Foi perfeito.
Ele estava na rua, ao lado de uma multidão de pessoas imóveis
sem rostos, tentando entender o que as pessoas estavam fazendo. Tentava
entender também porque ele não fazia parte da multidão e estava com medo de ser
diferente demais, quando viu ela se aproximando.
Com os olhos verdes fixos nele, ela andou diretamente em sua direção,
cortando caminho no meio da multidão. Ele ficou apreensivo, achando que ela não
iria conseguir chegar até ele – pois de repente ela alcançá-lo era a coisa
mais importante do mundo.
Mas ela conseguiu. Foi quase por mágica, pois, de repente,
estava de frente para ele. Segurou o queixo dele carinhosamente com a ponta dos
dedos – de uma forma que, naquele momento, pareceu o jeito mais carinhoso de
segurar o queixo de alguém. Em seus olhos claros, a expressão de quem está
prestes a revelar seu maior segredo.
- Eu sempre fui apaixonada por você.
E ele se sentiu amado como nunca antes. Pela primeira vez na
vida, teve certeza de que era para sempre. Não aquela certeza besta de quem se
apaixona e tem certeza até das dúvidas, mas sim aquela certeza madura que surge
de um momento que explica tudo. De repente, tudo fazia sentido.
A multidão recuperou seus movimentos e voltou a andar, cada um para um lado, todos em preto e branco. Somente ela, com seus olhos claros, sua boca pequena e seus cabelos na altura do ombro era colorida. Talvez ele fosse colorido, talvez fosse preto e branco, mas não parou para conferir. Porque ele não precisava de cores, ele era amado e tinha cores próprias.
A multidão recuperou seus movimentos e voltou a andar, cada um para um lado, todos em preto e branco. Somente ela, com seus olhos claros, sua boca pequena e seus cabelos na altura do ombro era colorida. Talvez ele fosse colorido, talvez fosse preto e branco, mas não parou para conferir. Porque ele não precisava de cores, ele era amado e tinha cores próprias.
– Nós ainda não podemos ficar juntos.
Ela insistiu.
– Nós precisamos. Eu não consigo viver sem você.
A frase soou pesada. De repente, o amor não era apenas uma festa,
era responsabilidade. Ele era responsável por ela, da mesma forma que ela era
responsável por ele. E se sentiu um idiota por nunca haver percebido isso até
então, sendo que ela parecia ter entendido isso desde o começo que ele nem sabia
quando foi. Mas não importava. Ele seria amado para sempre. Mas havia algo entre eles e o para sempre. Algo que precisava ser feito.
– Nós precisamos de uma tatuagem. Precisamos disso para o
começo começar.
Estranhou a frase assim que ela saiu de sua boca. Sabia que
era uma frase horrível, mas não se importou, pois seria amado para sempre e
quem é amado para sempre pode escorregar em uma ou outra frase que será sempre compreendido.
Pois não era amor. Era mais que amor. Era amor para sempre.
Estavam no estúdio de tatuagem. Ele sentiu a dor no pulso, mas
nunca olhou a tatuagem. Olhava apenas para ela, que estava de costas
para ele, olhando os desenhos de outras tatuagens expostos na parede. Sentiu
cheiro de pele queimada mas não vinha de sua tatuagem, pois não sentia dor.
Pois seria amado para sempre. Um barulho de metal batendo em metal vinha de
algum lugar ali perto.
A tatuagem estava pronta, mas ele nunca olhou. Olhou apenas
para ela – que agora estava de frente para ele. Ela disse sem esconder o medo
em sua voz, em meio ao barulho de metal com metal que ficava cada vez mais alto.
- Você demorou. Eu já tenho a minha pronta. Já tenho o nosso
começo.
Ele abaixou os olhos e viu a letra B, a primeira do seu nome, escrita no pulso dela.
Quis olhar para a sua e descobrir qual era a letra tatuada em seu pulso, mas
ela segurou seu queixo mais uma vez – novamente daquele jeito. O barulho de
metal batendo em metal não o deixava ouvir mais nada, a não ser o que ela
disse em seguida.
- Eu sempre quis beijar você.
E as paredes começaram a escorrer, como se dissolvendo em água.
O som metálico era altíssimo, e ele estranhou o fato de que ninguém mais estava
ouvindo. Os desenhos desapareceram, e ela também começou a sumir, quase como névoa.
Ele segurou seus cabelos com força – tomando cuidado para não machucá-la –
tentando fazer com que ela não desaparecesse antes do beijo. Pois o beijo faria
com que ela ficasse, o beijo faria com que fosse para sempre, o beijo faria com
que tudo que vivera até então fizesse sentido.
Mas ela sumiu.
E ele acordou mexendo os dedos, segurando os cabelos dela.
Sozinho na cama. Sozinho no quarto. Esticou
o braço e silenciou o despertador que berrava ao seu lado. No silêncio,
percebeu que aquele era o barulho metálico que estava ouvindo. No silêncio,
percebeu que tudo fora apenas um sonho e sentiu-se vazio.
Olhou para o pulso em busca da tatuagem.
Nada.
Aguçou a memória em busca do nome dela.
Nada.
Procurou em seu peito a ideia de ser amado para sempre.
Nada.
Sentado na cama, fechou os olhos e ao invés de pensar em
tudo o que tinha para fazer, pensou rapidamente que trocaria tudo por poder voltar ao sonho, mas a ideia passou tão rápida pela sua cabeça que
ele quase conseguiu fingir que ela nem existiu. E procurou não dar mais atenção ao
sonho e foi cuidar do seu dia.
