais acontecimentos Spoilísticos. O filme foi tão bom que até tenho dúvidas se ele foi tão bom quanto imagino que foi. Seu texto foi a completa síntese do que os fãs de Guerra nas Estrelas sentiram após o deleite do novo filme!
Meus sentimentos foram bem parecidos, mas claro que fui ao cinema sozinho e fiquei sentado pensando na vida até começarem a limpeza e me expulsarem de lá. ^^
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