14 de fevereiro de 2011

O Segredo de Waldir

Waldir e Laís eram casados há doze anos. Ele era dono de uma loja de material de construção. Ela, professora, havia se aposentado quando engravidou do primeiro filho. De lá para cá, os anos se passaram, mas o amor continuou – e só aumentou com a chegada do segundo filho, uma menininha que todos diziam ser a cara do pai. Assim, o tempo foi se passando, mas, mesmo enfrentando diversos problemas, o casal nunca enfrentou nenhum problema sério. Os amigos até mesmo diziam que eles eram mais que um casal, mas sim um exemplo.

Isso, claro, até Waldir anunciar que estava montando um escritório em casa. Laís estranhou, já que ele odiava trabalhar em casa, mas no fundo gostou da ideia. Talvez isso fizesse o marido passar mais tempo em casa. As crianças sentiam muita falta do pai, que trabalhava bastante, e ela também adoraria um pouco de companhia para assistir a novela.

Se ele ficasse com ela vendo TV, ela nem se importaria de assistir ao futebol com ele às quartas-feiras. Quem sabe, poderiam até mesmo voltar a jogar cartas, como faziam às vezes, no começo do casamento. Ensinariam as crianças e pronto: teriam duas duplas para fazer campeonatos de buraco.

Contudo as coisas não aconteceram do jeito que ela imaginava. O marido realmente começou a chegar mais cedo do trabalho, mas, assim que colocava os pés em casa, se trancava no escritório e passava horas lá dentro, normalmente ficando enfurnado na salinha – sempre com a porta trancada – até a hora de dormir.

E, como ela reparou, ele estava cada vez mais distante. Quando ela tocava no assunto, ele respondia apenas que ficava trabalhando lá dentro. E ela não tinha como provar o contrário, já que o escritório ficava fechado enquanto o marido estava fora de casa.

Quem transformou seus temores em palavras foi sua irmã, Cleide.

– Esse homem está aprontando alguma coisa, Laís. Não seja boba!

Laís, porém, não queria acreditar. Waldir sempre fora um homem correto e respeitador. Além disso, todo homem era pilantra aos olhos da irmã. Contudo, como o marido não mudava o comportamento – pelo contrário, ficava cada vez mais tempo trancado no escritório mexendo naquele computador – suas desconfianças começaram a aumentar.

A gota d’água foi um dia em que ouviu um gemido baixinho vindo lá de dentro.

Era isso. Ele tinha uma namorada virtual, o filho da puta.

Passou a noite em claro, chorando baixinho na cama. No meio da madrugada, a tristeza virou raiva. E, ao nascer do Sol, o ódio virou determinação. Iria tirar tudo isso a limpo.

No dia seguinte, pouco antes das seis da tarde, Waldir entrou em casa. Laís estava esperando na sala, com folhas de papel na mão. O marido deu um beijo rápido em sua testa e caminhou em direção ao escritório.

– Pode ir jantando com as crianças, Laís. Eu preciso terminar umas planilhas da loja, chegaram dois carregamentos de tijolos hoje.

– Waldir, nós precisamos conversar.

– Não pode ser mais tarde? Eu realmente...

– Agora.

– Porque as planilhas...

– Eu liguei o seu computador hoje. O do escritório.

Waldir ficou branco. Não falou uma palavra, mas arregalou os olhos como se estivesse gritando.

– Você pode me explicar isso?, ela perguntou, jogando os papéis sobre a mesa.

– O que são essas coisas?

– Isso é o histórico do seu computador! O histórico e os favoritos!

– Laís...

– Eu quero uma explicação! Agora!

Waldir a encarou por alguns segundos. Finalmente, derrotado, deixou os ombros caírem e sentou-se no sofá.

– Desculpe.

– Desculpe porra nenhuma! É isso que você fica fazendo as noites em casa? Vendo esses vídeos?

– Sim. Sinto muito.

– Você deveria ter vergonha, Waldir! Vergonha! Um homem da sua idade! Um homem da sua idade vendo essas coisas!

– Eu não consigo evitar. Eu gosto.

– Você é doente! Você precisa se tratar! Eu deveria chamar a polícia!

Ele se levantou e caminhou em direção à esposa, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, ela deu um passo para trás.

– Não coloque a mão em mim, seu desgraçado!

– Laís... Meu bem...

– Meu bem é a puta que pariu! Eu passo o dia deixando essa casa limpa, cuidando dos seus filhos, lavando suas roupas, cozinhando para você...

– Eu sei, mas...

– Deixe eu terminar! E como você agradece? Me deixando de lado! Me trocando por essas coisas!

– Desculpe...

– Você devia ter vergonha!

Ele permaneceu em silêncio, sem defesa alguma. Ela recolheu os papéis da mesa e começou a olhar as folhas, uma por uma. Lágrimas começaram a descer pelos seus olhos. Waldir tentou se aproximar novamente.

– Meu bem...

