19 de janeiro de 2010

A Leitora

Ela não se lembra mais de como conheceu os textos dele, nem de qual tinha sido o primeiro. Afinal, haviam sido tantos. Na verdade, ela não se lembrava mais de uma época em seus textos não existiam. Já faziam parte da sua vida, da sua rotina, da sua alma.

Não os achava geniais, nem tinha pretensão de analisá-los desta forma. Seus textos não eram bons ou ruins, eram para ela. Ou, ao menos, é como ela se sentia ao devorá-los, frase por frase. Sentia-se dentro de cada texto, atravessando parágrafos de saudade e se agarrando, como um náufrago, em frases com pitadas de esperança.

E vivia cada linha como se fosse ela. Não torcia pelas personagens, torcia por ela.

Pois, um dia, descobriu que morava dentro dos textos dele. Dentro dos textos de um homem – ou, ao menos, de alguém que assinava como um homem – que não a conhecia. Mas se encontrava lá dentro, encontrava sensações e sentimentos que possuía, mas que não sabia explicar. Encontrava-se e descobria a si própria dentro dos textos.

Descobria fraquezas e forças que não conhecia, tomava atitudes em determinados trechos, e, às vezes, ao terminar o texto, decidia se permitir tudo, a partir de então. Seus textos lhe davam força, decisão. Seus textos lhe davam vida.

E, ali, parada na frente do computador, olhando a tela, via seu destino ser traçado, desenhado por um homem que não a conhecia, mas que parecia conhecê-la inteira.

E que parecia saber o que ela precisava fazer. Seguia seus conselhos, amava, se perdia, mergulhava de cabeça. Usava suas palavras como desculpa e como motivo para se afogar em rios de sensações e sentimentos que sempre desejou, com ardor, mas jamais se permitiu. Até conhecer os textos deles, até ler suas palavras, até se conhecer.

E, um dia, teve força suficiente para desligar o computador e foi às ruas. Decidiu viver. Não agüentava mais tanto amor guardado, tanto desejo reprimido por dúvidas, tanto tesão pela idéia de sentir tesão. Saiu de casa e ganhou as ruas.

Antes de chegar à esquina, cruzou com ele. O autor dos textos que faziam com que ela respirasse. E ela, ainda transpirando cada palavra dele, ofegando cada frase, cruzou seu caminho, sem desconfiar que ele fosse mais que palavras.

Seus olhos se cruzaram rapidamente. Casualmente.

Ele entrou em casa e escreveu outro texto. Mas este ela não leu.

Estava na rua, vivendo.

10 leitores:

Carlos Cruz disse...

Curti o Post, lendo ele começei a pensar em quantas vezes isso realmente aconteceu e acontece. Ler o texto realmente sentindo como se fosse o personagem

Show. @_@

Tyler Bazz disse...

Fui lendo e fazendo o comentário na cabeça... que uma leitora assim é o que todo escritor quer, ou deveria querer, pelo menos.

Mas, no fim da história, ela abandona os textos dele???? Tipo... OUTRO texto sobre mim???? Parei. :D


Ótimo, as usual.

Mari Hauer disse...

Nossa, é um pouco difícil de comentar esse texto porque senti tanta coisa lendo que de repente me escureceu um pouco a vista e eu fiquei meio zonza, sem saber separar as coisas por cores, gostos e sensações, rs...

Primeiro veio a identificação e, nessa hora, lendo "não os achava geniais, nem tinha pretensão de analisá-los desta forma. Seus textos não eram bons ou ruins, para ela", me dei conta de como eu elogio um texto. Texto bom, para mim, é aquele que me faz sentir. Não basta ter cabimento, fazer com que tudo tenha sentido. Texto bom é aqueles que me fazem suspirar, rir e chorar (de preferência ao mesmo tempo), aqueles que me dão um nó na garganta, aqueles em que eu preciso de cinco minutos pra voltar pro meu mundinho.

Depois, me senti triste de lembrar quantas vezes não vivi dentro de textos, me buscando em personagens, vendo a minha vida ser levada por linhas e deixei com que olhares pela rua se cruzassem de forma casual e rápida. Quantas vezes deixei de tentar enxergar a alma através de olhares e continuei vivendo das linhas e pontos, mesmo enquanto eu estava vivendo lá fora...

Acho que preciso mesmo carregar os textos que peguei pra mim impressos, dobrados e sujos de lágrimas dentro da bolsa, que é pra fazer tudo ao mesmo tempo e tentar encontrar olhos e palavras no mesmo lugar!

Lindo o texto, como sempre...

Cami Pires disse...

Incrível! vc deve ter "montes" assim.

Bia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bia disse...

A pergunta do Tyler é minha também: ela abandonou os textos dele?

Duvido que ela tenha encontrado algo que a fizesse vibrar mais que os textos dele.

De Lancret disse...

E então você se torna responsável por aquilo que cativa. Ou não!

É, grandes poderes, trazem grandes responsabilidades, peter!

=***

Anônimo disse...

Acho que chega uma hora que é importante deixar algo que se vive apenas na mente porque de um jeito ou de outro, isso não é viver de verdade. è ensaiar pra vida. E essa não espera. Mas ela já estava preparada. Os textos dele a prepararam, e ela já sabia. Ela não abandonou, ela só o levou junto com ela, pra fazer das histórias uma realidade. E assim, viveu.

Lua Durand disse...

incomparável, incomentável.

Pulo no Escuro disse...

Queria conseguir abandonar os textos também.
Mas prefiro viver e ler, mais ler do que viver até.

 

Championship Chronicles © 2010

Blogger Templates by Splashy Templates