Louco de Amor

Sentado na cama, encolhido e com as costas pressionando a parede, observava o porta-retratos que segurava nas mãos com cuidado, feito um tesouro precioso. E deslizou os dedos pela fotografia, desenhando com cuidado o contorno de seu rosto. Acariciou os cabelos do retrato, contornou os lábios que sorriam para ele num dia de Sol, que poderia ter sido séculos atrás. E brincou com a cor clara de sua pele, que combinava com a roupa que ele mesmo estava usando, naquele pequeno quarto com pouca mobília.

Permaneceu em silêncio por alguns instantes, devorando o retrato com os olhos. Logo, apertou o porta-retratos com os dedos, com força, como se quisesse mergulhar dentro da fotografia. E chorou baixinho, chorou de tristeza por não estar naquele tempo, chorou de saudade por não estar com ela, chorou de raiva por estar preso fora do retrato. Mas logo se acalmou, pois soube que o simples fato de estar com o retrato dela e amá-lo desta forma faria com que estivessem juntos em breve.

E jurou isso para ela, baixinho. Jurou que logo estariam juntos, que este pesadelo logo acabaria, que enfim tudo estaria resolvido. Rosnou baixinho que em breve se reencontrariam e nunca mais iriam se separar, que seriam felizes por dia meses anos décadas e séculos. Ganiu de saudade, tomando cuidado para ninguém ouvir, e implorou por amor eterno.

eu cuido de você e você cuida de mim eu não deixarei faltar nada para você você não deixará faltar amor para mim eu vou te dar o céu o mundo o mar as estrelas o sol e a lua e todos os planeta e construir um planeta inteiro para você ser rainha e princesa e deusa e eu vou adorar você e em breve todo mundo vai entender e me desculpe e eu te desculpo não consigo pensar direito sempre que eu olhos seu sorriso nessa foto e me dá vontade de abraçar você e pedir para você sorrir para sempre vamos sair e caminhar de mãos dadas nos protegendo e nos guiando e eu juro que vai tudo ficar bem e vai ficar bem para sempre e eu prometo que logo vou sair daqui e vou atrás de você e tudo vai ser acertar e nós vamos fugir para um lugar onde ninguém nunca saiba de nós e que seja cheio de cores porque eu odeio branco e as pessoas de branco e a única coisa branca serão os nossos lençóis e que seja um mundo só nosso sem pessoa de branco mas sim um mundo com todas as outras cores que existem somente os lençóis serão brancos e eu odeio e o branco eu não quero e vamos viver escondidos do resto do planeta somente eu e você no meio dos lençóis brancos e você vai continuar sorrindo e feliz para sempre da mesma forma que você estava sorrindo e feliz para sempre nesta fotografia toda colorida sem pessoas de branco para sempre porque eu e você sempre fomos para sempre e eu deveria estar nesta fotografia com você preso dentro deste retrato com você porque você está mais bonita demais nesta foto para ficar tanto tempo sozinha e eu quero

Calou-se assustado ao ouvir o barulho de chaves na porta. Rapidamente, escondeu o porta-retratos sob o colchão, pedindo para a fotografia não parar de sorrir até ele voltar, e observou a porta se abrindo.

Levantou-se apressado. Era hora do remédio. Saiu do quarto escoltado pelos enfermeiros, olhando discretamente para trás, para ver se o retrato dela estava bem escondido, se ninguém iria encontrá-lo, porque era esta fotografia que a mantinha viva dentro dele, e fazer com que ela vivesse dentro dele alma fazia com quem ele sobrevivesse. Dia após dia.

Sorriu baixinho ao ver que sua preciosidade estava bem escondida. Havia enganado a todos mais uma vez. Pois o porta-retratos estava seguro e aninhado sob o colchão, como sempre esteve. Amassado em um dos cantos, ainda com a etiqueta do preço.

E sem fotografia, porque nunca houve fotografia alguma.

Nunca houve pessoa alguma.