(tema sugerido por: @marynn)
Contudo, não eram apenas as coleiras que se moviam. Próximo à vitrine onde os filhotes ficavam expostos, era possível avistar vultos se movendo sorrateiramente. Um exame mais detalhado revelaria que se tratava de dois filhotes de basset, caminhando lado ao lado e com dificuldade, pois tropeçavam em suas próprias orelhas e estudavam o caminho à frente com olhares meigos e carinhosos.
Entre eles, outra criatura menor andava silenciosamente, com a cabeça baixa em postura de derrota. E um capuz na cabeça.
O trio aproximou-se da grade de aço que separava a vitrine do restante da loja. Os bassets, escoltando a pequena criatura, caminharam pela vitrine e obrigaram o animal menor a acompanhá-los. E, ao chegarem ao seu destino – ali perto da divisória com a área dos porquinhos da Índia, que dormiam profundamente – estacionaram e retiraram o capuz de seu prisioneiro.
Era um filhote de rato cujo olhar não denunciava medo, como esperavam seus captores, mas deixava claro que ele não estava entendo absolutamente nada.
Contudo, não teve tempo sequer de reclamar. Graças à luz suave da lua, a sombra de uma criatura enorme e ameaçadora surgiu à sua frente, e lentamente foi cobrindo seu corpo. Era uma daquelas sombras que parece ter trilha sonora própria, aparecendo sempre ao som de uma orquestra executando tons ameaçados e sinistros. Se a criatura usar roupas, certamente se vestirá todo de negro (e uma camiseta, que usa por baixo do manto, com inscrição “Bad to tbe Bone”).
Ao invés de se encolher de pavor, o rato olhou com curiosidade para o animal, aparentemente o líder de seus captores. Era um temível e ameaçador Lulu da Pomerania, que ostentava uma capa negra (eu não disse que ele usaria negro?) e botas de couro.
- Nós desejamos fazer um acordo com vocês.
O rato o encarou silenciosamente com um ar de “oi?” e permaneceu em silêncio, porque nesta história somente os cães falam. E isso tem um propósito, que vocês irão descobrir na próxima frase.
- Há séculos que nos infiltramos neste planeta para aprender. E agora estamos prontos para conquistar a Terra.
Viu? Não são cães, são alienígenas.
- Através dos séculos, nós conseguimos a afeição de criaturas inferiores fingindo sermos criaturas fofas. Eles não conhecem nossa verdadeira aparência. Ninguém neste planeta conhece nossa verdadeira aparência.
Eu adoraria explicar para você como eles são, porque certamente deixaria vocês com medo. Mas como eu também não sei como eles são, então sugiro que deixemos o Lulu da Pomerania falar. Quem sabe descobrimos mais algo mais à frente?
- E agora estamos prontos para negociar a rendição do planeta com vocês, ratos, raça dominante.
O rato continuou encarando o Lulu da Pomerania com uma cara de “oi?” Ratos não são muito expressivos, não sei se você sabe. É bastante difícil para eles mudar de expressão de uma hora para a outra.
- Não adianta bancar o desentendido! Nós sabemos que vocês dominam o subterrâneo do planeta! E quem domina o subterrâneo domina o planeta inteiro, pois irá sobreviver aos nossos ataques atômicos!
Adivinhe com que cara o rato olhou para ele?
- Este é durão, resmungou um dos bassets, que aparentemente não havia captado a riqueza de nuances das expressões do rato.
- Vamos matá-lo, chefe!, pediu o outro basset. Este nem estava aí para as expressões do rato, pois gostava mesmo era de matar.
Já havia matado três funcionários do pet shop, dois clientes, e um pit bull adulto. Era uma máquina de matar, o filhotinho de basset. Sua única derrota aconteceu no dia em que acidentalmente entrou no viveiro dos pássaros e levou uma surra de um canário. Mas como 1) ele não gosta muito de falar sobre o assunto, 2) ele gosta de matar, vamos fingir que não sabemos disso.
- Quietos vocês dois!, gritou o Lulu da Pomerania.
- Vamos fazer silêncio aí? Vizinhança de merda!, resmungou um dos porquinhos da Índia, de dentro da toca.
