9 de junho de 2015

Cortinas Fechadas

Teve um dia em que ela acordou sentindo-se um pouco sozinha.

No despertador, o trompete de Chet Baker suspirava, fazendo sua cama parecer maior do que realmente era. Vestiu-se ao ritmo do primeiro solo e saiu do apartamento, apenas para sentir o vento frio cortando seu rosto. O tempo estava mudando. Sua vida não.

Para escapar do frio, entrou no metrô e espremeu-se na multidão de rostos tão cinzentos quanto o céu, todos eles com olhos presos em pequenas mensagens de texto. Brincou consigo mesma tentando adivinhar sobre o que eram as mensagens, mas, quando era vez do homem de terno e gravata e cara de bravo, desceu do trem.

Passou em frente a prédios de escritórios com gente andando apressada, correndo atrás do horário. Ela não entrou em nenhum. Apenas fechou o casaco e continuou andando pela rua, tentando compreender como as pessoas conseguiam andar olhando apenas o chão, enquanto ela caminhava olhando para frente.

Por um momento, chegou a tentar imitá-los, mas não conseguiu. Achava o mundo interessante demais para fitar apenas a calçada e os pés das pessoas, ou manter os olhos num celular que parecia aliviar uma solidão que, ela sabia, não passava nunca.

Entrou num café e ouviu dos garotos conversando sobre a noite de ontem. Um deles falava sobre a mulher da internet com quem tinha saído, mas quando o outro perguntou o que ela fazia da vida ou onde morava, ele não soube dizer, mas ressaltou que mesmo assim a noite havia sido boa e o resto não tinha importância.

Ela engoliu o café e foi embora, voltando a caminhar pela avenida. Estudantes cabulando aula trocavam mensagens animadas no celular, sonhando com beijos de pessoas que nunca viram na vida e postando fotos que seriam admiradas por pessoas sem muita importância.

O vento apertou e ela fechou seu casaco, aquecendo um pouco seu peito. Um jornal daquela manhã que trazia notícias já esquecidas voou em sua direção, rolando pela calçada junto com um cartaz anunciando recarga para celular.

Quando percebeu, estava na frente do prédio dele. Olhou para o alto procurando pela sua janela. As cortinas fechadas diziam que ele não estava em casa, mas ela teve o impulso de atravessar a rua. Jamais passaria pelo porteiro, mas não estava pensando nisso e sim em se encolher na poltrona perto da janela – será que a poltrona ainda estava perto da janela? –, abraçando as próprias pernas e esperá-lo tomando um chocolate.

E quando ele chegasse, ela estaria ali, com um casaco branco, calças de moletom e meias, esperando por ele. E matariam a saudade de um amor que nunca aconteceu de verdade no tapete da sala, sorrindo de forma desajeitada e sem se importar se os vizinhos estavam vendo alguma coisa. E dormiriam ali mesmo, e ela acordaria enrolada nele sem achar que o chão parecia grande demais.

Mas as cortinas estavam fechadas. Ela pensou em esperar, mas percebeu que não tinha coragem de aparecer de repente e foi-se embora, enfrentando o vento.

Continuou caminhando pela rua e observando as pessoas, tentando adivinhar se algum deles olharia para seus olhos. Mas todos olhavam para as telinhas pequenas, caçando fotos milimetricamente espontâneas, apaixonando-se sem conhecer a risada, desejando sem nunca ter sentido o cheiro.

E foi-se embora para casa, observando as pessoas que não a observavam. Quando abriu a porta do apartamento o céu já estava escuro, anunciando que mais um inverno não tardaria a chegar. Ligou o som e trocou de roupa, sentando-se perto da janela e brincando que estava no apartamento dele.

Mas voltou à realidade ao ouvir seu próprio celular, que havia ficado em casa. Cortou o apartamento sem pressa e descobriu seis novas mensagens. Todas de pessoas diferentes, Todas querendo algo. Todas querendo ela.

Suspirou.

Estava cansada disso. Estava cansada de noites que se encerravam antes da manhã, estava cansada de jogos de palavras, estava cansada das mesmas frases prometendo as mesmas coisas e mascarando as mesmas intenções. Não queria mais paixões que durassem a noite inteira, e sim um amor que ao menos atravessasse o café da manhã. Não queria mais beijos mecanicamente ardentes e sim um abraço genuinamente caloroso.

Queria alguém que olhasse seus olhos e não suas fotos. Queria alguém que sorrisse para seu sorriso, e não para o que havia digitado.

E, ligando novamente o aparelho de som, foi dormir. O trompete voltou a tocar e a cama se tornou ainda maior, pois ela deitou-se encolhida num canto. Um trovão tremeu o céu. O tempo estava mudando. Sua vida não.

Teve uma noite em que ela deitou sentindo-se extremamente sozinha.

E adormeceu fingindo ganhar um abraço que não quisesse nada em troca. E nunca soube que, algumas horas antes, ele estava na frente do seu prédio, olhando para seu apartamento e pensando nela, pensando naquilo que quase existiu, naquilo que eles sabiam que deveria acontecer, mas que nunca deixou de ser sonho... Mas foi embora ao perceber que ela não estava em casa.

As cortinas estavam fechadas.

1 leitores:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

Eu precisava ter lido isso no dia em que guardei o link...
Precioso demais, Rob, mesmo!

 

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