16 de julho de 2011

#24Horas24Crônicas #11 - Faca ao Sol

(tema sugerido por: @camicap)

Sentindo a terra sob seus joelhos expostos entre os rasgos da calça, o herói, abaixado, acariciava os cabelos da moça. Seus dedos percorriam avidamente as madeixas castanhas, deslizando pelos fios marrons que reluziam sobre o Sol. Mesmo sem fôlego, encontrou ar para falar o nome dela, como se orasse. Seus olhos brilharam quando ela a encarou, e ele sentiu a paixão dominar seu corpo. Aproximou-se dela e de forma a sentir a respiração quente suave da moça acariciando sua pele e, suavemente, sussurrou:

- O que diabos eu estou fazendo aqui?

O escritor deu uma longa tragada no cigarro e releu o texto. Não havia escrito esta última frase. Talvez fosse o sono. Estivera escrevendo pelas últimas sete horas e agora, madrugada adentro, seu cérebro começa a pedir arrego. Só podia ser isso. Deu mais uma tragada, depositou o cigarro no cinzeiro ao lado e apagou o último trecho.

Sentindo a terra sob seus joelhos expostos entre os rasgos da calça, o herói, abaixado, acariciava os cabelos da moça. Seus dedos percorriam avidamente as madeixas castanhas, deslizando pelos fios marrons que reluziam sobre o Sol. Mesmo sem fôlego, encontrou ar para falar o nome dela, como se orasse. Seus olhos brilharam quando ela a encarou, e ele sentiu a paixão dominar seu corpo. Aproximou-se dela e de forma a sentir a respiração quente suave da moça acariciando sua pele e, suavemente, sussurrou:

- Você é imbecil de escrever tudo novamente? Eu vou ter que passar por isso de novo?


O escritor arregalou os olhos. Desta vez, teve certeza. Não era um sonho ou devaneio causado pelo cansaço. Ele realmente não havia escrito este diálogo. Sequer pensara em algo assim. Pelo contrário, havia imaginado uma declaração de amor. Uma frase de efeito que marcaria as pessoas. Apagou o parágrafo e ficou olhando a tela em branco à sua frente. Resolveu arriscar novamente.

Sentindo a terra sob seus joelhos expostos entre os rasgos da calça, o herói, abaixado, acariciava os cabelos da moça. Seus dedos percorriam avidamente as madeixas castanhas, deslizando pelos fios marrons que reluziam sobre o Sol.

Nada.

Mesmo sem fôlego, encontrou ar para falar o nome dela, como se orasse. Seus olhos brilharam quando ela a encarou, e ele sentiu a paixão dominar seu corpo.

Tudo em ordem.

Aproximou-se dela e de forma a sentir a respiração quente suave da moça acariciando sua pele e, suavemente, sussurrou:

- Você não se toca não?


Não fazia sentido. O livro estava se escrevendo sozinho. Não. Não era possível. Provavelmente algum vírus no computador. Mas não desistiria. Estava há meses trabalhando no livro. Não iria desistir de forma alguma. Iria apagar e começar tudo novamente. Não se importava. Mas, na fração de segundos entre colocar o dedo no teclado e apertá-lo, uma nova frase surgiu na tela.

- Não, não. Isso está ficando cansativo.

Agora estava oficialmente sem reação. Teria levantado da cadeira para olhar os cabos do computador se suas pernas não estivessem moles. Olhou para os lados, na esperança de encontrar indícios de que algum amigo estava lhe pregando uma peça. Nada. Estava sozinho ali. Releu a frase. E outra pipocou na tela.

- Não tem coragem de responder, é?

Olhou para os lados, desta vez para se certificar de que estava sozinho. Ao ter certeza, falou baixinho.

- É... Oi?

- Oi? É tudo isso que você tem a dizer?

- Oi?

- Você realmente é escritor? Porque seu vocabulário não parece ser muito rico.

- Quem é você?

- Como assim, quem sou eu? Você quem me criou!

- Sim, mas... Meu personagem não existe. Ele não é real.

- Bem, isto faz de você um escritor de merda.

- Não, não é isso. O que eu quis dizer é que ele não tem vontade própria. Ele fala
somente o que eu quero que ele fale.

- Bem, olhando daqui, isto parece um pouco injusto.

- Mas... Mas é assim que funciona.

- Talvez para você isso funcione. Para mim, não.

- Como assim?

- Veja bem, seu livro não é dos melhores. Você já escreveu melhor. Mas a questão não é essa. O problema é que eu enfrento diversos desafios ao longo da trama. Arrisco minha vida. Abro mão de valores morais. Tudo isso para quê?

- Para chegar ao seu final feliz?

- Justamente. Pois isso faz com que o leitor encontre uma espécie de redenção na história. Agora, vamos ser sinceros? Como eu posso ter um final feliz com esta garota?

- Que garota? O seu par romântico?

- Isso.

- Mas qual o problema com ela?

- Ela é chata. Não tem personalidade. Certo, admito que você a descreveu de forma atraente nas primeiras páginas nas quais ela aparece. Seios, coxas, tudo ok. Mas ela é chata demais.

- Mas ela...

- Não, não tente defendê-la. Ela é chata. Fala pelos cotovelos, teimosa. Acha que todos devem fazer suas vontades. Sério, é impossível ser feliz ao lado de uma mulher assim.

