16 de setembro de 2014

A Ideia do Escritor

Estou escondida aqui, entre o armário e janela do escritório. Não preciso de muito mais que isso. Basta apenas um cantinho, uma porta entreaberta, um móvel e pronto. Eu me escondo e começo a desaparecer. Aliás, desaparecer não. Eu não desapareço totalmente. Essa é justamente a parte mais divertida: eu sempre deixo um rastro, uma pista, algo que indique que estou por perto, mas que não posso ser vista. Ao menos, não com facilidade. Quer me encontrar? Vai ter que me procurar. Vai ter que se esforçar.

De onde estou consigo ver o escritor. Ele está na mesa do outro lado do escritório, olhando para a tela em branco. Sua expressão é agoniada. Ele sabe que estou por perto, mas não sabe direito onde estou. Eu adoro fazer isso. Passo por trás dele, sussurro uma única palavra em seu ouvido e desapareço. Corro para trás da cortina, me jogo embaixo da mesa... E ele fica ali, olhando ao redor, tentando agarrar aquela ideia que passou pela sua cabeça numa fração de segundos e ameaça desaparecer.

Já falei: se quiser me encontrar, vai ter que me procurar. Porque eu não sou fácil assim. Se você acha que vai simplesmente sentar no notebook e pronto, uma ideia genial vai cair no seu colo, desista desse negócio de escrever antes que você se frustre. Porque não é assim que funciona. Você escreve, mas eu sou a ideia. Eu não dou as cartas, eu sou o baralho.

Agora ele está olhando para os lados. Sabe que teve uma ideia, mas que ela escapou, e agora tenta refazer seus passos, mesmo sem saber direito quais foram. Eu poderia ir lá e sussurrar em seu ouvido algo como “escreve sobre mim”, mas prefiro ficar aqui mais um tempo, assistindo seu desespero. Toda vez é assim. Ele olha pela janela, olha para os lados, olha para a mesa, em busca de alguma pista do que eu sou e de onde estou. E a tela em branco ali. Esperando por palavras.

Agora ele abriu a internet. Está olhando as notícias. Odeio isso, é quando o feitiço vira contra o feiticeiro. Em poucos minutos, algo chamará sua atenção e ele esquecerá completamente de mim. Deixarei de ser uma ideia e me tornarei a lembrança de um texto que nunca foi escrito. Adoraria mantê-lo como meu escravo por mais algum tempo, mas ele está escapando. O Word vai continuar aberto, mas ele não lembrará mais de mim. Não perceberá que estou aqui, implorando para ser escrita. Preciso agir. Preciso fazer com que ele escreva. Preciso me aproximar dele, por trás, discretamente. Preciso me aproximar de seu ouvido e falar, baixinho:

- Escreve sobre mim. Escreve sobre como eu sempre escapo.

Ele está sorrindo. Ele está escrevendo. É quase a mesma coisa, quando se trata dele. Agora, as palavras estão formando frases, as frases estão formando parágrafos. E as notícias e as redes sociais estão ali, abandonadas no PC. Ele escreve cada vez mais rápido. Agora, sou toda dele, e nada mais existe a não ser eu. É assim que eu gosto.

As notícias podem esperar. Elas são iguais todos os dias. Nomes diferentes para tragédias que se repetem. Eu não. Eu sou mais importante. Eu sou uma ideia. Tudo o que eu tenho é um escritor, mas o mundo precisa de mim.


2 leitores:

Cesar da Mota Marcondes Pereira disse...

Só li verdades ;)

Juba disse...

Parei de escrever abri o reader, me deparando com essa crônica, tão verdadeira... Li, gostei e parei para ouvir a ideia sussurrar em meus ouvidos.

Abração

 

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