Teve um sábado em que a Menininha percebeu que havia uma
toalha esquecida em cima de sua cama.
Levantou-se e aproximou-se do pano, estudando-o com cuidado.
Não. Não conhecia aquela toalha. Talvez fosse da sua mãe ou do seu pai, mas
definitivamente não era sua. Era preta e todas suas toalhas tinham bichinhos.
Era grande demais para ela. Apanhou a toalha e sentiu o tecido felpudo em suas
mãos.
Mas também sentiu algo mais. Algo que nunca havia sentido
antes. E foi assim que ela amarrou a toalha em seu pescoço, deixando a toalha
cobrir suas costas inteiras e indo até o meio das suas pernas.
Agora ela era uma Menininha com uma Capa.
E, com sua capa tremendo ao vento, saiu voando de seu quarto
para testar seus poderes. Flutuou até a cozinha onde viu o papai lavando a louça.
Voou ao redor dele e voltou para a sala, onde a mamãe assistia a um programa na
televisão ao lado da vovó.
Seus poderes não eram necessários ali, então decidiu
patrulhar o resto da casa. Voou pelos corredores, entrou no quarto do papai e da
mamãe, no escritório onde o papai trabalhava e vasculhou também os banheiros, procurando
algum sinal de perigo em todos os cantinhos, até mesmo dentro dos armários. Não
encontrou nada, então voou para a lavanderia.
Estava voando por cima da máquina de lavar quando ouviu um
latido vindo de baixo.
Seu cachorro estava latindo para chamar sua atenção. A Menininha
deslizou pelo ar e pousou suavemente ao lado do cãozinho que pulava ao seu
redor, fazendo festa. Foi quando teve uma ideia. Deixou o bichinho cheirar sua
toalha, sabendo que assim um pouco do poder passaria para ele. Dito e feito.
Assim que o cachorrinho cheirou a toalha, ele também começou a voar. E decolaram
juntos.
Agora, ela era uma Menininha com uma Capa e um Parceiro.
Juntos patrulharam a casa mais uma vez. Ela voando com o
punho apontado para frente, e seu parceiro – que agora também tinha uma pequena
capa – seguindo-a de perto. A Menininha e o Cãozinho estavam juntos, prontos
para enfrentar todos os perigos, derrotar todos os vilões e combater as
injustiças.
E foi assim com sua Capa e seu Parceiro que a Menininha
atravessou a sala voando e entrou no corredor.
E logo estava flutuando sobre a cidade usando sua velocidade
incrível. Passou por cima de casas e prédios sempre seguida pelo Parceiro. E
subiu para sempre, subiu até o infinito, furando as nuvens de algodão e chegando
perto das estrelas que ela sempre pensou que eram pedacinhos pequenos de cristal.
E encontrou o Perigo.
Era uma revoada de naves espaciais que vinham até a Terra
raptar o papai, a mamãe e a vovó. Todas elas eram pilotadas por grilos iguais
aqueles que do jardim da sua casa. Eram grilos verdes que cantavam e esfregavam
as patas umas nas outras, como se estivessem sempre planejando algo.
Mas havia uma nave maior. Uma nave grande e pilotada por
aquele Homem Mau do programa de TV que o papai assistia. E o Homem Mau percebeu
que ela estava ali com o Cãozinho, e começou a rosnar de raiva porque homens
maus estão sempre com raiva de tudo. E ordenou que as naves-grilo a atacassem.
Foi uma batalha difícil. As naves a cercaram, mas ela tinha super
velocidade e hiper força e ultra resistência. Socou as naves que estavam mais
próximas, enquanto o Cãozinho atacou as outras. O Homem Mau pareceu ficar ainda
mais bravo, e ela pegou uma das naves grilo e girou com força e a atirou para
longe, enquanto o Cãozinho latia para espantar os outros grilos.
O Homem Mau estava cada vez mais zangado. Ele xingava e socava
os controles da nave e decidiu atacar por conta própria. Sua nave virou um
tesourão assustador, igual ao que a mamãe usava para cortar o frango e não
deixava a Menininha encostar para não cortar o dedo, e se aproximou disparando
raios na direção do Cãozinho.
A Menininha sabia que precisava proteger o Cãozinho. Juntou sua
força e respirou fundo e assoprou com força, fazendo com que a nave tesourão do
Homem Mau voasse para longe, se perdendo no meio dos pedacinhos de cristal e
indo muito longe, mas assim muito longe mesmo, indo até Lua que estava redonda e
grande e que o titio tinha falado uma vez que era feita de queijo.