- Mas você nem tentou... E eu tenho tudo planejado, já.

- Confie em mim, não vai funcionar. Veja bem, não é uma crítica ao seu trabalho. Ela é razoavelmente bem construída. Mas ela é chata. Não como personagem, mas como mulher.

- Mas o que importa é ela como personagem.

- Isso para você, que está aí deste lado. Para mim, ela existe apenas como mulher. E, como mulher, ela é um porre. Em que página nós estamos?

- É... 328.

- Eu já estava de saco cheio dela antes da página 200. Vamos mudar este final? Por favor?

- Mas o que você quer que eu faça?

Desta vez, as letras demoraram a aparecer na tela, como se o personagem estivesse pensando em uma saída. Após alguns instantes, a resposta surgiu, com cuidado, letra por letra, como se fosse um segredo.

- Posso matá-la?

- Como assim?

- Calma. Não precisa gritar.

- Desculpe. Mas você não pode matar o personagem feminino central.

- Claro que posso. Ela está deitada ali no chão. Nem sabe que estamos conversando. Basta colocar uma faca na minha mão.

- Eu não posso fazer isso.

- Pode sim. Releia o último parágrafo. Aquele que você escreveu antes de conversarmos.

- Só um minuto. Pronto.

- Agora, basta trocar a última frase por algo como "Aproximou-se dela e de forma a sentir a respiração quente suave da moça acariciando sua pele e, retirando sua faca do cinto, ergueu-a fazendo com que a lâmina refletisse a luz do Sol". E deixe o resto por minha conta. Que tal?

- Não sei.

- Eu conheço você. Você gostou do reflexo do Sol na lâmina.

- Gostei. Admito.

- Pronto. Estamos decididos. Vamos matá-la.

- Mas isso mudaria todo o final...

- Mudaria para melhor. Tanto para mim quanto para você.

- Não sei... Preciso pensar.

- Nós não temos tempo! Ela vai acordar a qualquer minuto!

- Mas é que ela é a personagem...

- Pense na luz do Sol refletindo na lâmina. Mantenha seu foco nisso!

- Sim, essa cena é boa.

- Podemos até mudar o título do livro. Faca ao Sol. O que você acha?

- Caralho.

- O que foi?

- Que puta título.

- Posso matá-la?

- Não sei se é certo...

- Pense na faca! Pense no título!

- Não me pressione assim!

- Ela está acordando!

- Não me pressione!

- Faca ao Sol! Faca ao Sol!

- Pára!

- Ela está acordando! Ela está acordando!

- MATA ESSA PIRANHA! PUXE A FACA E MATA ESSA PIRANHA!

Meses depois, Faca ao Sol já era um dos livros mais vendidos do ano.

Seu autor era constantemente convidado para participar de programas de entrevista. E se saia bem, com desenvoltura e respostas repletas de conteúdo. A não ser quando perguntavam se é verdade que muitas vezes os personagens ganham vida e começam a pedir aos autores para que sigam certos rumos no texto.

Sempre que perguntavam isso, ele apenas respirava fundo e dizia que sim, é verdade. Mas pedia para que mudassem de assunto, tentando disfarçar o ar culpado.

13 leitores:

K.P. disse...

Medo de quase o personagem pular da tela do note aqui de tão real...

Sil disse...

Uau! Adorei o desfecho. E não sei porque este autor me lembra alguém que eu conheço ;P

Carol Rodrigues disse...

SENSACIONAL!!!

IsabelVeronica disse...

Fantástico!
Dei muita risada, viu.

Foi para o primeiro lugar da minha lista das melhores crônicas do #24Horas24Cronicas

Fagner Franco disse...

Muito bom. Engraçado, sinistro, criativo pra chuchu. Puta criatividade. Parabéns. Relerei e lerei os outros quando voltar ao computador. Boa sorte aí. Aliás, tu num vai ler os comentarios, né? Então, parabéns por ter aguentado o tranco. Foda.
Abraço.

Camila disse...

Rob, incrível, ficou do jeitinho que eu imaginei, mas é claro que vc deixou muito melhor! :)

Anônimo disse...

Cara, deixe de veadagem e ESCREVA UM ROMANCE. Vou ser a primeira da fila pra comprar.Sério.


Agora vou ler as outras!

Patricia Koga disse...

Hahahaha, adorei!

Varotto disse...

"MATA ESSA PIRANHA! PUXE A FACA E MATA ESSA PIRANHA!"

Sensacional!

Cara, você vai ter sonhos muito perturbadores depois que essa maratona acabar.

Natalia Máximo disse...

Frases como "- MATA ESSA PIRANHA! PUXE A FACA E MATA ESSA PIRANHA!" mudam tudo - pra melhor, é claro!

Brunín Assis disse...

Pense na luz do Sol refletindo na lâmina. Mantenha seu foco nisso!

Precisa de mais? Precisa...

- MATA ESSA PIRANHA! PUXE A FACA E MATA ESSA PIRANHA

Achei esse o segundo melhor até agora do #24horas24cronicas =]

Marina disse...

Sabia que esse seria ótimo. Hahaha!

Unknown disse...

hahaha
Tô lendo dos últimos pro primeiro e, por ora, esse é meu favorito!

 

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