Começou como qualquer outra pessoa que conhecia, usando
casualmente.
Às vezes, não tinha o que fazer e usava. Foi assim por
algumas semanas até que começou a procurar não ter o que fazer para usar. Mas
mesmo nessa época ainda isso não atrapalhava seu dia, pelo contrário: ele
adiantava todas suas tarefas para poder ter um tempo de matar sua vontade.
Logo as coisas mudaram e para pior: deixava tarefas
incompletas ou nem mesmo as começava, pensando somente em satisfazer seu vício.
E usava cada vez mais.
E, conforme o tempo passou, começou a perceber que não
bastava mais usar para fazer passar a vontade. Usava, usava e usava, e a
vontade estava sempre ali. Usar não passava a vontade. Às vezes, estava usando
e já pensando na próxima vez que usaria. Qualquer coisa que olhava fazia com
que tivesse vontade de usar. Qualquer coisa pensava fazia com que tivesse
vontade de usar. Passou a viver em função disso.
Sua vida social começou a se esfacelar. Deixou de ver os
amigos. Não ligava mais para a família. Combinava compromissos quando estava
usando – sempre sem pensar, porque quando usava não conseguia pensar direito –
e esquecia completamente deles. Perdia a noção das horas e dos dias da semana. Seu
relógio marcava sempre a hora que iria se entregar ao vício.
Lia notícias sobre pessoas que perderam tudo por causa do mesmo
vício, mas ria e dizia que isso jamais aconteceria com ele. Todos eram fracos.
Todos menos ele. Ele pararia a hora que quisesse. Dizia isso e corria para o
quarto, sentava-se na escrivaninha (onde guardava os apetrechos de seu vício) e
voltava a usar. E ficava ali, embriagado e perdido dentro de seu próprio mundo
imaginário, sem distinguir o que era real e o que era fantasia.
Os meses se passaram. Perdeu peso e ganhou cabelos brancos.
Perdeu amigos e ganhou memórias de pensamentos irreais. Perdeu a capacidade de
enxergar a realidade como ela era; às vezes, quando encontrava os poucos amigos
que sobravam, fazia longo discursos sobre suas últimas viagens, e como a vida
dentro da sua droga funcionava melhor – e fazia mais sentido – que a vida das
outras pessoas. Mas eram discursos desconexos, com frases perdidas e que sempre
terminavam com o pensamento “você precisa experimentar um dia”.
Mas um dia foi surpreendido pelos amigos. Estava na
escrivaninha usando. Pela sua aparência, estava a dois dias sem dormir, sem
comer, sem tomar banho. Os amigos o arrancaram de lá – ele protestou, balbuciando
coisas sobre uma garota que estava em um trem, que precisava ver o que iria
acontecer com ela – e o jogaram num carro. Explicaram que era para o seu bem. E
o levaram a uma clínica de tratamento.
Passou os primeiros dois dias trancado no quarto, sozinho.
Era o início da desintoxicação e foi horrível. Suas entranhas queimavam, sua
cabeça doía. Gritava e socava as paredes, e depois ajoelhava e implorava
baixinho, dizendo que precisava usar apenas por cinco minutos e tudo ficaria
bem. Não comia, não dormia. Às vezes ficava parado em pé, no canto do quarto,
totalmente imóvel. Somente as pontas dos seus dedos se mexiam, como se tamborilassem
o ar. “É reflexo da abstinência”, disse uma enfermeira.
No terceiro dia ele pode passear pelo local, sedado e
acompanhado de enfermeiras. E, à tarde, à primeira reunião, com outros
viciados. Subiu no púlpito e disse seu nome. Quando os aplausos cessaram, ele declarou
sua primeira vitória:
- Estou há três dias sem escrever uma crônica.
1 leitores:
Escrever é um vício bom...
Ler é um vício bom...
Ficar sem nenhum eles dois é beeeeeeeeeeeeem complicado, rs
Forte abraço!!
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