Ouviu o Homem Mau gritando de raiva enquanto ela comemorava e
o Cãozinho dançava e latia ao seu redor. O Homem Mau agora estava preso na Lua
Feita de Queijo e nunca mais ia incomodar o papai ou a mamãe ou a vovó. Ela
havia vencido com seus poderes e todo mundo na escola ia morrer de inveja dela
por causa disso.
E ela também não via a hora de contar isso para o papai e a
mamãe e a vovó.
Mas assim que pensou isso começou a sentir fraca. Era como
se estivesse perdendo seus poderes. Tentou continuar flutuando, mas não
conseguiu e começou a cair, junto com o Cãozinho. Sabia que estava caindo por
algum motivo que estava dentro dela, mas não sabia o que era.
E girou e girou e girou no meio dos pedacinhos de cristal,
vendo a bolinha azul que ela conhecia de desenhos animados ficar cada vez maior
até ficar uma bola azul que dava para ver a praia e a terra e os prédios e
girou e girou e girou até a bola azul virar uma enorme bolona azul, caindo ao
lado do Cãozinho que latia assustado e sentindo aquela coisa estranha que parecia
um vazio e que impedia a Menininha de voar e passou descendo feito um raio pelas
nuvens de algodão e logo estava caindo no meio dos prédios, vendo as janelas
passando em raios de cores ao seu redor. Tentou voar mais uma vez, mas não
consegu...
Aterrissou em algo macio.
Macio e firme.
Abriu os olhos e viu que estava nos braços do papai, que a
colocava com cuidado na cama. A mamãe estava ao lado dele, e a Menininha tentou
falar que tinha vencido o Homem Mau e que agora tudo estava bem e que nem ele
nem os grilos iam voltar... Mas não conseguiu falar. Estava cansada demais.
Tudo o que ouviu foi o papai dizer baixinho para a mamãe que
ela brincou tanto hoje que pegou no sono ali mesmo no corredor, brincando com
aquela toalha. E voltou a dormir sentindo sua mãe beijando sua testa e
suspirando um “dorme bem, meu amor”.
Naquela noite, a Menininha sonhou que estava de volta ao
espaço lutando contra o Homem Mau e sua nave tesourão e os grilos. E ela fazia
a mesma coisa, voava e socava, lutava e assoprava e derrotava todo mundo.
Mas desta vez o papai e a mamãe e a vovó estavam ali com
ela, voando no espaço.
E desta vez ela não caía.
Ela continuava dançando e girando e flutuando no meio dos
pedacinhos de cristal junto com o Cãozinho, com o papai, com a mamãe, com a
vovó. E de repente todo mundo que ela gostava estava ali. E ela não caía. Ela
apenas ria e sorria e ria mais um pouco, feliz da vida.
Pois seus poderes não vinham da toalha amarrada no pescoço,
mas sim do amor que sentia. Foi por isso que ela caiu na primeira vez, pois
estava sozinha. Quando ela ficou sozinha, seus poderes acabaram. Seus poderes
vinham do amor. Não era a toalha. Era o amor, mas então seu ponto fraco –
porque todo herói tem um ponto fraco – era a saudade.
Foi nesse dia que a Menininha percebeu que o amor lhe
permitia voar, mas a saudade poderia fazer com que ela caísse. E, para nunca
mais cair, jurou ainda dançando no meio dos pedacinhos de cristal, junto com o papai
e a mamãe e a vovó que nunca ficaria longe de quem ela gostava.
Deitado aos pés da sua cama, o Cãozinho cuidava para que
isso fosse verdade. Ela jamais ficaria sozinha, mesmo que não soubesse disso. Pois
é isso que parceiros fazem: eles não nos deixam sozinhos.
E, respirando fundo, o Cãozinho continuou observando a
Menininha dormir.
E sorriu vendo que ela estava em paz. Em paz e voando.
2 leitores:
Lindo. Lindo. Li com o coração na mão, tive tanto medo... Que bom que o final foi feliz. Essa crônica fez meu dia.
Fiquei com medo da menina cair do apartamento,ou atravessar a rua com. A capa e sofrer um acidente , tenção até o fim,deu tudo certo.
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