Foi no meio da festa de aniversário de Cláudio.
A casa estava cheia de gente. Amigos, familiares, colegas de
trabalho, alguns vizinhos. Até mesmo o cunhado que devia dinheiro e tinha o
hábito de ficar bêbado em todas as festas de família.
Ou seja, era uma festa de aniversário igual a todas as
outras, com a churrasqueira montada, crianças correndo e som alto. A única
diferença era a idade: ao invés de fazer 41 anos, como no ano anterior, Cláudio
estava fazendo 42. Mas isso era apenas um detalhe. Fora isso, era uma festa de
aniversário como outra qualquer.
Até o meio da tarde, quando a campainha tocou. Como Cláudio
estava na churrasqueira, sua esposa Roberta foi atender a porta. Minutos
depois, voltou branca e com os olhos arregalados.
- Cláudio, tem um homem igual a você lá na porta.
- Como?
- É. Parece você. Aliás, é igualzinho. Se eu não soubesse
que você estava aqui nos fundos, eu podia jurar que era você.
- Roberta, você está bêbada?
- Não. Acredite em mim, ele é igual a você. E diz que veio
para a festa.
Achando que a mulher estava exagerando, Cláudio disse a ela
para deixar o sujeito entrar. Momentos depois, ele apareceu. E não era exagero.
Era outro Cláudio, exatamente igual. Quer dizer, ele se vestia um pouco melhor
e era um pouco mais magro. Mas, fora isso, era uma cópia exata de Cláudio.
Cláudio ficou parado próximo à churrasqueira, sem saber como
reagir. O outro Cláudio, por sua vez, caminhou em sua direção e estendeu a mão.
- Parabéns!
- Obrigado, mas...
- Muitas felicidades. Muitos anos de vida. Paz, saúde e
amor.
- Obrigado. Mas, me desculpe perguntar, você é...?
- Eu sou a pessoa melhor.
- Oi?
- Todo ano, no seu aniversário, você pensa sobre sua vida. E
fica pensando quando você vai finalmente se tornar uma pessoa melhor,
aproveitar mais a vida. Quando você vai ser mais generoso, começar a economizar
mais dinheiro. E, claro, cuidar mais de você, da saúde, trabalhar menos...
Estou errado?
- Bem, eu...
- Você sempre pensa isso no seu aniversário e no Ano Novo.
Hoje mesmo você pensou isso. Foi agora no final da tarde, no metrô, não?
- Sim. Acho que sim.
- Todo ano você pensa em mim. Hoje eu resolvi aparecer. Sou
a pessoa melhor, aquela que você pensa todos os anos. Sou o Cláudio que você
quer ser.
- Mas como...
- Não, não importa. Quando você se tornar uma pessoa melhor,
vai aprender a não questionar tanto as coisas. O que importa é que estou aqui.
Cláudio deu de ombros, ignorando o fato de que todos os
convidados estavam olhando diretamente para os dois, sem entender ao certo como
agora existiam dois deles na festa. Com exceção do cunhado, que já estava meio
bêbado e entretido com o decote de uma vizinha de Cláudio. Assim, resolveu
tentar não entender mesmo e achou que seria mais saudável para sua sanidade
tratar seu sósia como um convidado qualquer.
- Bom, e você aceita uma cerveja?
- Não, obrigado. Eu não bebo.
- Como assim?
- Álcool faz mal. Cortei totalmente. Não sou mais c... Quer
dizer, não somos mais crianças. É bom não abusar, certo?
- Bem, tem o refresco das crianças, ali, se você quiser
beber algo...
- Não se preocupe comigo, eu não quero dar trabalho, disse o
recém-chegado, sentando-se em uma cadeira e começando a fazer um prato de
salada.
- Olhe, tem carne aqui...
- Obrigado, mas prefiro salada. Depois eu experimento um
pedacinho bem passado.
Cláudio pensou em perguntar um “como assim, bem passado?”,
mas resolveu ficar quieto. Ainda não havia se acostumado com o que estava
acontecendo.
Já o outro Cláudio estava completamente à vontade. Assim que
encheu seu prato de salada, começou a percorrer a festa conversando com os
outros convidados. Dava abraços carinhosos nas pessoas, agradecia por terem
vindo e pelos anos de amizade, e perguntava se estava tudo bem com eles de uma
forma que deixava claro que estava realmente interessado nas respostas.
E foi assim durante a tarde inteira. De um lado, Cláudio,
comendo carne com as mãos, limpando os dedos na bermuda e resmungando sobre
futebol com os amigos. Do outro, Cláudio e sua saladinha, elogiando o corte de
cabelo da irmã, agradecendo ao chefe pelo aprendizado ao longo dos anos, e
brincando com as crianças.
E, no meio disso tudo, os convidados, que não sabiam ao
certo como se comportar. Quando olhavam para Cláudio em busca de explicação,
ele apenas dava de ombros e fazia uma cara de “eu não sei também.” Já quando
alguém olhava para o Cláudio da salada, ele abria um largo sorriso, e se
aproximava para conversar, saber da vida da pessoa, o que ela estava fazendo,
se estava tudo bem, e você parece ótimo!
