16 de julho de 2011

#24Horas24Crônicas #18 - Sem Som

(tema sugerido por: @mariabeatrix)

Domingo.

Garçons andavam para cá e para lá com bandejas e pratos e travessas e garrafas, circulando apressados e falantes. Amigos gritavam a cada lance visto nos três televisores que, estrategicamente colocados, exibiam a final de campeonato para todos os presentes. Crianças gritavam ignorando as ordens dos pais, famílias inteiras mesmo com um olho voltado à partida, conversavam animadamente.

Menos eles.

Estavam sentados lado a lado e não conversavam. Na verdade, mal haviam aberto a boca desde que chegaram. Talvez tenham conversado sobre o que iriam beber, mas ninguém ouviu. Eram quase náufragos em meio a um oceano formado por conversas e risadas, por talheres se chocando com pratos e copos se estilhaçando no chão, por berros de narradores e torcedores.

A cada lance mais emocionante, brindes e comemorações ameaçavam aumentar ainda mais o som. A cada defesa, gritos desesperados de torcedores preenchiam o ambiente. A cada cerveja atrasada, broncas eram dadas em garçons. Estilhaços de frases sobre o jogo e sobre a vida disputavam espaço com risadas altas e palavrões gritados. Ideias, sentimentos e sonhos circulavam o tempo todo entre as mesas, brigando com os garçons por terreno.

Pois todos ali não eram amigos apesar do jogo. Eram amigos por causa do jogo, que deixava os homens hipnotizados olhando para a TV, enquanto suas esposas tentavam acompanhá-los até se cansarem e começarem a papear. Clientes e garçons trocavam impressões sobre o desempenho deste ou daquele jogador e arriscavam palpites como colegas de arquibancada. Todos estavam hipnotizados pela televisão.

Assim como eles, hipnotizados lado a lado, olhando em direção a um ponto fixo. Mas, diferente dos demais, o jogo não os unia. Apenas assistiam em silêncio, ignorando totalmente a presença um do outro. Enquanto a partida resultava em gritos e risadas no enorme restaurante, na mesa deles trazia o silêncio.

Isso, caso eles estivessem vendo o jogo. Não estavam. Sentados lado a lado de costas para o principal televisor, estavam totalmente alheios à partida. Olhavam fixamente para um espelho na parede à frente, um fitando os olhos dos outros como se tivessem acabado de se descobrir. E sorriam em silêncio em direção ao olhar.

Mais que qualquer outro, ambos conversavam animadamente, pois suas juras de amor, piadas e brincadeiras eram trocadas em silêncio, com os olhos, distante da enorme balbúrdia do local. E cada palavra era quase gritada sem som de tanta intensidade, cada promessa era silenciosamente ensurdecedora de tanta paixão.

Passaram o tempo todo assim. Sentados lado a lado, com um olhando o outro no espelho, refugiados dentro de seu silêncio, confortável e completo.

E de mãos dadas, escondidas somente para eles, por baixo da mesa.

6 leitores:

Anônimo disse...

Bateu uma onda sentimentalista aí, Rob. Poxa, mais um desses e eu choro, hein.

K.P. disse...

Rob, esse texto lindo me lembrou um casal de amigas que eu tenho. São namoradas há 4 anos e surdas-mudas. E conversam mais do que qualquer outro casal que conheço... ;)

Anônimo disse...

Sensacional.

Bia disse...

Delícia.

Sil disse...

Gostaria de avisá-lo que vou parar de comentar.

Estou ficando repetitiva.

Mas o texto ficou lindo, o que você quer que eu diga?

Pois ficou lindo, e pronto.

Quando você cansar de ler que seus textos são lindos, me avisa.

Beijo

Mari Hauer disse...

Ai, deu até uma tristezinha de pensar que na minha vida, por esses dias, não tenho tido momentos simples e belos como este!

 

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