21 de agosto de 2013

No Gargalo

Eu fugia do trabalho e você também e passávamos a tarde escondidos do mundo naquele quarto quente com as paredes transpirando, rolando na cama e matando uma fome que parecia ser de semanas e o meu cheiro virava seu cheiro e seu gosto virava meu gosto, tudo isso em meio a gritos e promessas de “para sempre” enquanto transpirávamos embaçando o vidro da janela. Com a jura de “para sempre” cumprida de forma instantânea, caímos na cama, encharcados um do outro e a fome dava lugar à sede e eu, cavalheiro em ao menos um momento, me levantava para buscar uma garrafa de água.

Você nunca soube, mas eu observava vidrado você sentada na cama, cabelos ainda grudados nas costas molhadas, virando a garrafa de água no gargalo dando goles maiores que o mundo. Sua sede era minha sede, sua água era minha água. Logo na primeira vez que vi você nua bebendo água de forma gulosa para matar a sede que causei em você soube que jamais me esqueceria daquele momento. Porque sua sede era minha, seu corpo era meu, seu mundo era eu. Sabendo que nós ditávamos as regras naquele mundo, você bebia do jeito que te desse prazer, você bebia vestindo o nada que te caía bem, você bebia apenas por beber sem se preocupar com nada.

Passamos semanas assim, construindo um mundo de suor e sede dentro daquele quarto. Não nos importávamos passado nem futuro. Havia apenas o presente e a água que eu, ainda com as pernas bambas, lhe trazia de presente. E você bebia com avidez, como se sua vida dependesse disso e eu observava porque a minha dependia da sua. Às vezes, filetes de água escapavam do seu beijo e escorriam pelo seu queixo, desembocando no seu colo, onde eu matava minha sede lhe deixando com fome. E em meio a juras de amor nos alimentávamos um do outros, nos fazíamos famintos um do outro. Em meio aos “preciso de você” que escapavam sorrateiros entre um gemido e outro, construíamos um mundo.

E sempre que eu voltava para o quarto e encontrava você deitava e nua, ainda ofegante, na cama, eu sabia que era para sempre. Eu sabia que tudo o que precisava era de três ou quatro goles vorazes de água, sem se preocupar se ela escorria ou não pela sua pele, se ela caia ou não nos lençóis manchados de nós, para que tudo recomeçasse mesmo sem nunca ter chegado a um fim. E no primeiro beijo eu sentia sua boca ainda gelada da água e me deixava evaporar até desaparecer com o vento dentro de você, gritando “para sempre”. Porque era “para sempre” como um “para sempre” sempre deveria ser: sem começo e sem fim.

Um dia eu voltei para o quarto com a água gelada. Eu jamais dei um gole, tamanha minha sede em apenas observar bebendo feito você mesma ao meu lado. E você estava nua e ofegante e suada e satisfeita e faminta como sempre. Alguns dias depois daquela tarde abafada que eu aproveitei minha mão molhada e desenhei letras nas suas costas com gotas de água, sem saber onde acaba a água e onde começava o suor. E entreguei a garrafa para você, ansioso pelo seu beijo molhado, ansioso por ver filetes molhados descendo pelos seus seios. Mas você recusou e perguntou se “não tem um copo?”.

Naquele dia, em pé no quarto, suado, eu descobri.

Nada é para sempre.

2 leitores:

Patrícia Siciliano disse...

Que lindo, Rob... O fim do "para sempre" num copo de água.

Obrigada. :D

Manii disse...

Sensacional, Rob!

 

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