Isso, claro, até Waldir anunciar que estava montando um escritório em casa. Laís estranhou, já que ele odiava trabalhar em casa, mas no fundo gostou da ideia. Talvez isso fizesse o marido passar mais tempo em casa. As crianças sentiam muita falta do pai, que trabalhava bastante, e ela também adoraria um pouco de companhia para assistir a novela.
Se ele ficasse com ela vendo TV, ela nem se importaria de assistir ao futebol com ele às quartas-feiras. Quem sabe, poderiam até mesmo voltar a jogar cartas, como faziam às vezes, no começo do casamento. Ensinariam as crianças e pronto: teriam duas duplas para fazer campeonatos de buraco.
Contudo as coisas não aconteceram do jeito que ela imaginava. O marido realmente começou a chegar mais cedo do trabalho, mas, assim que colocava os pés em casa, se trancava no escritório e passava horas lá dentro, normalmente ficando enfurnado na salinha – sempre com a porta trancada – até a hora de dormir.
E, como ela reparou, ele estava cada vez mais distante. Quando ela tocava no assunto, ele respondia apenas que ficava trabalhando lá dentro. E ela não tinha como provar o contrário, já que o escritório ficava fechado enquanto o marido estava fora de casa.
Quem transformou seus temores em palavras foi sua irmã, Cleide.
– Esse homem está aprontando alguma coisa, Laís. Não seja boba!
Laís, porém, não queria acreditar. Waldir sempre fora um homem correto e respeitador. Além disso, todo homem era pilantra aos olhos da irmã. Contudo, como o marido não mudava o comportamento – pelo contrário, ficava cada vez mais tempo trancado no escritório mexendo naquele computador – suas desconfianças começaram a aumentar.
A gota d’água foi um dia em que ouviu um gemido baixinho vindo lá de dentro.
Era isso. Ele tinha uma namorada virtual, o filho da puta.
Passou a noite em claro, chorando baixinho na cama. No meio da madrugada, a tristeza virou raiva. E, ao nascer do Sol, o ódio virou determinação. Iria tirar tudo isso a limpo.
No dia seguinte, pouco antes das seis da tarde, Waldir entrou em casa. Laís estava esperando na sala, com folhas de papel na mão. O marido deu um beijo rápido em sua testa e caminhou em direção ao escritório.
– Pode ir jantando com as crianças, Laís. Eu preciso terminar umas planilhas da loja, chegaram dois carregamentos de tijolos hoje.
– Waldir, nós precisamos conversar.
– Não pode ser mais tarde? Eu realmente...
– Agora.
– Porque as planilhas...
– Eu liguei o seu computador hoje. O do escritório.
Waldir ficou branco. Não falou uma palavra, mas arregalou os olhos como se estivesse gritando.
– Você pode me explicar isso?, ela perguntou, jogando os papéis sobre a mesa.
– O que são essas coisas?
– Isso é o histórico do seu computador! O histórico e os favoritos!
– Laís...
– Eu quero uma explicação! Agora!
Waldir a encarou por alguns segundos. Finalmente, derrotado, deixou os ombros caírem e sentou-se no sofá.
– Desculpe.
– Desculpe porra nenhuma! É isso que você fica fazendo as noites em casa? Vendo esses vídeos?
– Sim. Sinto muito.
– Você deveria ter vergonha, Waldir! Vergonha! Um homem da sua idade! Um homem da sua idade vendo essas coisas!
– Eu não consigo evitar. Eu gosto.
– Você é doente! Você precisa se tratar! Eu deveria chamar a polícia!
Ele se levantou e caminhou em direção à esposa, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, ela deu um passo para trás.
– Não coloque a mão em mim, seu desgraçado!
– Laís... Meu bem...
– Meu bem é a puta que pariu! Eu passo o dia deixando essa casa limpa, cuidando dos seus filhos, lavando suas roupas, cozinhando para você...
– Eu sei, mas...
– Deixe eu terminar! E como você agradece? Me deixando de lado! Me trocando por essas coisas!
– Desculpe...
– Você devia ter vergonha!
Ele permaneceu em silêncio, sem defesa alguma. Ela recolheu os papéis da mesa e começou a olhar as folhas, uma por uma. Lágrimas começaram a descer pelos seus olhos. Waldir tentou se aproximar novamente.
– Meu bem...
Laís não respondeu. Conseguia enxergar apenas as imagens e os nomes dos vídeos, impressas em preto e branco. Começou a ler em voz alta, largando as folhas no chão conforme falava o título de cada página.
