Aconteceu alguns dias atrás. O mundo parou para assistir o
episódio final do reality show que se tornou uma das grandes sensações do ano,
o MasterWriter Junior. Derivado do famoso MasterWriter, o programa consiste em
três jurados escolhendo os melhores textos dos competidores – no caso da versão
Junior, são crianças de até doze anos. A cada semana, um deles é eliminado até
o episódio final, quando sobram apenas dois competidores, e o vencedor é
aclamado como o MasterWriter.
Na primeira final do MasterWriter Junior, os competidores são
Neville, garoto de 11 anos da California, e Barbara, uma loirinha de nove anos
de Nova York. O tema é livre. Cada um dos competidores tinha quarenta minutos
para produzir o texto. Ao final do tempo, ambos foram obrigados a abandonar o trabalho
e entregar o resultado para apreciação dos juízes.
Um dos jurados apresenta as regras:
– Vamos começar com Neville. Neville, o que você preparou
para nós?
O garoto está apreensivo e orgulhoso ao mesmo tempo. Entrega
uma cópia do texto para cada um dos jurados e explica:
– Eu fiz um soneto clássico, com versos dodecassílabos e
rimas cruzadas entre os quartetos e os tercetos. Escolhi um tema clássico,
amor, mas salpiquei pitadas de solidão e existencialismo do período da
Inglaterra vitoriana. Escolhi também fazer em primeira pessoa para aproximar o
eu-lírico do leitor, criando uma cumplicidade e identificação sobre o amor
perdido no primeiro terceto, mas sem abandonar a esperança no final.
Os jurados trocam olhares. É uma aposta ousada, já que é
muito difícil misturar amor e existencialismo sem pesar a mão. Calmamente,
começam a devorar o poema.
– Você encontrou o equilíbrio perfeito, diz o primeiro
jurado.
– Sim. Por um momento, eu achei que fosse se afundar na
solidão, o que causaria uma apreensão no leitor. E você jamais pode deixar de
lado que leitura é prazer. Mas você conseguiu a medida certa, completa o
segundo.
O terceiro jurado ainda está terminando de ler. Todos olham
para ele, que dá o veredito final.
– Eu concordo com meus parceiros. Você sente o amor em todo
o texto, mas ao mesmo tempo tem um leve questionamento da solidão inerente ao
ser humano. E o seu questionamento final, sobre a finalidade do homem se
apaixonar é abandonar esta solidão e entrar em comunhão completa com o universo...
Ou com o universo que o cerca é brilhante. Parabéns.
Neville não consegue disfarçar seu orgulho. Durante todo o
programa, ele já havia mencionado mais de uma vez a honra que sentia ao
escrever para os jurados, todos eles escritores renomados e premiados. Chegar à
final e ver seu texto ser elogiado por cada um deles seria uma glória
inesquecível para qualquer pessoa, especialmente para uma criança de onze anos.
– Barbara? Sua vez.
A garota se aproxima do palco com uma bandeja e três folhas
de papel. Entrega uma para cada jurado. O segundo jurado pergunta o que ela
preparou, e a garota explica.
– Fiz uma crônica totalmente voltada ao espaço da ação. Ela narra
a vida de um homem em somente uma página, desde o seu nascimento até sua morte.
Mas aos poucos eu entrego que na verdade não estou falando de um homem e sim da
humanidade. Somente na metade do texto o leitor descobre que o texto não se
passa em uma pequena vila inglesa, mas sim no universo. Para isso, usei
elementos da ficção científica clássica da primeira metade do século 20,
escondidos dentro de uma crônica atual, com salpicadas de humor, para esconder
o mistério do texto até sua metade. O que eu tentei foi surpreender o leitor ao
mesmo tempo em que eu o faço pensar sobre seu papel no Universo.
– Parece ousado. Ficção científica não é algo fácil de ser
feito, apesar de muitos escritores pensarem assim. Esse é o erro deles.
– Concordo com o senhor. Por isso que escolhi elementos
clássicos para transpor a ação, como a passagem do tempo usada por Isaac Asimov
e Arthur Clarke. Não usei conceitos da ficção científica atual por ela ser
distópica, algo que não harmoniza com a ideia do texto. Meu objetivo é mostrar
que o homem, mesmo com os desvios que encontra em seu caminho, está seguindo em
um rumo predestinado rumo ao seu futuro. Por isso também escrevi o texto à mão,
utilizando carvão rústico e papiro, para mostrar que a tecnologia não interfere
com os destinos humanos.
Todos os jurados começam a ler os textos. Desta vez, quem
começa é o terceiro.
– Quando você anunciou que iria fazer uma crônica de ficção
científica, eu fiquei com receio de você ser ambiciosa demais. Dar o passo
maior que a perna. E, mesmo sabendo da surpresa que você nos reserva, eu
terminei o texto me sentindo diferente.
– Eu também, completa o segundo jurado. Estou enxergando o
mundo ao meu redor... Meus colegas, este cenário, até mesmo você, de forma
mais... Acredito que a palavra seja integrada. Mais que me fazer pensar, você
conseguiu fazer com que eu mudasse minha visão de mundo. E nenhum texto até
hoje fez isso de forma tão pungente como você.
O último jurado ainda está com o papel nas mãos.
– Eu estou encantado com a sua prosa. Nas últimas semanas,
você tem evoluído cada vez mais. Fiquei com receio de você ser eliminada na terceira
semana, quando você se atrapalhou um pouco ao tentar criar uma Cantiga de Amigo
clássica, mas você superou e vem evoluindo a cada dia, Barbara. E acredito que
este texto, desde a linguagem que você usa até a profundidade que você empresta
à condição humana, é o clímax desta evolução. Estou encantado.
A garota é só sorrisos quando volta para sua mesa. Todos no
estúdio aplaudem e um dos jurados anuncia que, no próximo bloco, vamos conhecer
o primeiro MasterWriter Junior da história.
O mundo inteiro estava assistindo ao programa. Não é à toa
que a ideia já foi vendida para trinta e cinco países, que farão suas versões
regionais, descobrindo novos talentos da escrita moderna. O programa terá
versões locais na Europa, na Ásia, em toda a América do Norte, na África do Sul
e em países latino americanos, como Argentina, Uruguai, Chile e Peru.
Nenhuma emissora do Brasil assinou contrato de produção local
da franquia. As emissoras não estavam muito confiantes no mercado, já que seus
executivos parecem convencidos que, aqui no Brasil, as pessoas não gostam muito
de ler. Aparentemente, um deles sugeriu que o formato fosse modificado e que o
programa fosse batizado de MasterVideo (e Master Video Junior).
Procurado por e-mail pelo blog, o diretor de programação de
um canal da TV aberta afirmou que “se o programa não fosse sobre textos, mas
sim sobre frases engraçadinhas para postar no Facebook, talves (sic) a coisa decolasse.
Mas textos? Textos longos? Nem pensar!”
Por isso, ano que vem teremos que continuar vendo o MasterWriter
e sua versão Junior na TV a cabo mesmo.
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