Era um saguão de aeroporto. E como todo lugar onde pessoas
partem, era recheado de despedidas impossíveis de ser adiadas e abraçados de
reencontro desejados. Eles eram os únicos que se reencontraram por acaso.
A mala dele bateu nas pernas dela – ou as pernas dela
dançaram com sua mala – e um pediu desculpa para o outro. E se viram pela
primeira vez em anos.
Haviam crescido no mesmo prédio, em meio a uma enorme turma
que, como toda turma de amigos, deveria ser para sempre. Mas não foi. As
brincadeiras de infância que se tornaram paixões adolescentes acabaram sumindo
na poeira de caminhos que não se escolhem. Dos amigos eternos, sobraram apenas lembranças
doces de um tempo em que os dias eram maiores.
Ele, solitário, havia desembarcado tentando ignorar que não
tinha para quem ligar e dizer que havia chegado bem. Tinha a impressão que esse
vazio o acompanharia em todas as viagens, num canto da mala. Ela, anestesiada,
tinha se despedido do marido que viajou a trabalho tentando driblar da sensação
de que se sentia mais feliz quando estava sozinha. Não era a primeira vez que sentia
isso, mas não queria pensar a respeito.
Mas não pensaram nisso quando se abraçaram de forma
desajeitada. Muito do abraço era saudade, mas havia pitadas de impulso e um
pouco de vontade de voltar para as noites de verão do prédio, quando sentiam
que ainda tinham muitos caminhos pela frente.
Os cabelos dela estavam mais curtos do que ele lembrava. O
rosto dele tinha linhas que ela não conhecia. Mas com a proximidade o sorriso logo voltou a
ser o mesmo de anos antes. Depois do como você está e o que está fazendo aqui,
a sugestão: vamos tomar um café. Ainda não jantei. Novo sorriso. Podemos ir
comer algo.
Depois de dezessete anos e vinte e um minutos, estavam no
bar do hotel ao lado do aeroporto. O primeiro gole teve sabor de me conta como
anda sua vida, o segundo desceu confortável com você tem visto as pessoas do
prédio e o terceiro, mais ardido, deixou a sensação de como o tempo passa. A
cada gole, os sorrisos se abriam em busca de um passado. E de esquecer o presente.
“Eu era apaixonado por você”.
A frase saiu exatamente entre a brincadeira e o desabafo,
sem saber para qual lado seguir. Ele tentou se convencer que ela havia escapado
sem querer, mas não era verdade. Desde o segundo gole estava pensando nisso.
Torceu para ela levar na brincadeira, mas ela apenas o olhou. E, fitando os
olhos dele em busca do garoto do sexto andar, ela pensou que se ainda fosse
menina, seus olhos teriam imediatamente fugido dos dele.
“Eu nunca soube disso.”
“Sempre fui. Apenas não tive coragem de falar”.
O bar estava quase vazio. Numa mesa perto da janela, um casal
tentava se conhecer. No balcão, um homem tentava esquecer que se conhecia. Eles
eram sortudos. Conheciam um ao outro e, ao mesmo tempo, tudo parecia novo.
Exatamente como nas noites de verão do prédio.
“Acho que nunca deixei de ser.”
Ela odiava a palavra “nunca”, mas não comentou isso. Na
verdade, não disse nada. Apenas deixou seus olhos explodirem em sorriso – e ele
sorriu de volta ao perceber que ela ainda os apertava quando estava feliz,
exatamente como ele se lembrava.
Sorrindo, refugiaram-se no passado.
Sorrindo, se esconderam do apartamento vazio e do casamento
que foi um erro.
Sorrindo, estavam no quarto do hotel. Ele sentado na cama
aninhado no cheiro dela. Ela sentada sobre ele, dançando ao redor de sonhos e
memórias. Os beijos funcionavam como pontes entre as memórias dele – aquela tarde
na sorveteria, o dia em que a viu beijar outro sujeito numa festa, a ocasião em
que conversaram até de madrugada – e para os devaneios dela – e se ainda fosse
solteira, e se nunca tivesse se casado, e se tivesse se casado com ele.
Ele gemia de saudade e ela de libertação. A mulher abraçava
um garoto que sonhava com ela há anos, e ele abraçava a mulher que o tornaria o
garoto que ele havia sido em homem. Os beijos rodopiavam ao redor da paixão de adolescência
dele e o prazer de ser a mulher mais desejada do mundo naquele momento.
Em um determinado momento, a ponta do seio dela deslizou
pelo seu rosto e ele imediatamente soube que jamais esqueceria aquele pequeno momento.
E estava certo. Ela, porém, quando abriu os olhos rapidamente e encontrou uma
gota de suor descendo pelo ombro dele, achou poético, mas perdeu essa memória
dois gemidos depois.
Na estrada, os carros passavam sem imaginar o que acontecia
na janela do terceiro andar do hotel que estava acesa. Mal olhavam para ela, na
verdade. E, se olhassem, jamais imaginariam que um menino estava concretizando
sua paixão e se transformando em homem, e que uma mulher havia sido promovida,
pelo acaso, ao posto de rainha de um homem.
Mas, se tivessem prestado atenção, algum motorista teria
ouvido o grito. Afinal, foi um grito de décadas esperando para berrar o nome
dela, e o grito de prazer de uma mulher que tinha a certeza que seu nome nunca
mais seria gritado e descobriu estar errada.
Foram gritos de dezessete anos. Foram gritos de uma vida.
E aconteceu ali ao lado do aeroporto, num hotel daqueles que
a gente não guarda o nome. Mas foi numa noite de verão. Isso, nenhum dos dois
esqueceria.
(E sim, eles ainda estão lá. Caso você passe pela estrada,
procure a janela acesa no terceiro andar.)
8 leitores:
Cara... Não sei o que dizer. Que texto prazeroso de ler. Que sensação boa, puta que pariu.
Foda, Rob...
O mais legal dos textos do Rob é a sensação de querer conhecer mais as personagens ao fim de cada um deles. Parabéns cara, de verdade.
Tu arrebenta cara!!!!! Muito bom!!!!
Sem palavras, Rob. Parabéns!
Rob, obrigado por mais essa crônica. Lembrei de cara do texto falando do show do guns. Personagens com sentimentos parecidos talvez? rss Abraço!!
Cara, vc é bom nisso.
Saudades do Gente Que Escreve.
Tomara que ele não demore 17 anos pra voltar!
Sensacional! Parabéns!
Rob, que incrível!
Tive a sensação de ser o motorista de um dos carros que passaram pela estrada naquela noite.
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