Sentado num canto da sala, escrevia no computador.
Estava concentrado e em silêncio, digitando rapidamente. Não
considerava aquilo um trabalho. Fazia isso há tanto tempo que, para ele,
escrever e trabalhar eram a mesma coisa, uma mistura de prazer e obrigação.
De repente, levantou a cabeça e olhou ao redor, percebendo
que o Sol estava se pondo. O entardecer deixava a sala mais alaranjada,
anunciando a escuridão que se aproximava. Colocou o computador de lado e
levantou-se para acender o abajur. No meio do caminho, foi surpreendido pelo
toque da campainha. Atravessou a sala e abriu a porta.
Mas não havia ninguém ali. Olhou ao redor. Ninguém. Abaixou
os olhos, esperando encontrar sua correspondência no corredor, mas não havia
nada no chão. Deu de ombros, fechou a porta e deu meia volta...
Apenas para encontrá-la ali, sentada na poltrona ao lado do
sofá.
Era magra usava cabelos curtos, penteados para trás. Vestia calças
e uma espécie de jaqueta, sem bolsos e fechada até o pescoço, como um vilão de
Jornada nas Estrelas. Todas suas roupas eram claras. Seu cabelo era branco.
Segurava uma xícara nas mãos. Chá.
O escritor parou no meio do caminho. Sabia que deveria estar
assustado, mas, mesmo sem entender o motivo, não se sentia assim. Na verdade, sentiu-se
estranhamente conformado.
Ela não deu atenção a ele. Olhava ao redor, mas sem fixar seu
olhar no escritor ou em qualquer outra coisa da sala. Estudou o ambiente por
alguns instantes, até que voltou os olhos para o homem parado no meio da sala.
- Você não vai continuar escrevendo?
O escritor não respondeu de imediato. Continuou de pé e
imóvel, fitando a figura sentada na poltrona, que agora levava a xícara à boca,
dando goles pequenos.
Sentiu seus ombros caindo levemente. Uma pequena sensação de
impotência correu pelo seu corpo, mas rápida demais para ser notada. Por uma
fração de segundos, pensou nas palavras “ombros caindo” e se lembrou de alguns
personagens que havia criado ao longo dos anos. Já havia escrito esta expressão
algumas vezes em seus romances, mas, naquele momento, a frase “ombros caindo”
lhe pareceu estranhamente nova. Era como se estivesse imaginando estas palavras
pela primeira vez. Ou como se finalmente tivesse compreendido todo o cansaço
que elas fizeram seus personagens sentirem.
- Você sabe quem sou eu, certo?
A frase cortou seus pensamentos. A figura na poltrona estava,
agora, olhando diretamente para ele. Ao menos era o que parecia. Não tinha
certeza, pois os últimos raios do Sol que começava a se esconder entravam pela
janela e batiam diretamente no rosto dela, lhe conferindo uma aura estranha.
- Acho que sim.
- Eu sou a Idade.
Ao ouvir a frase, o escritor percebeu que uma pequena
esperança de que aquilo não estava acontecendo ainda existia secretamente dentro
dele, mas havia acabado de morrer. Sentiu-se um pouco vazio e seus ombros caíram
novamente.
- Sim. Eu sei.
- Você pode continuar escrevendo.
O escritor pensou em caminhar até o computador e voltar a
trabalhar, mas lembrou-se de algo importante.
- Eu não consigo escrever com alguém perto de mim.
- Bem, eu aconselho você a encontrar uma forma disso. A
partir de agora, eu vou estar sempre ao seu lado.
- Você não pode esperar somente eu acabar aquele texto?
A figura na poltrona deu mais um gole no chá, antes de
responder.
- Você realmente quer controlar a Idade?
- Não, não é isso. Eu estou apenas pedindo um favor. Umas
duas horas.
Ela colocou a xícara de lado, levantou-se e caminhou até a
estante, observando alguns porta-retratos.
- Este na foto é você? Nesta mesa de restaurante.
- Sim. Foi numa viagem.
- Quando foi isso?
O escritor parou para pensar.
- Uns quatro anos atrás. Não. Cinco. Cinco anos atrás. Acho.
