- Então, eu não sei mais o que fazer. Essa menina vem todo
dia aqui na loja, mas eu não consigo conversar direito com ela.
- Como assim?
- Eu não sei. Eu travo totalmente. Ela é simpática, sorri...
Vejo que ela olha para mim, às vezes, com o canto do olho. Mas, quando ela
chega perto do balcão, eu travo. Fico nervoso, começo a gaguejar.
- Faz quanto tempo que você é apaixonado por ela?
- Não, não sou apaixonado. Apenas acho que ela é bonita,
mas...
- Você não consegue falar direito com ela. É evidente que
está apaixonado. Faz quanto tempo?
- Não sei se é paixão, eu acho que...
- É paixão. É evidente que é paixão. Não vamos nem discutir
isso.
- Certo.
- Faz quanto tempo?
- Uns dois meses.
- Está na hora de você falar com ela. Já passou da hora,
aliás.
- Não sei...
- Ela já passou aí hoje?
- Não. Ela passa sempre no mesmo horário. Aliás, deve estar
para chegar.
- Certo. Que tal convidá-la para sair?
- Não sei. E se ela falar não?
- E se ela falar sim?
- É... Tem razão.
- Se ela falar não, nada acontece. Se ela falar sim, pode
mudar sua vida.
- Você está certo. Vou falar com ela hoje. Sem falta.
- Isso. Tenho um bom palpite sobre vocês, sabia?
- Sério? Mas o que... Espera! Ele está entrando na loja! Já
te ligo!
- Boa sorte!
(Dez minutos depois)
- Alô?
- Sou eu.
- E aí? Como foi?
- Foi... Foi estranho.
- Como assim? Você falou com ela?
- Falei nada, cara. Apareceu um louco aqui.
- Louco?
- É. Ela estava perto do balcão, e eu estava criando coragem
para perguntar o nome dela. Estava nervoso, mas quando respirei fundo, esse
cara entrou. Baixinho, careca. Uma figura. Mas louco de pedra.
- Como assim?
- Seguinte, ele nem olhou nada na loja. Veio direto ao
balcão e perguntou se eu sabia quem era a Anitta.
- Quem era quem?
- Anitta. Acho que era essa o nome. Eu respondi que não. Aí ele
perguntou o que eu achava do jornalismo de celebridades. Eu disse que não
achava nada, nem sei o que é isso.
- Cara, que loucura.
- Isso. Ele perguntou para a loirinha também, mas ela também
não sabia. Mas o cara não parou. Continuou fazendo um monte de perguntas, sobre
umas coisas que eu nunca ouvi falar. Miley Cyrus. Mensalão. Metrô. Femen. Síria.
Queria saber se essas coisas existiam, se eu e a menina já tínhamos ouvido
falar disso.
- Se existiam? Como assim?
- Não sei. Acho que ele estava inventando aquelas coisas.
Nunca ouvi falar disso. Estranho demais. Mas quando eu disse que nunca tinha
ouvido falar disso, o baixinho deu um pulo e gritou! E começou a rir sozinho. Parecia
doido.
- Só isso?
- Bom, ele perguntou mais coisas. E sempre perguntando se eu
já havia ouvido falar nas coisas que ele perguntava. Tinha uma... Acho que era
politicamente correto. Será que é um partido?
- Não faço ideia.
- Enfim... Eu respondi que não conhecia nada disso. Que, até
aonde eu sei, essas coisas não existiam. A loirinha disse a mesma coisa. O cara
não se cabia de felicidade.
- Que demente.
- Calma que fica pior. Enfim, passou um tempinho e ele se
acalmou. Aí ele disse que ia procurar apartamento, que ia morar aqui.
- Aqui onde?
- Não sei. Ele disse apenas isso. “Vou morar aqui”. Mas,
calma... Foi nessa hora que ele olhou para a loirinha com calma. Virou para mim
e perguntou se e eu já tinha falado com ela.
- Como assim?
- Eu fiquei sem graça, e não respondi. Foi quando ele virou
e disse que nós fomos feitos um para o outro, que nós vamos nos apaixonar, nos
casar e ter dois filhos.
- Como é que é?
- O sujeito era claramente louco. Aí eu perguntei para ele, “se
você sabe disso tudo, como é o nome dela?”. Sabe o que ele respondeu?
- Não.
- Que não podia falar. Que ele precisava que eu perguntasse o
nome dela. Que a minha história e a dela já está imaginada, mas vai começar a
ser escrita somente quando eu perguntar o nome dela. E que ninguém poderia
fazer isso por mim.
- Que pessoa problemática. Deve morar na rua.
- Oi?
- Tem muito morador de rua que perdeu o contato com a
realidade.
- Não, ele não tinha pinta de morar na rua, não. Enfim, quando
ele disse isso, eu fiquei olhando. A loirinha também. Aí ele começou a
gargalhar e perguntou se a gente sabia quem ele era. Eu disse que não e ele
disse que era o autor disso aqui. Que nós estamos dentro de uma crônica.
- Dentro de quê?
- De uma crônica. Uma crônica que ele está escrevendo. E que
finalmente ele conseguiu entrar na crônica e vai morar aqui.
- Meu Deus...
- Totalmente fora da realidade. Mas ele não parecia se importar.
Virou as costas e foi embora, gritando que “finalmente consegui, aqui não tem celebridades,
não tem mensalão, só tem histórias boas!”. Todo mundo na rua ficou olhando, e
ele começou a gritar para as pessoas que “vocês não fazem ideia da merda que é
lá fora!”.
- Gente...
- Aí ele voltou correndo para o balcão e apontou para um
casal do outro lado da rua e perguntou se eu estava vendo aquelas pessoas. Eu
disse que sim e ele deu uma gargalhada, gritando que “fui eu que escrevi
aquilo, são personagens meus!”. Aí ele foi embora de verdade.
- De longe, esse baixinho é a pessoa mais problemática que
eu vi.
- Bom, mas aí ele foi embora. E a loirinha?
- Ela foi embora também. Sorriu para mim, disse que o
sujeito era louco e foi embora. Mas disse que volta amanhã.
- E você?
- Eu me decidi que amanhã pergunto o nome dela por bem ou
por mal.
- Boa.
- Algo me diz que vai dar certo.
6 leitores:
Muito bom! A única dúvida que tive, é se esse baixinho louco aceitaria alguém morando de favor na casa que ele irá comprar. Se sim, cá estou! rs
me senti no mundo de Sofia ^^
Muito bom, Rob!!!
Me senti dentro de Inception e, depois, sentado à frente do meu PC, escrevendo um conto ;)
Grande abraço!
Adorei, Rob. A vida aqui é difícil, todo mundo gostaria de se mudar para uma crônica, um conto, um livro. Já comecei, uma vez, a escrever uma história em que eu era personagem. Parei porque comecei a levar muito a sério.
Huahauauhauhauhauahua, muito bom Rob! Fazia tanto tempo que eu não passava por aqui que quase nem me lembrava mais do quanto eu gosto de te ler.
Tava com saudade!
Bjos!
Realmente incrível, me prendeu até o final. Primeira vez aqui e já adorei. Parabéns!
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