30 de julho de 2013

Fama



Três pessoas vieram me perguntar se eu vou escrever a nova novela das sete. Eu não vou falar sobre este assunto, onde vocês leram essa notícia?

Postou esta mensagem no Facebook e abriu o editor de textos, para trabalhar.

Era cronista. Escrevia pequenos contos para sites na internet que lhe garantiram certa fama. Chegou até mesmo a escrever crônicas de encomenda para duas revistas, mas ganhava a vida mesmo fazendo textos publicitários anônimos para grandes agências.

Fez cinco textos sobre um sabonete que precisavam ser entregues no mesmo dia, levantou-se para tomar um café e, na volta, espiou o Facebook. Dos quase quarenta comentários, muitos brincavam com o fato de que ele estava ficando famoso, outros pediam para ele abrir o jogo e assumir logo. Alguns davam os parabéns e diziam que o sucesso era merecido. Todos haviam compartilhado sua postagem.

Ele respondeu a todos dizendo que não sabia onde as pessoas haviam lido isso, mesmo porque esse tipo de negociação sempre acontece em segredo. E que se alguém soubesse o link da notícia que passasse para ele, por favor.

Quando enviou o comentário, cinco novos comentários haviam chegado. Não leu.

Quarenta minutos depois, ligou para a redação de um site de fofocas. Uma jornalista – pela voz, ela devia ter vinte e poucos – atendeu. Ele disse que havia acabado de receber um recado desse site para entrar em contato com eles e estava obedecendo.

- Mas quem deixou o recado para o senhor?

- Não lembro agora, o recado era muito apressado e tinha muito barulho de fundo. Lembro apenas que era um nome curto, pedindo para entrar em contato. E deixou este telefone.

- Mas este telefone é o direto da minha mesa.

- Bem, sinto muito. Acredito que seja sobre o negócio da nova novela das sete, mas não tem importância.

- Como assim, nova novela das sete?

Ele respondeu que não iria falar sobre este assunto de qualquer jeito e desligou.

Quinze minutos depois, seu telefone tocou. Era a jornalista, querendo confirmar se ele havia sido contratado para escrever a novela e sobre o que ela seria. Ele perguntou onde ela havia visto e a jornalista – pela voz, não devia ter mais de vinte e cinco anos – respondeu que depois que desligou o telefone foi procurar nas redes sociais e algumas pessoas estavam comentando o assunto. Ele respondeu que não falaria sobre o assunto, ela insistiu. Ele repetiu a resposta e desligou o telefone.

Meia hora depois, viu no site a notícia de que a próxima novela das sete estava começando a ser produzida e que provavelmente ele seria o escritor. O cenário ainda seria desconhecido, mas como autor era de São Paulo, era capaz da trama se passar na capital paulista. A reportagem o apontava como escritor especializado no cotidiano, listando dois de seus textos mais conhecidos, e encerrava dizendo que “procurado pela reportagem, o autor não confirmou oficialmente a informação, mas as negociações certamente devem estar adiantadas”.

Voltou a escrever, mas quinze minutos depois, o telefone tocou outra vez. Era da redação do caderno de cultura de um jornal, querendo saber dos seus planos para a próxima da novela das sete e como havia sido o contato com a emissora. Ele foi educado, mas disse novamente que não falava sobre este assunto. O jornalista – desta vez um homem e com voz de mais velho – insistiu e disse que, se ele confirmasse em primeira mão ali no telefone, garantia uma página inteira sobre o assunto, com entrevista e foto na primeira página. Ele respondeu novamente que não falaria sobre o assunto.

Mal desligou o telefone e o aparelho tocou novamente. Era um amigo para o qual ele prestava serviço, querendo saber que história é essa de novela das sete e se isso vai atrapalhar a entrega dos textos de sabonete. Ele respondeu que nunca deixaria um amigo na mão e que garantiria a entrega dos textos. O amigo disse que jamais duvidei disso, mas que história é essa de novela das sete, uma menina da agência viu isso no seu Facebook e veio comentar comigo e ele respondeu apenas que depois eu falo melhor, estou com pressa agora e se despediu.

Desligou o celular e passou a tarde trabalhando. De vez em quando espiava o Facebook e viu que a notícia estava se espalhando. Seu texto já contava com centenas de comentários e compartilhamentos – um site de fofocas compartilhou sua postagem dando como “furo”.

