Sentado no alto da escada, o pequeno gato esperava.
Rapidamente, suas orelhas se viraram com o som da porta da sala se abrindo. Mas não estava curioso. Já sabia quem era. Sentira o cheiro momentos antes. Seus sentidos se aguçaram e tentou ignorar o odor que, para seu olfato sensível, empesteava o ambiente.
Não foi preciso muito esforço. Segundos depois, vozes preencheram a casa. Eram duas. Uma era agressiva. O gato sentira o perigo no tom. A outra era apaziguadora, mas com medo escondido em seu timbre. Suas orelhas acompanhavam tudo.
Não demorou muito para que a voz agressiva se transformasse em gritos. Quase rugidos. A outra voz, ainda baixa, começou a ressoar pavor, mas ainda tentava manter isso em segredo. E o cheiro de raiva dominou o ambiente, agora mesclado ao odor de suor.
Aos poucos, os gritos começaram a se tornar desesperados. Desesperados de ódio, desesperados de medo. Do alto da escada, o gato ouvia a tudo, temendo pelo pior, mas certo de o que o pior aconteceria. Exatamente como nas outras vezes.
Foi quando ouviu a primeira pancada. Algo havia se chocado contra a cristaleira que ele usava como cama nas tardes mais frias. Algo selvagem, maior e mais forte que ele. Imediatamente, o som de objetos caindo ao chão quase machucou seus ouvidos.
Agora, as duas vozes gritavam. Uma delas berrava de raiva, enquanto a outra gritava implorando. Uma delas rosnava de ódio cego, enquanto a outra gania de medo. Uma delas era bruta feito ferro e fogo, enquanto a outra era molhada de lágrimas desesperadas.
Foi quando ouviu a segunda pancada. Um som seco e ardido. Som de carne batendo em carne. Com sua sensibilidade felina, sentiu o chão tremer lentamente. Algo havia caído. Não. Algo havia desmoronado. Um corpo. E não era a primeira vez.
Uma das vozes começou a se lamentar de dor, rompendo definitivamente em lágrimas de medo. A outra, ainda carregada de suor, xingava e praguejava, como se uivasse para uma Lua que, calada, testemunhava a tudo.
Foi quando ouviu a terceira pancada. O som de um golpe que pôs fim a tudo. A voz mais baixa, agora, chorava baixinho. Chorava escolhas erradas, chorava medo de reagir, chorava por toda a vida que levava. A outra voz calou-se. Mas mesmo seu silêncio emanava perigo.
Sentado no alto da escada, o pequeno gato esperava.
Um dia, tudo isso acabaria e o predador iria embora.
Um dia, o gato voltaria a ser o único animal da casa.
Este texto faz parte da blogagem coletiva que luta pelo #FimDaViolenciaContraMulher. Procure por esta tag no Twitter para encontrar outros textos sobre o tema.
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1 leitores:
Não consegui nem ler, Rob. Sério... esse tema mexe comigo demais. =(
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