- Você não consegue se lembrar. Você está feliz na foto. Seus
olhos estão brilhando. Mas não consegue mais se lembrar de quando foi.
- Bem, você me pegou de surpresa...
- Estou apenas provando um ponto. A Idade nunca chega cedo
demais. Todos falam isso, mas sempre chegamos na hora certa. Porque são vocês,
pessoas, que determinam quando nós devemos aparecer.
- Mas a minha idade... Eu tenho só...
- Não é uma questão de tempo. A Idade não se mede por anos. Algumas
pessoas vivem décadas e morrem sem nunca ver a Idade chegar. Outros são
obrigados a conviver conosco desde os vinte anos. Depende de cada um. Nós aparecemos
somente quando é nossa hora. O mesmo acontece com a Morte e com a Juventude.
- A Juventude nunca apareceu para mim.
- Você não ter visto a Juventude não quer dizer que ela não
tenha aparecido. Ela estava ao seu lado durante anos. Na verdade, ela estava até
alguns dias atrás. Eu ainda consigo sentir o perfume dela. Mas, seja sincero...
Porque alguém iria se preocupar em enxergar a Juventude sendo jovem? Os jovens
não pensam no tempo. Você não pensava no tempo.
- Tem razão.
- Caso sirva de consolo, pessoas que ficam procurando a
Juventude o tempo inteiro normalmente são as primeiras a receber a visita da
Idade. Estas pessoas são aqueles que têm mais dificuldade em lidar com nossa
presença. São as pessoas que se recusaram a ver o tempo passar porque estão
justamente procurando encontrar uma forma de enganar o tempo.
Ambos ficaram em silêncio. A figura magra aproximou-se da
janela e observou a vista por alguns instantes, até falar como se estivesse
apenas pensando alto.
- O Sol está se pondo. O dia está acabando.
O escritor não deu atenção. Estava pensando em outra coisa.
- Mas e agora? O que acontece?
A Idade virou-se lentamente para o homem. Ela parecia não
ter pressa para nada.
- Como assim?
- Agora você fica aqui comigo o tempo inteiro?
- Isso.
- E o que eu faço?
- Você faz aquilo que você sempre fez. Você faz aquilo que todas
as pessoas sempre fizeram com suas vidas. Você escolhe.
O escritor ficou em silêncio. Sabia que ela iria continuar.
- Eu vou estar ao seu lado o tempo todo. Em qualquer lugar. Você
pode me ignorar, pode fingir que eu não estou ali, mas saberá que está se enganando.
Sempre que você se sentir cansado, sempre que seu corpo doer, sempre que o frio
parecer mais frio que no ano anterior, você saberá que eu estou aqui.
- Certo. Você falou sobre uma escolha, mas aparentemente eu
não tenho escolha alguma.
- Você não tem escolha sobre eu estar aqui ou não. Mas você
tem escolha sobre como lidar com isso.
A esta altura, o Sol já estava quase totalmente escondido no
horizonte.
- Como assim?
- Você pode passar anos tentando compreender o que eu estou
fazendo aqui. Amaldiçoando minha presença cada vez que suas costas doerem, sempre
que ficar doente, sempre que dormir mal. Porque isso vai acontecer. Mas você
pode escolher em aceitar os presentes que trago.
- Que presentes?
- Sabedoria. Paciência. Prioridades, principalmente.
- Prioridades?
- Sim. Se eu estou aqui, é porque você já tem condições de
entender que muitos problemas não são problemas. Que muito do que precisa ser
feito precisa ser feito somente dentro da nossa cabeça. Se eu estou aqui, é
porque você já sabe que os dias e os anos mudaram e você mudou.
- Como assim, os dias e os anos...
- Os dias eram curtos e os anos eram longos. Hoje, você está
percebendo que os dias estão se tornando longos e os anos estão mais curtos.
- Eu já vi esta frase antes.
- Esta frase é minha. Ela já foi escrita, mas ela é minha.
De repente, o escritor se sentiu cansado. Uma nova xícara de
chá havia se materializado na mão da Idade. Ela deu um gole.
- Quantos textos você escreveu na vida?
- Centenas. Milhares.
- Todos foram importantes?
- Não.