Pegou o metrô, foi para o trabalho. A garota ainda estava
nele. Chegou ao trabalho, fez suas ligações, respondeu seus e-mails. A garota ainda
estava nele. No meio do almoço, lendo o jornal de esportes, ela começou a
desaparecer. Não lembrava mais dos seus cabelos, por mais que tentasse. Na
volta para o trabalho, uma reunião chatíssima fez com que os olhos dela também
sumissem e sentiu-se triste, pois o que era para sempre estava começando a
desaparecer.
Rabiscou o B tatuado em um caderno, distraído, querendo manter ao menos uma coisa do sonho nesta realidade onde não era amado para sempre. Deixou a tatuagem no caderno em sua mesa e foi para casa lembrando-se apenas do modo que ela havia segurado seu queixo e entrou no metrô com a frase “eu sempre fui apaixonada por você” ecoando em sua mente como uma música que gruda na cabeça sem a gente saber o motivo.
Rabiscou o B tatuado em um caderno, distraído, querendo manter ao menos uma coisa do sonho nesta realidade onde não era amado para sempre. Deixou a tatuagem no caderno em sua mesa e foi para casa lembrando-se apenas do modo que ela havia segurado seu queixo e entrou no metrô com a frase “eu sempre fui apaixonada por você” ecoando em sua mente como uma música que gruda na cabeça sem a gente saber o motivo.
E, no metrô lotado, respirou fundo, querendo trocar a
multidão do vagão pela multidão do sonho, pois a multidão do sonho tinha a
garota, e a garota tinha o toque no seu queixo, e o toque no seu queixo tinha a
ideia de que alguém sempre fora apaixonado por ele, e a ideia de que alguém sempre
fora apaixonado por ele tinha uma tatuagem e a tatuagem tinha um para sempre e
o para sempre tinha o beijo mais importante da sua vida e que ele nunca conseguiu
dar.
E de repente ela estava na frente dele.
Sentada, a poucos metros do vagão, distraída e olhando pela
janela. Os cabelos eram os mesmos, os olhos eram os mesmos, talvez um pouco
mais tristes do que ele se lembrava. Mas era ela. Tinha certeza disso. Seu corpo
tremeu de uma saudade que surgiu subitamente parecendo ter anos de história, e teve o
impulso de falar com ela mas não se mexeu. Não saberia o que dizer. Queria que
ela tocasse no seu queixo, mas teve medo de estar louco. Queria dizer que sabia que ela
sempre fora apaixonada por ele, mas teve medo de estragar tudo. Queria dizer
que sempre seria dela, mas...
Mas ela se levantou ao ouvir o nome da próxima estação.
E, quando ela se levantou, descruzou os braços revelando um brilho estranho no pulso. Era um plástico, embalando uma tatuagem que parecia ter sido feita apenas poucas horas antes.
E, quando ela se levantou, descruzou os braços revelando um brilho estranho no pulso. Era um plástico, embalando uma tatuagem que parecia ter sido feita apenas poucas horas antes.
A letra B.
Ele a seguiu com os olhos e por um momento chegou a pensar
se não estava sonhando de novo, mas a cotovelada que levou nas costas de alguém fez com que se convencesse de que estava no mundo
real. Foi empurrado e, ainda sem ação e dentro do metrô, procurou pela garota na plataforma.
Ela estava andando, de costas para ele. Mas quando seus
olhos a encontraram, ela parou. E ficou parada, de costas para o trem, em meio
à multidão de pessoas sem rosto que corria para lá e para cá por uns instantes.
Até que se virou de volta para o trem e olhou diretamente para ele. E sorriu um sorriso de “Um dia...”, ao mesmo tempo que as portas do metrô se fecharam com ele dentro.
O metrô
partiu e ela ficou estática na plataforma, se despedindo dele com os olhos e
sem parar de sorrir.
Pois, ali, seu sorriso era para sempre.
Desde então, ele pega o metrô todos os dias no mesmo
horário. E sempre no mesmo vagão. Nunca mais viu a garota da tatuagem no pulso.
Mas de vez em quando ele a reencontra nos sonhos. Ela continua
com a tatuagem, e ele também – mas ele sempre se esquece de olhar para o
próprio pulso e ver qual letra ele tatuou. A única vez que ele tentou, não
conseguiu, pois ela segurou seu queixo puxando seu olhar para dentro dos olhos dela.
E ele não resiste, pois sabe que será amado para sempre.
Porque, ali nos sonhos, o começo já começou.
E ele não resiste, pois sabe que será amado para sempre.
Porque, ali nos sonhos, o começo já começou.
3 leitores:
Ficou ótimo cara! E o final não lá tão feliz ficou a minha cara. Eu não teria coragem de ir atrás da mina e nem falar com ela. Ia viver na fantasia.
Obrigado por mais um texto maravilhoso.
PS: Sou da turma dos que leem tudo mas quase não comentam. Sei que deveria comentar mais e os comentários são sempre bem vindos, mas acabo deixando de lado. Esse não tinha como, eu precisava vir aqui deixar umas palavras. :-)
Êta cotidiano bom de histórias, Rob!!
Maravilhoso!
Forte abraço!
Sensacional Rob!
Como sempre, mandou muito bem! É incrível que com tão pouco tempo você é capaz de escrever um texto desse com tamanha qualidade! "A prática leva a perfeição", não é o que dizem?
Grande abraço!
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