– Pug brincando com bolinha! Filhotinhos de gato guerreando com novelo de lã! Tigrinho brincando de caçador! Filhotinho de pingüim correndo na neve!
Ia falando e as folhas caindo. Waldir não sabia o que fazer. A esposa continuou a gritar os nomes das páginas e largar as folhas. Logo, a sala estava coberta de imagens doces de filhotes, que mostravam ursinho panda no colo da mãe, leõezinhos brincando de luta, irmãozinhos dálmatas apostando corrida, pardalzinho aprendendo a voar.
– Foquinha deslizando na neve!
Laís parou. Era demais para ela. A imagem da foquinha, com olhos brilhantes, escorregando numa montanha de neve era mais do que ela podia suportar. Já haviam discutido antes, mas nunca imaginou que o casamento acabaria por causa de um filhote de foca. Subitamente, se cansou. Largou os papéis no chão e sentou-se ao sofá, chorando.
– Foquinha, Waldir! Foquinha!
– Desculpe.
– Como você pôde? Você é um homem de quase quarenta anos! Você joga bola, toma cerveja! Como você pode ver essas coisas?
– Eu não fiz por mal. Eu acho essas coisas fofas.
Laís imaginou os filhos sendo motivos de piadas na escola, porque o pai assistia a vídeos de filhotinhos na internet e teve vontade de voar no pescoço do marido. Mas se controlou.
– Há quanto tempo isso vem acontecendo?
– Já há alguns meses. Eu comprei o computador do escritório por causa disso.
– Você não poderia ver essas coisas no trabalho? Tinha que fazer isso em casa?
– Laís, eu tenho uma loja de material de construção. Pedreiros, mestres de obras e pintores ficam andando ali o dia todo. Você acha que eu posso assistir a isso lá dentro? O que as pessoas iriam pensar?
– Você nunca se importou com o que eu iria pensar? Com seus filhos? O que essas criaças iriam pensar se descobrissem que o pai delas fica escondido em casa, vendo videos de ursinhos coalas e cachorrinhos? Você pensou nisso em algum instante?
De repente, aquele homem de quase um metro e oitenta, barba espessa e que, quando jovem, assistia aos jogos do campeonato italiano comendo tremoço caiu de joelhos no chão da sala e começou a chorar, implorando por ajuda.
As lágrimas sensibilizaram Laís. Além de salvar o casamento, ela precisaria salvar o marido. A primeira medida foi chamar um técnico de computador e bloquear o acesso a todos os vídeos de animais da internet. Waldir pediu – implorou – para que ele pudesse apenas salvar aquele dos filhotinhos de basset correndo na garagem, mas Laís foi firme. Ou bloqueava tudo, ou era o divórcio.
Agora, já faz seis meses que Waldir faz terapia, duas vezes por semana. Aos amigos, Laís diz que é devido ao estresse. Nunca falou nada dos filhotinhos nem mesmo com a irmã, que insiste que o cunhado certamente possui uma amante. A assinatura da TV a cabo foi cancelada, para evitar que ele tivesse uma recaída assistindo ao Animal Planet.
Aos poucos, a rotina do casal está voltando ao normal. Aparentemente, Waldir está voltando a ser o homem de sempre, lendo revistas sobre carros, acompanhando três campeonatos de futebol e deixando latas de cerveja pela casa. Às vezes até arrota, o que Laís considera como uma vitória pessoal.
Mas sempre que estão passeando em shoppings e passam em frente a uma pet shop com filhotes na vitrine, ela prende a respiração, apreensiva. À menor demonstração de meiguice do marido, vai lhe enfiar uma cotovela nas costelas para ele ver o que é bom.
Ela sabe que todo cuidado é pouco.

9 leitores:
Foquinha?!
E tem gente que fala do Gérson... tsc tsc tsc.
hahaha! muito bom!
"Aparentemente, Waldir está voltando a ser o homem de sempre, lendo revistas sobre carros, acompanhando três campeonatos de futebol e deixando latas de cerveja pela casa.(...) À menor demonstração de meiguice do marido, vai lhe enfiar uma cotovela nas costelas para ele ver o que é bom."
é a ditadura do modelo de masculinidade. Depois dizem que é só mulher que sofre...
Pobre Waldir...
Será que ele via o vídeo da lontrinha bebê??
*.*
Oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo...
Pobre nariz...
Adorei a crônica!
Parabéns Nariz!
Beijo
Será que esta mocréia não tem coração. Se o Waldir não fosse um bolha ele pediria o divórcio!
Putz, coitado do Waldir!
Queria casar com o Waldir
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