Estou escondida aqui, entre o armário e janela do
escritório. Não preciso de muito mais que isso. Basta apenas um cantinho, uma
porta entreaberta, um móvel e pronto. Eu me escondo e começo a desaparecer.
Aliás, desaparecer não. Eu não desapareço totalmente. Essa é justamente a parte
mais divertida: eu sempre deixo um rastro, uma pista, algo que indique que
estou por perto, mas que não posso ser vista. Ao menos, não com facilidade.
Quer me encontrar? Vai ter que me procurar. Vai ter que se esforçar.
De onde estou consigo ver o escritor. Ele está na mesa do
outro lado do escritório, olhando para a tela em branco. Sua expressão é
agoniada. Ele sabe que estou por perto, mas não sabe direito onde estou. Eu
adoro fazer isso. Passo por trás dele, sussurro uma única palavra em seu ouvido
e desapareço. Corro para trás da cortina, me jogo embaixo da mesa... E ele fica
ali, olhando ao redor, tentando agarrar aquela ideia que passou pela sua cabeça
numa fração de segundos e ameaça desaparecer.
Já falei: se quiser me encontrar, vai ter que me procurar. Porque
eu não sou fácil assim. Se você acha que vai simplesmente sentar no notebook e
pronto, uma ideia genial vai cair no seu colo, desista desse negócio de
escrever antes que você se frustre. Porque não é assim que funciona. Você
escreve, mas eu sou a ideia. Eu não dou as cartas, eu sou o baralho.
Agora ele está olhando para os lados. Sabe que teve uma
ideia, mas que ela escapou, e agora tenta refazer seus passos, mesmo sem saber
direito quais foram. Eu poderia ir lá e sussurrar em seu ouvido algo como “escreve
sobre mim”, mas prefiro ficar aqui mais um tempo, assistindo seu desespero.
Toda vez é assim. Ele olha pela janela, olha para os lados, olha para a mesa,
em busca de alguma pista do que eu sou e de onde estou. E a tela em branco ali.
Esperando por palavras.
Agora ele abriu a internet. Está olhando as notícias. Odeio
isso, é quando o feitiço vira contra o feiticeiro. Em poucos minutos, algo
chamará sua atenção e ele esquecerá completamente de mim. Deixarei de ser uma
ideia e me tornarei a lembrança de um texto que nunca foi escrito. Adoraria
mantê-lo como meu escravo por mais algum tempo, mas ele está escapando. O Word
vai continuar aberto, mas ele não lembrará mais de mim. Não perceberá que estou
aqui, implorando para ser escrita. Preciso agir. Preciso fazer com que ele
escreva. Preciso me aproximar dele, por trás, discretamente. Preciso me
aproximar de seu ouvido e falar, baixinho:
- Escreve sobre mim. Escreve sobre como eu sempre escapo.
Ele está sorrindo. Ele está escrevendo. É quase a mesma
coisa, quando se trata dele. Agora, as palavras estão formando frases, as
frases estão formando parágrafos. E as notícias e as redes sociais estão ali,
abandonadas no PC. Ele escreve cada vez mais rápido. Agora, sou toda dele, e
nada mais existe a não ser eu. É assim que eu gosto.
As notícias podem esperar. Elas são iguais todos os dias.
Nomes diferentes para tragédias que se repetem. Eu não. Eu sou mais importante.
Eu sou uma ideia. Tudo o que eu tenho é um escritor, mas o mundo precisa de
mim.
2 leitores:
Só li verdades ;)
Parei de escrever abri o reader, me deparando com essa crônica, tão verdadeira... Li, gostei e parei para ouvir a ideia sussurrar em meus ouvidos.
Abração
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