Ninguém se recorda ao certo de como começou. A rixa entre os
dois era antiga – ao menos, tão antiga quanto uma rixa entre dois alunos do
Jardim da Infância podia ser – e eles estavam sempre discutindo na sala de
aula.
Paulinho e Luizinho eram inimigos mortais.
O pior é que ambos eram bastante influentes entre os outros
alunos, o que logo rachou a sala: metade dos alunos apoiava Paulinho, enquanto
a outra estava com Luizinho até a morte.
Brigavam o tempo inteiro e sobre tudo. E, quando não tinham assunto
para brigar, brigavam sobre quem tinha mais colegas do seu lado. E assim era a
rotina do Jardim da Infância. Luizinho acusava Paulinho de colar nos exames,
Paulinho acusava Luizinho de calúnia. Paulinho acusava Luizinho de não estudar,
Luizinho ameaçava entrar em greve caso Paulinho não fosse expulso.
E, numa terça-feira, durante a aula de artes, Luizinho – que
desenhava uma estrela vermelha – acusou Paulinho de roubar um dos seus pincéis.
Paulinho se ofendeu, afirmou ser o dono do pincel e gritou que ninguém podia
provar o contrário. Luizinho retrucou afirmando que o colega sempre roubava as
coisas dos outros.
Cansada de tudo aquilo, a professora mandou os dois para a diretoria.
A diretora, que também não aguentava mais aquilo, respirou
fundo ao ver os dois entrando em sua sala. Ela tinha planejado passar a manhã atualizando
suas planilhas e tomando chá. Agora ela precisava lidar com os dois. Mais uma vez.
Mas estava
cansada disso e decidiu encerrar aquela história de uma vez por todas. Deu um sermão nos garotos, encerrando de forma enfática:
- Se até o final da semana vocês não se entenderem, os dois
serão expulsos!
Calados, os dois saíram de sua sala. Calados e de cabeça
baixa. O medo de serem expulsos certamente colocaria os dois na linha. Dificilmente
se tornariam melhores companheiros, mas parariam com as brigas.
Porém, na sexta-feira, assim que chegou à sua sala, a
diretora encontrou o jornal do dia. E lá estavam Paulinho e Luizinho, na
primeira página, sorridentes e se cumprimentando. Os dois. No jornal.
Com o Secretário de Educação entre eles.
Ao lado da foto, o texto explicava que as crianças, melhores
amigos, haviam decidido juntos procurar pelo Secretário, para reclamar de
problemas no ensino. Segundo a matéria, o Secretário passara horas com eles, pedindo
para que eles falassem o que eles mais gostavam nas aulas e o que poderia ser
mudado.
E a notícia encerrava alegando que a iniciativa dos garotos
havia sido tão louvável – e a conversa tão frutífera – que o Secretário de
Educação havia escolhido os meninos como seus representantes diretos na
escolinha, e que adoraria que os outros estudantes fossem como eles.
Antes mesmo do almoço, a diretora estava demitida. Deixou a
escola carregando suas coisas e sob os olhares vitoriosos de Paulinho e
Luizinho que, lado a lado, observaram a mulher ir embora.
Assim, a escola ficou sem diretora, mas em paz.
Ao menos, até segunda-feira, quanto Luizinho espalhou secretamente,
entre os colegas, a informação que Paulinho estava planejando roubar a verba destinada
ao material escolar. Já Paulinho entrou escondido na secretária e telefonou para
o Secretário de Educação, informando que Luizinho estava negociando cargos de assessores
entre seus amigos.
Logo, eram inimigos mortais novamente. Mas, para todos os efeitos, eram melhores amigos.
Afinal saiu até no jornal. Com foto e tudo.
3 leitores:
Sensacional, Rob!
Moral da história: cuidado com quem você escolhe para bater de frente.
Quando o texto começou, me lembrei de um outro texto sensacional do Veríssimo (sensacional), chamado "O jogo". E esse é dele mesmo, ao contrário de tantos outros que rodam por aí que são atribuídos a ele.
Achei uma cópia do livro "Ed Mort e outras histórias", que traz esse texto, no link:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=5&ved=0CFsQFjAE&url=http%3A%2F%2Fwww.cyvjosealencar.seed.pr.gov.br%2Fredeescola%2Fescolas%2F26%2F700%2F16%2Farquivos%2FFile%2FLivros%2FLuis%2520Fernando%2520Verissimo%2FEd%2520Mort%2520e%2520Outras%2520historias.doc&ei=I1PjT-DkLoPm9ATmkI2GCA&usg=AFQjCNHQtnlPnhIn-ojsTSL_D5lPMocVZQ&sig2=TYfki3Dp2yYg9RD8kJmrIQ
O livro é todo demais, mas o texto que citei está na página 17. Este é essencial.
Postar um comentário