Laís não respondeu. Conseguia enxergar apenas as imagens e os nomes dos vídeos, impressas em preto e branco. Começou a ler em voz alta, largando as folhas no chão conforme falava o título de cada página.

– Pug brincando com bolinha! Filhotinhos de gato guerreando com novelo de lã! Tigrinho brincando de caçador! Filhotinho de pingüim correndo na neve!

Ia falando e as folhas caindo. Waldir não sabia o que fazer. A esposa continuou a gritar os nomes das páginas e largar as folhas. Logo, a sala estava coberta de imagens doces de filhotes, que mostravam ursinho panda no colo da mãe, leõezinhos brincando de luta, irmãozinhos dálmatas apostando corrida, pardalzinho aprendendo a voar.

– Foquinha deslizando na neve!

Laís parou. Era demais para ela. A imagem da foquinha, com olhos brilhantes, escorregando numa montanha de neve era mais do que ela podia suportar. Já haviam discutido antes, mas nunca imaginou que o casamento acabaria por causa de um filhote de foca. Subitamente, se cansou. Largou os papéis no chão e sentou-se ao sofá, chorando.

– Foquinha, Waldir! Foquinha!

– Desculpe.

– Como você pôde? Você é um homem de quase quarenta anos! Você joga bola, toma cerveja! Como você pode ver essas coisas?

– Eu não fiz por mal. Eu acho essas coisas fofas.

Laís imaginou os filhos sendo motivos de piadas na escola, porque o pai assistia a vídeos de filhotinhos na internet e teve vontade de voar no pescoço do marido. Mas se controlou.

– Há quanto tempo isso vem acontecendo?

– Já há alguns meses. Eu comprei o computador do escritório por causa disso.

– Você não poderia ver essas coisas no trabalho? Tinha que fazer isso em casa?

– Laís, eu tenho uma loja de material de construção. Pedreiros, mestres de obras e pintores ficam andando ali o dia todo. Você acha que eu posso assistir a isso lá dentro? O que as pessoas iriam pensar?

– Você nunca se importou com o que eu iria pensar? Com seus filhos? O que essas criaças iriam pensar se descobrissem que o pai delas fica escondido em casa, vendo videos de ursinhos coalas e cachorrinhos? Você pensou nisso em algum instante?

De repente, aquele homem de quase um metro e oitenta, barba espessa e que, quando jovem, assistia aos jogos do campeonato italiano comendo tremoço caiu de joelhos no chão da sala e começou a chorar, implorando por ajuda.

As lágrimas sensibilizaram Laís. Além de salvar o casamento, ela precisaria salvar o marido. A primeira medida foi chamar um técnico de computador e bloquear o acesso a todos os vídeos de animais da internet. Waldir pediu – implorou – para que ele pudesse apenas salvar aquele dos filhotinhos de basset correndo na garagem, mas Laís foi firme. Ou bloqueava tudo, ou era o divórcio.

Agora, já faz seis meses que Waldir faz terapia, duas vezes por semana. Aos amigos, Laís diz que é devido ao estresse. Nunca falou nada dos filhotinhos nem mesmo com a irmã, que insiste que o cunhado certamente possui uma amante. A assinatura da TV a cabo foi cancelada, para evitar que ele tivesse uma recaída assistindo ao Animal Planet.

Aos poucos, a rotina do casal está voltando ao normal. Aparentemente, Waldir está voltando a ser o homem de sempre, lendo revistas sobre carros, acompanhando três campeonatos de futebol e deixando latas de cerveja pela casa. Às vezes até arrota, o que Laís considera como uma vitória pessoal.

Mas sempre que estão passeando em shoppings e passam em frente a uma pet shop com filhotes na vitrine, ela prende a respiração, apreensiva. À menor demonstração de meiguice do marido, vai lhe enfiar uma cotovela nas costelas para ele ver o que é bom.

Ela sabe que todo cuidado é pouco.


(Esta crônica foi digitada com o nariz.
Para entender, leia aqui)



9 leitores:

Tyler Bazz disse...

Foquinha?!

E tem gente que fala do Gérson... tsc tsc tsc.

Francine Ribeiro disse...

hahaha! muito bom!

"Aparentemente, Waldir está voltando a ser o homem de sempre, lendo revistas sobre carros, acompanhando três campeonatos de futebol e deixando latas de cerveja pela casa.(...) À menor demonstração de meiguice do marido, vai lhe enfiar uma cotovela nas costelas para ele ver o que é bom."
é a ditadura do modelo de masculinidade. Depois dizem que é só mulher que sofre...

Alessandra Costa disse...

Pobre Waldir...

Ana Savini disse...

Será que ele via o vídeo da lontrinha bebê??
*.*

Varotto disse...

Oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo...

Pobre nariz...

Sil disse...

Adorei a crônica!

Parabéns Nariz!

Beijo

Melinda Bauer disse...

Será que esta mocréia não tem coração. Se o Waldir não fosse um bolha ele pediria o divórcio!

Lari Bohnenberger disse...

Putz, coitado do Waldir!

Ana disse...

Queria casar com o Waldir

 

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