- Este é meu ponto. Você se cansou escrevendo muita coisa
que não foi importante. A partir de agora, você sabe que não pode fazer mais
isso. Você não tem mais tempo para isso. A partir de agora, você saberá
escrever somente o que é importante. Não irá mais perder tempo com bobagens. O
nome disso é experiência. É o maior presente que trago.
- Mas estes textos...
Ela fez um sinal de desdém.
- Os textos são apenas um exemplo. Estou falando da sua
vida, não somente dos seus textos.
- Entendi.
- Prioridades. Brigas não são brigas. Mágoas foram feitas
para ser esquecidas. Vitórias devem ser lembradas sem vaidade. Rancor,
tristeza, orgulho... Isso gasta tempo. Por isso são considerados pecados.
- Sim. Eu concordo.
- Você concorda hoje. Até pouco tempo atrás, você não tinha
como saber isso. Hoje você sabe. Por isso estou aqui.
Subitamente, a porta do apartamento se abriu e a esposa do
escritor entrou na sala. Ele ficou em silêncio. A Idade também. Ela deu-lhe um
beijo de boa noite e, ao afastar seu rosto, olhou para ele com atenção, como se
procurasse algo no rosto dele.
- Você está diferente...
- Como assim?
- Não sei. Tem algo diferente no seu rosto. Parece cansaço.
- Pode ser.
- Aposto que você escreveu o dia inteiro.
- Sim.
- Você precisa descansar um pouco.
Ela foi para o quarto guardar suas coisas. Ele ficou
pensando sobre o que ela havia dito. Sabia que o cansaço não era por ter
escrito durante horas, mas por causa daquela figura usando roupas claras que estava
novamente olhando pela janela.
- Ela não vê você?
- Ainda não. Não é hora dela. Na verdade, ela vai começar a
me ver em você. Nos seus olhos. Nas suas frases. Mas ela vai se acostumar. Com
a Idade, o amor aparece totalmente.
O escritor foi até a janela e parou ao lado da Idade. Ela
deu mais um gole no chá.
- Você ainda vai escrever hoje?
- Não. Não quero. Talvez amanhã. Estou cansado.
- Isso é bom.
- Bom?
- Deixar coisas para amanhã não precisa significar preguiça.
Às vezes, é a maneira que encontramos de assumir que amamos o hoje.
- Prioridades, certo?
- Certo.
Ambos ficaram em silêncio alguns instantes. O Sol era apenas
uma lembrança. A noite já havia tomado o céu e uma brisa de verão entrava pela
janela. A Idade deu mais um gole no chá.
- A noite está linda.
- Verdade.
- Eu gosto de noites bonitas. Fazem a gente se lembrar do
que vale a pena.
E, de repente, o escritor sentiu-se vivo. O sentimento o
invadiu como se fosse a primeira vez que sentisse isso na vida. E talvez fosse.
Estava vivo há décadas, mas nunca havia parado para imaginar o quanto isso
poderia ser especial.
Teve vontade de agradecer por isso, mas teve medo de soar
ridículo e ficou em silêncio. Mas deu meia volta e foi até o quarto, atrás da
esposa.
- Vamos dar uma volta?
- Agora? Você não está cansado?
- Bastante.
- Você não prefere ficar em casa?
- Não. A noite está linda. Eu quero que você veja.
Ela sorriu um sorriso de surpresa.
- Você está bem?
- Não sei. Estou me sentindo jovem.
Ao lado da janela, na sala, a Idade deu um gole no chá.
8 leitores:
Genial.
P.S.: A idade ainda não chegou para seus textos.
Vou até favoritar pra saber dialogar quando Ela chegar. Bom texto, Rob Gordon.
Discordo do Varotto, a idade chegou para seus textos, e trouxe experiência, amadurecimento e profundidade.
Parabéns.
ótimo texto.
Ai, Rob... Acho que vou até dar uma volta. O dia tá lindo. ;)
Obrigada, de novo, por esses textos. <3
Muito bom o texto, quem me trouxe foi o Marcos Bonilha.
texto maravilhoso vale a pena repensarmos a vida começando com as prioridades....
Quanta sensibilidade!
Parabéns!
Que texto maravilhoso!
Já li e reli várias vezes e a vontade de reler continua!
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