A única pessoa alheia a tudo continuava sendo o cunhado que,
após beber metade das cervejas do churrasco, havia desmaiado no sofá da sala,
com a calça aberta.
Mas quem parecia mais assustada com tudo era Roberta. A
princípio, ter dois maridos iguais e tão diferentes convivendo foi assustador.
Mas logo começou a perceber que, juntos, os dois formavam o homem ideal.
De um lado, o homem por quem ela se apaixonou; do outro, sua
versão gentil, educada, saudável. De um lado, o Cláudio que ela havia se
acostumado. Do outro, um Cláudio dos sonhos. Conforto e novidade ao mesmo
tempo.
Seus olhos percorreram o jardim. Lá estava Cláudio, com as
mãos engorduradas, comendo carne. Sua bermuda suja de carvão e meio caída,
enquanto ele conversava com o vizinho, os dois brincando de socos, feito duas
crianças. Seus olhos encontraram os dele e ele sorriu. Ela sorriu de volta
instintivamente. Amava aquele sorriso.
Olhou para o outro Cláudio. Estava sentado com seus pais na
mesa. Com as pernas cruzadas, comendo salada com garfo e faca, tomando suco. Sua
bermuda estava impecável, e o mesmo podia ser dito da camisa, ainda passada e
elegante. Claro que ele ser mais magro ajudava. Sua mãe conversava animadamente
com o Cláudio da salada, rindo alto, se divertindo de verdade. E o novo Cláudio
ria também, mas cobrindo a boca com o guardanapo.
Roberta fechou os olhos. Desistiu de entender como podiam
existir dois deles no momento em que percebeu que queria os dois. Queria o
homem por quem havia se apaixonado, mas também queria sua versão gentil. O Cláudio
antigo continuaria sendo seu grande companheiro, seu parceiro. O Cláudio novo
seria o homem que a acompanharia em exposições, restaurantes franceses, feiras
de artesanato.
Ela teria o melhor dos dois mundos.
Ainda de olhos fechados, imaginou qual deles seria melhor na
cama. Mas desistiu. Teria os dois. Teria o homem e o cavalheiro. A fúria e a
doçura. E imaginou-se na cama com um dos Cláudios...
Porém, antes que seu pensamento conseguisse abrir a alça do
sutiã, ouviu um estrondo e uma gritaria. Abriu os olhos a tempo de ver os dois Cláudios
rolando pelo chão. O seu Cláudio esmurrava o sósia no rosto, enquanto o novo
tentava apenas se defender. Cadeiras caíram, mesas balançavam e todos gritavam.
Por fim, conseguiram separá-los.
Cláudio, o seu Cláudio, o Cláudio da
carne-engordurada-com-os-dedos começou a gritar, agarrado pelos amigos.
- Creme, não!
O outro Cláudio estava arrumando sua bermuda.
- Olhe, se eu lhe ofendi de alguma forma, juro que não foi
intencional e...
- Eu vou matar você! Você está achando que eu sou o quê?
Roberta correu até o marido. Viu que ele estava meio bêbado,
mas mesmo assim pediu explicações. Ainda seguro pelos amigos, Cláudio explicou
que não tem problema nenhum em viver com uma versão melhorada que só gosta de
salada, não bebe e conversa sobre todos os assuntos com todo mundo. Um Cláudio
muito melhor, mais generoso e amigável. Mas que isso havia passado dos limites
quando ele se sentou à mesa da sogra.
- Ele estava trocando marcas de creme anti-rugas com a sua
mãe! Isso eu não admito!
- Nós temos que cuidar da aparência, Cláudio. Não somos mais
crianças..., tentou argumentar o Cláudio da salada.
- Creme, não! Creme anti-rugas eu não admito!
Acharam melhor pedir para que o novo Cláudio se retirasse.
“Quando o Cláudio fica nervoso assim, ele demora a se acalmar”, disse Roberta.
E o novo Cláudio concordou e decidiu ir embora, não sem antes pedir se despedir
e pedir desculpas sinceras a cada um dos presentes.
Cláudio passou o resto do churrasco emburrado na
churrasqueira, bebendo sozinho e de vez em quando resmungando um palavrão e a
palavra “anti-rugas”. Todos foram embora, e Roberta fingiu que não ouviu quando
sua mãe disse, ao se despedir que “esse seu marido é um grosso, você devia ter
ficado com o outro”. E, com a casa vazia, foi descansar um pouco na sala e
pensar sobre o dia.
Mas não conseguiu, porque seu irmão continuava dormindo no
sofá, bêbado.
E com a calça aberta.
3 leitores:
Creme anti-rugas não, né?
Feliz aniversário, man!
Adorei..
Vou tentar melhorar meu comportamento antes q um outro Guilherme apareça....
Hahahaha, jurava que isso ia ser um daqueles textos com moral da história, no maior estilo "o fantasma do natal passado". Mas não, foi leve e bem humorado. Adorei!
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