Ok, eu disse que somente os cães iriam falar. Mas acontecei que me esqueci dos porquinhos da Índia. Esqueci completamente deles. Juro. Eu estava tão concentrado na cena dos cães que nem lembrava mais dos porquinhos da Índia. Aposto que você também não lembrava. Desculpe, certo? Esqueci de verdade. Vamos deixar isso de lado e seguir com a história? Oi? Como assim? Não, os canários não falam. Não, não falam. Sim, tenho certeza. Bom, se você está duvidando, por que não vai até ali e pergunta ao basset que gosta de matar? Não? Foi o que pensei. Ótimo. Vamos continuar com a história? Obrigado.
- Vou apresentar uma proposta para vocês.
Sim, é evidente que foi o Lulu da Pomerania quem falou isso. Não, esqueça os porquinhos da Índia. Deixe-os para lá. Foi o Lulu da Pomerania mesmo, acredite em mim. Olhe, ele vai falar novamente. Vamos ver.
- Nós vamos soltar você como um sinal de boa vontade. Você voltará ao seu líder e informará a eles que todos os ratos devem se render ao nosso comando em até três dias, pela contagem de tempo terrestre. Se isso acontecer, vocês serão poupados e poderão servir ao nosso Império, como escravos. Claro que tomaremos suas mulheres para nós, porque, senão, qual o propósito de fazer escravos se não formos ficar com as mulheres? Olhe, na verdade não temos o hábito de construir pirâmides e templos, nada disso. A vida de escravo é até bem boa, vocês vão gostar. Não tem muito trabalho para fazer. O nosso negócio mesmo são as mulheres. Explique isso ao seu líder. Caso vocês não se rendam, atacaremos vocês de forma impiedosa e exterminaremos sua raça. Aniquilação total!
Deu uma gargalhada furiosa. Um dos porquinhos da Índia resmungou algo, mas não deu para entender direito. Não sei, talvez ele estivesse sonhando. Não, eu não tenho certeza se eles sonham. O que importa é que ele não falou desta vez. Vamos ver como isso acaba.
- Você entendeu a mensagem?
O rato estava conseguindo mudar sua expressão. O antigo “oi?” estava, aos poucos, se transformando em um olhar de “que fome.” O Lulu da Pomerania, erroneamente, compreendeu isso como um “entendi perfeitamente e estou morrendo de medo, e tenho que certeza que meu líder também irá ficar apavorado e vamos nos render ainda hoje”.
Satisfeito, ele deu uma risada ainda mais fantasmagórica que a primeira, mas desta vez os porquinhos da Índia não falaram nada, você nem precisa se preocupar com isso.
E soltaram o rato que, mesmo sem saber, carregava a salvação de seu povo.
O problema é que além do rato não saber sua importância na história, ele não sabia também como sair do pet shop. Está até hoje perdido lá dentro, escondido atrás dos sacos de ração. A única coisa que ele aprendeu é a não chegar perto do viveiro de pássaros, porque tem um canário homicida escondido lá dentro. Assim, ele está decidido a viver feliz e contente dentro do pet shop, escondido.
Enquanto isso, o Lulu da Pomerania aguarda ansiosamente o retorno de seu emissário. E passa seu tempo planejando. Maquinando. Sonhando com as mulheres.
Já os bassets nem se lembram mais do rato.
6 leitores:
Tá, eu não sei nem por onde começar. Mas gostaria de pensar que esse seu texto foi, de alguma forma, influenciado pelo Besta-Fera e sua relação Calvin & Hobbes com ele. Rob, está terminando, mas já digo que foi um prazer passar essas (quase) ininterruptas 24 horas por aqui. (Foi mal o capote de 2 horas).
;)
Cuidado, Tyler Bazz.
Ri demais.
Eu morro de medo de Lulus da Pomerânia, um deles comeu a dona em Arquivo X.
Morte Ai Cani, Ratti Aneli!
Nesse mundo a máfia dos ratos ia se chamar macra...
Os ratos tentam dominar o mundo mas os porquinhos-da-Índia estão no controle da situação. E quem leva a culpa é o Lulu da Pomerânia.
Grandes escolhas, né? Aniquilação total; Escravidão; ou ficar sem as mulheres.
Este Lulu da Pomerânia é um pé no saco.
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