4 de dezembro de 2011

Descoloração

Era uma criança de muitas cores.

Nos dias de Sol, tornava-se amarelada. Nos dias de chuva, acinzentada. Quando saía, usava sempre as cores da moda, e nas finais de campeonato vestia as cores do time que mal conhecia. Assumia as cores da bandeira de qualquer assunto do momento, e vestia preto em nome de luto da morte de celebridades das quais não conhecia.

Mas tinha algumas cores preferidas. Uma delas era o verde da inveja, que aparecia sempre que alguém vestia cores mais autênticas que as suas. E, ao saber em segredo que suas cores não brilhavam tanto, usava o roxo da raiva para maldizer as cores verdadeiras das outras pessoas, e sorria amarelo sempre que suspeitavam de que ela não possuía cor alguma.

Mas, na maior parte do tempo, a criança mudava de cores e tonalidades. Feito um camaleão, mudava de cor a cada ambiente, a cada pessoa que aparecia ao seu lado. Mas, ao contrário de disfarce, precisava estar em evidência. Deixava de ser camaleão e tornava-se pavão, exibindo cores que mal compreendia e que nunca foram suas.

Mas eram as cores da moda. Eram as cores que se usavam naquele ambiente, eram as cores que precisava vestir. E, justamente por isso, jamais fora transparente. Jamais se deixou ver, talvez porque nem mesmo ela saberia o que se veria lá dentro. Tudo o que importava era ser admirada, mesmo que de forma falsa. Nada mais.

A cada dia, uma cor. A cada hora, um tom. A cada cor, uma pessoa. Era uma criança de muitas cores. Era uma pessoa sem cor própria.

E, antes de dormir, tornava-se sombria, imitando o quarto escuro.

E, sem cor alguma, a criança sabia-se sem brilho.

5 leitores:

Mari Hauer disse...

Achei que vc ainda pegou leve pra descrever alguém que é fake, mas eu adorei o texto!
Acho que em alguns momentos é bom saber ser camaleão e se adaptar, mas viver assim, não se conhecer e, por isso, roubar o brilho do ambiente pra tentar se integrar, é triste. Muito triste.
Mais triste ainda quando os camaleões da vida afora tentam gritar o que são, quando não são nada, quando não tem cor própria.
Fiquei pensando se eu era um pouco assim. Mas sou tão alienada que nem conseguiria. Porque eu tenho um time, mas dificilmente visto a camisa. Torcer pro meu time me remete à quando eu namorava um guri corintiano roxo, e era legal ver o amor dele pelo time... virei corintiana de tão lindo e tão legal que aqueles momentos foram.
Não sei nome de banda, mas sei bem as músicas que me fazem chorar, que chamam meu corpo pra dançar... e geralmente não sei o que tá na moda.
Acho triste querer as cores do mundo, quando podemos ser da cor que queremos, mesmo quando destoamos de tudo que aparece lá fora...

Anônimo disse...

É que ser autêntico e criar um tom próprio é muito difícil. Melhor ser camaleão e mudar de acordo com a conveniência.

(Muito diferente do que a Mari falou, que é quando a gente precisa de adaptar e baixar ou subir um tom de cor ou mudar completamente, quando aquela cor não nos caía (fazia) bem. ;] )

Kel Sodré disse...

Acho tão interessante como as coisas na minha vida se encaixam de uma forma que não poderia deixar de ser. Como os acontecimentos se encadeiam e me levam pelos caminhos. É o Mundo das Coincidências - que, por fim, não são tão coincidências assim, tenho certeza - como diz a Laura, uma irmã de afinidades, italiana querida.

Introduzi assim meu discurso porque, não faz meia hora, terminei de ler, de um fôlego, Travessuras da Menina Má, do Mario Vargas Llosa. Não sei se você leu - e se não leu, recomendo fortemente. O livro é a sua cara - mas a menina má é uma dessas pessoas fake. Não porque não tenha personalidade, mas porque assume qualquer cor que seja para atingir seu objetivo. Mente tanto e inventa tantos mundos que acaba acreditando nas suas mentiras e vivendo as suas mentiras como se elas fossem o mundo de verdade. Apesar de morrer de raiva dela pelo que faz com o bom menino, terminei o livro sentindo uma pena profunda da menina má. Terminei com um aperto no coração e sofrendo pelas suas escolhas, pelas consequências com as quais teve que lidar. É um personagem, eu sei, mas me sensibilizou de uma forma...

Enfim, o que quero dizer é que, às vezes, as pessoas fake não o fazem por mal. Às vezes, simplesmente não sabem ser de outra maneira, coitadas. Por outro lado, ressalto que eu sou aquela que tem uma fé quase inabalável nas pessoas e sofro de um otimismo crônico.

E seu texto me fez lembrar desta música (breguinha, mas que eu adoro, principalmente nesta versão): http://www.youtube.com/watch?v=LPn0KFlbqX8&ob=av2e

Renata Schmitd disse...

só discordo quando vc diz ser criança. mas concordo que é infantil.

Unknown disse...

Eu amei esse texto!
Ele é simplesmente perfeito!

 

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