Navegou pelos sites de fofocas e notícias de televisão. Quase todos o colocavam como provável autor da próxima novela das sete. Um deles já o apresentava como autor e celebrando o fato de que a televisão estava precisando mesmo de sangue novo e uma rejuvenescida. Mas um, mais sério, procurou a emissora responsável pela novela e citou um dos seus diretores, alegando que “o roteiro da novela ainda não havia sido decidido e que nenhum nome estava confirmado ou descartado”.

Sua postagem no Facebook continuava a ganhar comentários e compartilhamentos. Somente na parte da tarde o seu blog recebeu mais visitas que no resto do ano, além de dezenas de comentários dando os parabéns e desejando muito sucesso na nova empreitada. Desligou o celular e foi para o cinema.

Voltou para casa no começo da noite. Abriu o computador e vasculhou as redes sociais. Seu comentário no Facebook não parava de receber comentários e compartilhamentos. Eram mais de mil. Havia recebido seis mensagens de sites e jornais pedindo para que ele entrasse em contato. Fez uma busca pelo seu nome e descobriu que as pessoas estavam divididas, haviam visto os textos deles e eram bons, mas será que seguravam uma novela?

Ligou o celular. Mais de quarenta ligações perdidas. Desligou novamente e foi dormir.

No dia seguinte, acordou e, enquanto tomava café, passeou pelos sites sobre televisão. As matérias sobre ele agora eram maiores. Alguns apontavam indícios da trama da novela que ele escreveria (teria como personagem central o motorista de um industrial) e outros até mesmo arriscavam quais seriam os atores principais.

Nos comentários, muitos diziam estar ansiosos para ver novamente uma novela em São Paulo e por um autor novo, alguns reclamavam, dizendo que certamente ele tinha contatos na emissora para dar um salto tão grande. Um até mesmo tinha certeza de que ele era namorado de uma famosa e jovem atriz da emissora, e que ela quem estrelaria a novela como par romântico do mocinho.

Abriu o Facebook e viu que tinha mais quinze mensagens novas e centenas de pedidos de amizade, de gente que nunca havia ouvido falar. Buscou seu nome no Twitter e viu que as pessoas estavam divididas, algumas em dúvida a respeito do seu talento e outras ansiosas pela estreia da novela. No seu mail, mais de 30 mensagens novas, todas pedindo entrevistas.

Ligou o celular (doze ligações perdidas) e voltou a fazer os textos do sabonete. Meia hora depois, seu telefone tocou. Ele atendeu e uma mulher pediu para que ele aguardasse.

Segundos depois, ouviu a voz de um homem, que se identificou como diretor de conteúdo da emissora. Falou algo a respeito dos roteiristas terem lido os textos dele e gostado do estilo, se ele já havia escrito para televisão. Ele mentiu que sim e o homem do outro lado da linha perguntou se ele tinha disponibilidade de ir ao Rio de Janeiro ainda hoje, para jantarem, pois a emissora queria discutir alguns projetos com ele, incluindo novelas, talvez algo para a grade das sete horas.

Ele confirmou o jantar e desligou o telefone. Sentou-se no computador para comprar a passagem.

Não conseguia parar de sorrir. Não por causa do seu novo emprego, mas sim pelo fato de que as coisas eram muito mais fáceis do que imaginava.

Bastava jogar uma mentira no ar, alimentá-la um pouco nas primeiras horas, até que ela ganhasse vida própria. Aí, as pessoas faziam o resto do trabalho sujo, enquanto ele não se comprometia, sem confirmar ou negar a história. O tempo se encarregaria do resto.

Era até mais fácil que escrever.

Afinal, somente uma pessoa com talento conseguia escrever. Por outro lado, qualquer um conseguia ficar famoso.

5 leitores:

Leo B. disse...

Cara, genial este teu texto!

Traz toda uma tensão e uma ansiedade de se saber como vai ser o desfecho da história!

Unknown disse...

Só digo uma coisa, somente uma novela sua me faria ver novela novamente. Depois de vamp e chocolate com pimenta tudo ficou chato.

Marina disse...

Acho que até eu veria essa novela. Hahaha

Unknown disse...

Muito bom! Mas, Rob, esse texto é autobiográfico??? :)

Lua Durand disse...

Nossa, Rob!

Se a próxima novela das sete for de sua autoria juro que eu compro uma televisão para a minha casa.

:)

 

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