– Canberra CityNews, bom dia.
– Bom dia. Meu nome é Nick e eu gostaria de fazer uma
declaração.
– A respeito de qual assunto?
– Do casamento gay.
– Pois não?
– Eu quero informar que se o casamento gay for aprovado aqui
na Austrália, eu e minha mulher vamos nos divorciar.
– Como assim?
– Meu casamento vai acabar. Será meu protesto contra isso.
– Certo.
– É isso.
– Certo. Mas qual sua declaração?
– É o que eu disse. Se o casamento gay for aprovado na
Austrália, eu e minha mulher vamos nos separar para protestar contra isso. Dá
para publicar isso?
– Não, senhor.
– Como assim? Eu tenho o direito de protestar.
– Sim, o senhor tem. O senhor pode se divorciar pelo motivo
que quiser. Mas eu acho que a importância do senhor ou do seu casamento para o
resto do mundo é nula.
– Mas é o meu casamento!
– É justamente esse meu ponto. É o seu casamento. Se eu
fizesse um jornal que fosse veiculado somente na sua casa, e meus leitores
fossem seus parentes, essa notícia certamente seria manchete. Mas, para o resto
da Austrália, o senhor não é importante. Nem importante nem interessante quanto
o senhor pensa.
– Mas eu preciso que o meu protesto seja conhecido.
– Por quê?
– Porque é a forma que eu penso.
– Que também não é muito interessante.
– Isso é um desrespeito.
– Meu senhor, confie em mim: se a forma que você pensa faz
com você achar que sua vida particular importa mais que as outras pessoas, o
senhor não deve ser uma pessoa interessante.
– Olhe, o meu casamento...
– Na verdade, senhor... Hã, qual seu nome mesmo?
– Nick.
– Isso. Nick. Até o senhor me ligar, eu nem sabia que o
senhor era casado. Na verdade, eu nem sabia que o senhor existia. Agora o
senhor me liga dizendo que vai se separar. O senhor sabe o número de separações
que temos na Austrália por ano?
– Mas a minha é diferente.
– Por quê?
– Porque eu vou me separar como forma de protesto.
– Sim, sem dúvida, isso torna sua separação diferente.
– Então vale uma notícia.
– Não. A função do jornal é noticiar o que é importante e
relevante para as pessoas. E não o que é diferente. Muita coisa é diferente e nem
por isso é interessante. Sua separação é algo que interessa somente ao senhor.
– Não concordo. Acho que o fato de minha separação ser
diferente das outras já merece ser visto de outra forma.
– Entendi. O senhor acha, então, que como sua separação é
diferente das outras pessoas, ela é especial?
– Isso.
– Em outras palavras... Sua separação merece ter mais espaço
que as outras apenas porque é diferente?
– Isso.
– Entendi. O seu argumento, então, é “ser diferente”.
– Isso.
– Posso fazer uma pergunta?
– Claro.
– Se o senhor acha que para ser especial, como sua
separação, basta ser diferente... Então, pela sua lógica, um casamento gay, que
é considerado diferente do tradicional, também seria especial.
– Como assim?
– Se o senhor acha que sua separação é especial somente porque
ela é diferente, então tudo o que é diferente é especial. Se vale para a sua
separação, vale para o casamento gay. O senhor acha que é o casamento gay é
especial?
– Evidente que não.
– Por quê?
– Porque é anormal!
– Entendi. E o senhor acha que terminar seu próprio
casamento por causa da vida de pessoas que o senhor nunca viu na vida é normal?
– Bem...
– Então, quando o senhor é diferente dos outros o senhor é
especial; quando os outros são diferentes de você, eles são anormais.
– Olhe, eu...
– Senhor, eu sinto dizer, mas não vai dar para fazer
matéria. O senhor não é diferente. Nem sua separação.
– Ninguém no mundo se separou por isso!
– É aí que o senhor se engana. Muitos casamentos já
terminaram por isso.
– Como assim?
– Meu senhor, seu casamento não vai terminar por causa do
casamento gay. O senhor pode achar isso, mas na verdade o seu casamento vai
terminar porque o senhor é um boçal. Apenas isso.
– Escute aqui, eu...
– E ser boçal, hoje, não é diferente. Infelizmente é o padrão.
Então, ser boçal não é notícia. É apenas mais do mesmo. E eu não tenho espaço
para mais do mesmo no jornal. Especialmente um mais do mesmo que seja medíocre.
Posso dar um conselho?
– Claro.
– Pense em algo inteligente para fazer e me ligue. Aí eu consigo
espaço para o senhor.
– Veja bem, eu...
– E não algo que seja inteligente para seu casamento. O seu
casamento não é importante, ninguém quer saber a respeito dele. Pense em algo
inteligente para sua comunidade, me ligue e eu terei prazer em falar com o
senhor.
Desligaram o telefone. O jornalista voltou a trabalhar,
procurando por notícias interessantes. E o homem abriu uma cerveja e ficou
pensando sobre o jornalista. E sobre a audácia do jornalista. Odiava quando as
pessoas pensavam diferente dele. Odiava.
Afinal, ele merecia ser respeitado. Deu mais um gole na
cerveja. Toda pessoa merecia ser respeitada, por que seria diferente com ele?
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Isso, claro, seria num mundo perfeito. No mundo normal,
aquele que nós vivemos, uma pessoa dessas vira notícia.
5 leitores:
E venho eu pela enésima vez te agradecer por textos como este. Obrigado, Rob. De verdade!
Usei esse texto para ilustrar o ridículo do preconceito, Rob, fantástico você conseguir através de palavras e simplicidade o complexo dessa nossa sociedade. Aplaudindo de pé!
Usei esse texto para ilustrar o ridículo do preconceito, Rob, fantástico você conseguir através de palavras e simplicidade o complexo dessa nossa sociedade. Aplaudindo de pé!
Supimpa! Quem sabe um dia seremos adultos (rs) o suficiente pra não agirmos como boçais!
Supimpa! Quem sabe um dia seremos adultos (rs) o suficiente pra não agirmos como boçais!
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