30 de dezembro de 2009

O Homem na Janela

Anos depois, abriu uma garrafa de uísque, pegou um copo e foi até a janela.

Olhou as estrelas, olhou para as ruas. Sabia que ela estava lá fora, em algum lugar. Sempre soube disso, mas foi neste momento que percebeu que não fazia a menor idéia de onde ela estava, com quem estava ou muito menos o que estava fazendo.

E a idéia de simplesmente não saber se ela estava feliz ou não abriu um buraco em seu peito.

E sorriu, resignado, pensando que tempos atrás, ela estava feliz. E ele sabia disso, o tempo todo. Afinal, ela estava feliz por causa dele.

Balançou o copo na mão, e, olhando os cubos de gelo se chocando na bebida, começou a tentar adivinhar como ela estaria. Não pensou em coisas grandiosas, como viagens, namoros ou qualquer outra coisa que pudesse defini-la. Não teve coragem.

Manteve seu pensamento apenas em coisas pequenas.

Coisas que ninguém mais dava valor. A não ser ele.

Será que ela havia finalmente perdido o medo do dentista e arrancado aquele dente do siso? Continuava fazendo academia todos os dias? E o trabalho? Ela estava trabalhando no mesmo lugar, ou havia conseguido algo melhor? Estava gostando dos cursos que fazia? Ou havia finalmente deixado alguma coisa de lado para arrumar tempo e fazer o curso de fotografia que sempre quis? Continuava acordando de madrugada por causa dos horários puxados? Continuava gostando de rock e ler tirinhas de jornal? Ainda dormia no ônibus enquanto escutava música? Será que havia parado de brigar com as amigas? Ou teria amigos novos e brigava com eles também? Continuava apaixonada pelas mesmas comidas, ou tinha descoberto novas culinárias? E os filmes? Havia comprado um novo aparelho de DVD, ou continuava se virando com aquele velhinho? Quais os filmes que havia visto no cinema? E em qual cinema tinha ido? Havia gostado deles? Alguém a ajudava a ir para casa quando ficava bêbada? Em quais shows havia ido? Como ela usaria o cabelo hoje em dia? Finalmente havia deixado o cabelo crescer, ou não agüentou e cortou mais uma vez? Ainda usava aquelas presilhas coloridas? Continuava usando o mesmo tipo de roupa? E os sapatos? Usava sandálias ou sapatos fechados? Será que chorava nas mesmas músicas? Escrevia sobre as mesmas coisas?

Será que ela também bebia na janela, de madrugada, pensando sobre ele? Ou ele havia se tornado um punhado de fotos numa caixa de sapatos no armário? Uma história que às vezes ela mencionava casualmente num bar, com as amigas?

E de repente, notou que não queria saber nada disso. Tudo e apenas o que queria saber era se ela estava feliz.

E percebeu que nunca mais saberia isso. Teria que se contentar com sua imaginação.

Terminou a bebida num grande gole, apagou o cigarro e foi dormir.

Do outro lado da cidade, Ray Charles cantava “I wonder who’s kissing her now, I wonder who’s teaching her how...” num toca-discos antigo, dentro de um apartamento abafado.

3 leitores:

Unknown disse...

Q lindoooo!
É por esses e outros q tem me feito chorar... =]

Lucas Reis disse...

É impressionante como coisas simples podem virar bons textos.

Renata Schmitd disse...

anos depois ele ainda nao aprendeu a pensar na felicidade DELE.

 

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