- Mais uma volta ao redor do Sol!
Todos aplaudiram e a Professora sorriu sem graça, querendo
se esconder atrás do pedaço de bolo. Não sabia lidar direito com isso. Não era
vergonha, era... Não saber lidar direito. Mas sabia que tinha que dançar
conforme a música. E, assim, depois do bolo, voltou para a sala de aula
aliviada e começou sua aula.
Do outro lado da cidade, na cadeia, ninguém deu os parabéns
para o Detento. Ele preferia assim. Não gostava de comemorar a data, pois ela o
fazia pensar somente em quantos anos havia perdido e em quantos outros passaria
lá dentro. Além disso, receber os parabéns iria humanizá-lo demais, e tudo o
que você não precisa quando está trancado com assassinos e traficantes é
parecer humano. Fico trancado em sua cela, pensando se ele parecia diferente.
Entre a escola e a prisão, havia uma empresa. Naquele dia,
levaram o Auxiliar para almoçar no melhor restaurante da rua. Comeram do bom e
do melhor – com direito à sobremesa – e cantoria de parabéns. Ninguém deixou o
Auxiliar pagar a conta, racharam entre eles dizendo que “hoje é por nossa conta”.
E ele sorriu, agradecendo as pessoas que mal conhecia – duas delas ele mal sabia
o nome.
Na mesma rua do restaurante, o Velhinho que dormia no quarto
13 do asilo resmungou que nem sabia mais quantos anos estava fazendo. Mas as
enfermeiras fizeram questão de comemorar mesmo assim, com bolo – um dietético e
um de chocolate – chapeuzinho e língua de sogra. Os outros velhinhos se
juntaram numa festa animada, com direito até mesmo à música e um pouco de
dança. Mas o Velhinho não dançou, preferindo ficar na cadeira de rodas,
descansando da agitação.
Uma das enfermeiras do asilo havia chegado mais tarde
naquele dia. Havia passado a manhã abraçada ao marido, ao lado do berço, sorrindo
sem parar. O Bebê, no berço, não entendia direito os pais parados ali e
sorrindo. E, como não entendia ainda as palavras – sabia reconhecer apenas
alguns sons – não entendeu quando a mãe lhe desejou toda a felicidade do mundo
e deu um beijo em sua testa.
No final da aula, a Professora foi procurada por um aluno no
corredor. Era um loirinho pequenino que costumava ficar quietinho em seu canto.
Ele lhe entregou um papel. Era um desenho que mostrava ela aula, mas com um
sorriso de orelha a orelha e um chapéu colorido. Acima, estava escrito “Felis
anirversário, tia!”, em letras desenhadas. Seus olhos se molharam e ela
agradeceu, antes do loirinho escapar correndo pelo corredor para fugir do
beijo.
Ao final do dia, o Detento se preparava para dormir.
Cobriu-se com o cobertor já esgarçado e fechou os olhos, agradecendo em
silêncio por ter passado mais um dia. Um dia a menos de prisão, um dia a mais
de vida. Estava quase cochilando quando foi surpreendido por um guarda que
fazia a ronda e o chamou baixinho. Abriu os olhos e viu um bombom caindo em sua
frente, antes de ouvir um “feliz aniversário, cara”.
O Auxiliar voltou para casa tarde da noite. Depois do
trabalho, havia o curso de inglês que ele fazia com esperança de um emprego
melhor. Não veria sua namorada naquele dia por causa disso – havia falado com
ela no telefone e combinado de comemorar no final de semana. Chegou em casa,
tomou um banho rápido e deu um beijo de boa noite na mãe que já estava deitada.
E, antes de dormir, encontrou um flor em seu travesseiro e um pequeno bilhete,
com a letra da namorada, desejando feliz aniversário e jurando todo o amor do
mundo. Sorriu de verdade, pela primeira vez no dia, ao perceber que passaria a
vida inteira ao lado dela.
No meio da tarde, o Velhinho decidiu voltar para o quarto.
Estava cansado da festa e queria descansar um pouco, longe do barulho e na
companhia dos seus livros. Talvez um cochilo. Mas entrou no quarto e encontrou seu
neto, que estava esperando por ele em segredo. Ganhou um beijo estalado na
bochecha, um “parabéns, vô!” e o melhor presente do mundo: uma tarde inteira
batendo papo e conversando sobre a vida.
Todos foram dormir aquela noite um pouco diferentes. Amanhã,
tudo voltaria ao normal. Voltariam a ser a Professora, o Detento, o Auxiliar e
o Velhinho. Mas, naquele dia, eles eram mais que isso. Eram especiais. Porque
todo mundo é especial ao menos um dia por ano. E dormiram brilhando, sorrindo,
sabendo que, naquele momentos, eles eram únicos.
Assim que adormeceram, começaram mais uma volta ao redor do
Sol.
E o Bebê, sozinho em seu quarto, sorriu no meio do sono, sem
sequer perceber. Talvez estivesse sonhando.
Talvez estivesse feliz.
(As Crônicas de 10 de Setembro ainda não são uma Tradição. Mas
já existe outra aqui, do ano passado.)
6 leitores:
Então hoje você vai pra cama mais feliz, com todos os "parabéns, cara" que vai receber... que tal?
Parabéns, cara!
Rob, felicidades, parabéns e tudo de bom!
Grande abraço!
Obrigado.
E somos nós quem ganhamos o presente! :)
Rob, você me é um des-conhecido querido. "Des", pois não o conheço efetivamente. Conhecido, pelo coração grande que transborda em crônicas. E, querido, justamente pela beleza e encanto delas. Muitas felicidades, que todos os dias lhe possam reservar os encantos de um dia especial! Abraços!
Parabéns Rob! Vc é fera
Postar um comentário