Domingo de manhã. Enquanto a mulher faz almoço na cozinha, o pai está na sala folheando o jornal em uma poltrona, de costas para a varanda. É sua cadeira preferida, por causa da claridade. No sofá ao lado dele, o filho, meio sentado meio deitado no sofá, muda os canais da TV com o controle remoto. Parece impaciente. Até que uma hora larga o aparelho no sofá, deixando a imagem num noticiário esportivo.
– Pai?
– Oi.
– Quando eu vou virar adulto? Assim, adulto. Adulto de verdade.
– Como assim?
– Adulto. Como você.
– Como eu?
– Sim.
– Não sei... Na hora certa, acho.
– Promete?
– Mas por que você está falando isso agora?
– Ah, pai...
– Fale.
– Não sei... Só acho que quando eu for adulto as coisas devem ser mais fáceis.
– Por que você acha isso?
– Ah... Não sei... Eu sempre ouvi você reclamando dos problemas, mas você resolve todos. E deve ser muito bom ser assim.
– Eu resolvia todos? Não, nem todos.
– Não?
– Não... Eu resolvi apenas os que você ficou sabendo. Eu e sua mãe não deixamos você saber mais da metade dos problemas. E muitos deles eu não resolvi. Muitos deles ficam escondidos no meu quarto. Só eu e sua mãe mexemos nisso.
– Como assim?
– Ah... Você aprende a deixar algumas coisas de lado. Você aprende a se adaptar. E aprende que tem algumas coisas que simplesmente não tem solução. Eu e sua mãe aprendemos isso. Ou, ao menos, tentamos aprender.
– Mas e aí? Você não faz nada?
– Se não tem solução...
– Mas isso não é fugir, pai?
– Mas por que isso agora? Querer virar adulto?
– Ah... Não sei... Você resolve todos os problemas. E eu às vezes não consigo fazer nada. Então eu queria virar adulto logo.
– Filho...
– Oi.
– Você não resolve os problemas por ser adulto. Você resolve os problemas por ser uma boa pessoa. Vem cá. Senta direito aqui do meu lado.
– Diz.
– Aprende isso... Aprende e não esquece. Se você for uma boa pessoa, você vai conseguir resolver os problemas, independente da idade que você tiver. A idade dá apenas a experiência, a sabedoria. Você já tem sua sabedoria, mas ela ainda vai aumentar. Mas você resolve os problemas mesmo sendo uma boa pessoa. E isso você é.
– Como você sabe? E se eu não for uma boa pessoa?
– Você é meu filho. Eu sei que você é. Mas, olhe... Você resolve os problemas sendo uma boa pessoa. Mas isso tem um preço. É isso que eu não quero que você esqueça.
– Que preço?
– As pessoas boas sofrem mais com os problemas. Elas sentem mais. É isso que você não pode esquecer. Pessoas boas se importam mais com os outros, com a vida que levam... Elas sofrem mais por isso, mas é isso que faz elas não resolverem os problemas. Elas não desistem.
– E as más?
– Não sei se existem pessoas más. É complicado isso, filho... Eu podia falar que você é muito novo para entender isso, mas não é verdade. Eu mesmo nunca entendi. Mas não acho que existam pessoas más, apenas pessoas que não são boas. Ou não são boas naquele momento.
– E elas não resolvem nada? Então se eu não resolver nada, eu serei uma pessoa má?
– Não, não é isso, filho. Elas apenas não tentam. Elas não se importam. Essa é a diferença. Você pode ser uma pessoa boa e não conseguir resolver um problema. Mas você tentou. Isso faz a diferença.
– Mas se a pessoa má não se importa com o problema, tanto faz se ela resolve o problema ou não, certo? Não é mais fácil?
O pai apenas sorriu.
– Não é, filho. Confie em mim, pode parecer mais fácil, mas não é. Como eu disse, tentar faz a diferença. Não resolver.
Antes que o filho respondesse, um menino de quatro ou cinco anos saiu da cozinha e atravessou a sala em direção à poltrona. Parou ao lado do homem com o jornal no colo e disse:
– Vô, minha mãe e a vovó estão terminando o almoço, e querem saber se você pode ir até a padaria.
O velho largou o jornal de lado e levantou-se. Colocou a carteira no bolso, olhou para baixo e passou a mão na cabeça do garoto.
– Quer ir com o vovô?
O menino olhou para o lado, em direção ao homem sentado no sofá.
– Pai, eu posso ir com o vovô? Até a padaria?
O homem levantou-se antes de responder.
– Pode. Eu vou também. Vamos nós três.
E, a caminho do elevador, o homem escondendo os cabelos prateados com seu velho boné segurou o filho pelo braço.
– Você já é adulto, você sabe disso. Eu sei que às vezes a vida parece ser difícil demais, mas não se esqueça de que a minha também era. Mas você já é um homem. Um homem adulto.
– E eu, vô? Eu sou adulto também?
O velho olhou para baixo e sorriu para o menino, daquele jeito que somente os avôs sabem sorrir.
– Não, você ainda não é adulto. Seu pai é, mas você ainda não.
O menino olhou para baixo, desapontado.
– Mas você ainda tem tempo, completou o avô.
E passando a mão nos cabelos do menino, fechou a porta do elevador.
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3 leitores:
"Eu sei que às vezes a vida parece ser difícil demais, mas não se esqueça de que a minha também era."
E sempre é, não é?
Não importa a idade, as dificuldades sempre existem, e os problemas são sempre enormes. E é sempre difícil resolver tudo e muitas vezes nos conformamos com o que não pode ser resolvido. Aposto que até o menino de cinco anos tem grandes problemas que não sabe como resolver. Concordo com o Pai: Tentar, é isso que faz toda a diferença.
Lindo texto, Rob.
Acho que nunca vou ser adulta.
Vou variar um pouco e não comentar o conteúdo, mas a forma.
Alguns podem até dizer que isso é clichê, mas acho legal, dentro do seu talento para a escrita, que todos nós já conhecemos, essa habilidade meio "sexto sentido" (aquele do "I see dead people").
Quando chegamos ao final, nos surpreendemos com o fato do filho, que o texto nos iduzia a pensar ser uma criança, ser um adulto. Aí pensamos: "ah! o cara escreveu lá atrás que era um menino". Então voltamos o texto todo procurando essa falha, para notar que ele sempre é chamado de filho, não de menino, ou criança. E, o tempo todo, foi o texto nos enganando.
Muito bom...
P.S.: Vou abrir um curso chamado "Como escrever um parágrafo enorme para dizer o que podia ter sido dito em duas linhas".
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