Alguns minutos depois do meio-dia, a equipe de demolição
sentou-se para almoçar. Eram três, mas poderiam ser seis, já que todos eram
mais altos e mais largos que qualquer outra pessoa no pequeno restaurante. Seus
músculos eram grandes para desespero das camisetas brancas apertadas que
usavam. Todos com a barba por fazer e cara de poucos amigos. Se alguém
decidisse organizar um campeonato de clichês no restaurante, os três teriam
grande chance de conseguir o primeiro prêmio na categoria “grupo”.
Estavam sentados numa mesa próxima à janela, comendo e
conversando sobre o dia. Na verdade, apenas dois falavam. O terceiro mastigava
a comida lentamente olhando para a janela, na direção dos tratores
estacionados. De tempos em tempos, empurrava a comida garganta abaixo com um
gole de cerveja.
Os dois que falavam pareciam se esforçar para agirem como
clichês também nas conversas. Assim que sentaram no restaurante, estavam
conversando sobre UFC, mas o assunto logo mudou para a manutenção dos tratores.
Era sobre isso que estavam falando quando o garçom veio anotar o pedido.
“O parmegiana é grande?”
“Olha”, respondeu o garçom, com um ar de quem já havia
escutado essa pergunta mais vezes do que poderia contar. “Ele serve fácil duas
pessoas. Talvez até três.”
“Então eu quero um.”
“Outro para mim.”
“Um para mim também. Com bastante batata.”
Aliás, o próprio garçom era um clichê. Arrastava os pés
entre as mesas com a animação de quem já se conformou que passará o resto da
vida entre ali, anotando pedidos, servindo bandejas e respondendo se o
parmegiana é grande. No mesmo campeonato de clichês, ele teria grandes chances
na prova individual.
Quando a comida chegou, estavam conversando sobre o jogo de
domingo. Os três jogavam no mesmo time de futebol do bairro, mas nunca juntos.
Não havia vaga para os três, já que o técnico sempre os escalava como
zagueiros. Assim, enquanto dois estavam no campo testando quantos chutes as
tíbias dos adversários suportavam antes de virar pó, o outro ficava no banco.
Comeram conversando sobre aqueles assuntos que todos esperam
que uma equipe de demolição converse. Você viu o trator novo que foi lançado
este ano? Move três toneladas sem ranger. Os caras da empresa falaram que
sábado o Alemão derrubou um pedaço de uma parede com uma cabeçada. Acho que vou
pedir mais batata, veio pouca. Aproveita e pede mais uma cerveja. Cara, assisti
aquele filme do Stallone ontem. Rocky? Não, aquele que ele é soldado. Rambo?
Não, porra, aqueles novos, que tem um monte de gente, tem o russo que lutou com
ele no Rocky. Ah, Mercenários! Isso. Filmaço! Como um filme desses não ganha
Oscar?
Uma hora depois, não sobrava assunto, nem parmegiana – as
batatas já tinham acabado faz tempo. E só então os dois perceberam que o
companheiro mal havia aberto a boca durante o almoço.
“Cara, tá tudo legal?”
“Oi?”, ele respondeu, afastando os olhos da janela.
“Você não falou nada no almoço?”
“Ah, tô cansado só. Puxei ferro o domingo inteiro. Aí à
noite treinei boxe.”
“Ah, então tá certo.”
As palavras “puxando ferro” fizeram com que se esquecessem
do amigo e começaram a conversar sobre isso. Pediram a conta falando sobre
exercícios, pagaram conversando sobre baldes de suplementos e foram embora
sonhando com a menina da recepção da academia.
Mas isso, claro, apenas os dois que falavam. Porque o
terceiro continuou quieto, pensando sobre aquilo que havia passado o almoço
inteiro. Quando voltou para o trator, certificou-se que os amigos não estavam
olhando e puxou um pequeno bloco de papel do bolso. Algumas linhas estavam
escritas com letra feia numa das páginas, e ele releu.
Era um poema não terminado.
Fez as contas. Estava há pelo menos doze horas tentando
arrumar alguma palavra que rimasse com petúnia. Empacou nesse trecho pouco
depois da meia-noite, e não conseguia encontrar uma maldita palavra. Pensou até
em escolher outra flor e deixar aquele trecho com o vasinho de petúnias de
lado. Rosa rimava com pecaminosa, mas ele já havia usado em outro trecho.
Margarida e acolhida combinavam perfeitamente, porém ele queria guardar para o
final.
E como não conhecia muitas outras flores, tinha que usar as
petúnias no meio do poema.
CALÚNIA!
Sorriu vitorioso. Sim, seria difícil encaixar essa palavra
no poema, mas era algo que ele conseguiria resolver. Afinal, era experiente
nisso, tinha cadernos e cadernos de poemas em casa, todos muito bem escondidos
no fundo de uma gaveta.
Guardou o caderno no bolso da calça, ligou o trator.
Partiu em direção à obra, mais animado. Passaria a tarde
conversando sobre flexões e abdominais. Talvez até tentasse derrubar um pedaço
de uma parede com uma cabeçada, como o Alemão. Seu dia já estava ganho.
(Este texto faz parte do desafio do podcast Gente que Escreve, que tenho a honra de ser co-apresentador - clique aqui para conhecer. A ideia era criar uma crônica com os elementos "cerveja", "trator" e "vasinho de petúnias").
(Este texto faz parte do desafio do podcast Gente que Escreve, que tenho a honra de ser co-apresentador - clique aqui para conhecer. A ideia era criar uma crônica com os elementos "cerveja", "trator" e "vasinho de petúnias").
6 leitores:
Depois que ouvi os episódios do podcast, passei a prestar mais atenção à construção dos textos. E este está fantástico, parabéns! :D
Estou por fora do podcast; vi o compartilhamento no Facebook, mas ainda não tive tempo de entrar. Tenho que voltar a me atualizar. Bom, como texto solto, eu achei massa. Like always. Beijos, Rob.
Gostei do conto.
Chama a atenção a forma que você conduziu o conto em somente uma cena dos operadores de tratores almoçando. Legal você sempre retomar o concurso de clichê com o decorrer da trama. Em uma primeira leitura, pensei que o poeta dos tratores foi inserido somente do meio para baixo. Na segunda leitura percebi que ele está presente na narração desde o inicio e sempre é citado de alguma forma. Gostei da forma que você humanizou a camisa no primeiro parágrafo. A brincadeira com o filme Mercenários me fez rir.
O conto gera identificação, todo mundo já viu um trio de brutamontes comendo em um restaurante e tendo como pauta a exaltação da testosterona. Fiquei pensando se o poeta dos tratores melhorou a sua escrita conforme o tempo e se ele será descoberto.
É a minha primeira experiência com um texto seu e posso dizer que foi ótima.
Genial. Só agora consegui ler o conto, e rapaz, colocou um sorriso no meu rosto.
Admiro muito seu trabalho! Forte abraço!
Estou ouvindo, queria mais podcasts.
Acabei de ler esse conto e li o conto pacto do Fabio m barreto no wordped,obrigado só tenho a aprender com vocês,acho que vou fazer minha versão só pra testar o que aprendi no podcast de vocês.
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