Acordou.
Acordou e foi trabalhar. Ao chegar ao escritório, passou os
olhos pelas notícias do dia. Uma enxurrada de novos escândalos políticos e de
crimes ocorridos com pessoas que ele nunca saberia que existiram se elas não
tivessem morrido. Em meio a tudo isso, notícias sobre celebridades que não eram
famosas ontem, mas que hoje explicavam como fazer o penteado da moda.
Sentia-se pequeno demais perto de tanta coisa. E, pequeno,
escreveu sobre como somos bombardeados por notícias de todos os lados e como é
quase impossível filtrar para nós mesmos o que realmente importa. Escreveu mais
para colocar os pensamentos em ordem, para não se sentir tão pequeno, para ter
alguma importância para si mesmo.
Muitos curtir, diversos compartilhar.
Foi almoçar.
Foi almoçar e, com o celular na mão, desceu a linha do
tempo. Pensava no paradoxo dela se chamar linha do tempo mesmo sempre
completamente parada, mostrando as mesmas coisas e mesmas ideias e mesmas
publicidades pessoais. Fotos da viagem perfeita, recados do namorado infalível.
Todos curtidos e compartilhados. O melhor livro que alguém leu na vida, uma
nova versão da história que acontece todos os dias e causa a revolta de todos
os dias no ativista de todos os dias, cento e vinte e sete coisas que você
deveria ter visto na internet essa semana senão você não é ninguém. Épico.
Quebrou. Lacrou. Tantas palavras que não existiam ontem e que ninguém irá
lembrar amanhã.
Sentia-se anestesiado perto de tanta coisa. E, anestesiado, desabafou
no celular um comentário sobre a discussão que acontecia no momento, e que ele
não via muito propósito naquilo, que parecia ser um dos casos que a repercussão
se torna mais importante que o assunto, com as pessoas muito mais preocupadas
em mostrar o que achavam do problema que com o problema em si. Postou porque
não entendia como ninguém mais enxergava isso.
Muitos curtir, diversos compartilhar.
Tomou café.
Tomou café tentando terminar de escrever um pequeno texto
sobre duas pessoas que se apaixonavam em plataformas diferentes de uma estação
de trem. Queria um final feliz para elas, mas não conseguia encontrá-lo. Queria
o final feliz porque gostaria que seus personagens fossem felizes o suficiente
para construir um mundo escondido do mundo real, onde tudo ao mesmo tempo
parece se transformar num enorme nada ao mesmo tempo cuja única função é mudar
a vida das pessoas para sempre por quatro minutos.
Sentiu-se incomodado porque precisou abandonar o texto. E
incomodado, levantou-se e foi para perto do pessoal do escritório tirar uma
foto juntos porque era uma data comemorativa e todos estavam postando a mesma
foto. Já haviam feito aquilo antes, e fariam de novo depois. As mesmas caras,
os mesmos gestos, as mesmas poses da foto da semana passada. Postou porque era
obrigado porque sem fotos mostrando o quanto você é feliz, você não é feliz.
Muitos curtir e alguns compartilhar.
Jantou.
Jantou após voltar para casa e decidiu terminar o texto. Ainda
procurar pelo final feliz, fez os personagens atravessarem os trens da estação,
se encontrando na porta de um dos trens. Beijaram-se na frente de todos e foram
aplaudidos, pois num mundo onde nada tem substância, uma simples história de
amor numa estação de metrô parece ser genial durante dois minutos, com sorte
três.
Sentiu-se cansado. Cansado, imaginou que se essa história se
passasse no mundo real, as pessoas na estação do metrô tirariam fotos do casal
se beijando para postar na internet (muitos curtir e alguns compartilhar) com
suas impressões sobre como o amor é importante (muitos curtir e alguns
compartilhar – lindo!) e como a vida acontece nas ruas e não na internet (muitos
curtir e alguns compartilhar – verdade!). Sites fariam matérias sobre 10
maneiras de beijar no metrô (muitos curtir e alguns compartilhar – muito bom!),
os 10 beijos no metrô que você precisa ver e o quatro vai mudar sua vida (muitos
curtir e alguns compartilhar – sensacional!), com fotos de cachorros se
beijando no metrô (muitos curtir e alguns compartilhar – épico!), páginas da
prefeitura fazendo brincadeira com o beijo (muitos curtir e alguns compartilhar
– show!) e venda de camisetas “eu beijo no metrô” (muitos curtir e alguns
compartilhar – quero!).
Mas, ainda cansado, fez a história se encerrar no beijo,
porque não queria que nada disso acontecesse com seus protagonistas
apaixonados. Queria que eles ficassem sozinhos, e não em uma jaula. E postou o
texto.
Dois curtir. Nenhum compartilhar.
Foi dormir.
2 leitores:
I read the news today, oh boy...
Agora que já sabemos a história dos dois no trem pelos spoilers, conta ela aí pra nós! (Muitos curtir, diversos compartilhar.)
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