7 de março de 2011

Carta Aberta

Quantas vezes você pensou em mim nos últimos tempos?

Poucas?

Muitas?

Não importa. Porque eu sei que sempre que você pensou em mim – ou, ao menos, na maioria das vezes – você me culpou por tudo. Ou me culpou ou, ao menos, questionou porque eu sou assim e quais os motivos que fazem com que eu aja desta forma com você.

Eu já vi você fazendo isso antes. Várias vezes. Eu observo o tempo inteiro, mesmo sem você saber disso. Eu sei como você age. Quer uma prova? Você senta-se a um canto e fica quieto durante um tempo, pensando qual o propósito de tudo, tentando entender onde você errou, e se esforçando para descobrir onde eu vou estar – não, melhor: onde nós vamos estar – em uma semana, em seis meses, em dez anos.

Às vezes, cansado de procurar por respostas, você se deita um pouco e tenta dormir para não pensar mais. Eu vejo tudo isso. Eu sei até a posição em que você se deita, e conheço de cor os últimos pensamentos que passam pela sua cabeça antes de você adormecer.

Caso sirva de consolo, saiba que você não é o único. Todos aqueles que eu tive – ou que me tiveram – passaram por isso, em maior ou menor intensidade, dependendo do momento. E, assim como você, todos eles me culpam por algo. Ou por tudo. Falam que eu não presto. Reclamam que eu sou dura demais, que eu sou injusta.

Bem, deixe-me dizer algo: eu nunca disse que seria justa. Você acreditou nisso unicamente por que quis acreditar. Você fabricou esta idéia e se agarrou a ela como um náufrago, esperando ansiosamente ser recompensado pela sua forma de agir. Para você, é muito mais confortável acreditar que suas atitudes – sejam elas feitas com amor ou com esmero – lhe renderão frutos. Bom, desculpe, mas nem sempre elas renderão. Aliás, quase nunca elas renderão algo.

E eu não minto quando digo que não sou justa. Nunca fui. E eu nunca vou ser. Posso pegar a coisa mais preciosa que existe no seu mundo e subvertê-la da forma que desejar. Posso escolher algo que você passou anos (às vezes, décadas) construindo, e implodir tudo com um sopro. Ou posso apenas manter ao seu lado, algo que lhe faz mal, durante o tempo que eu quiser, observando enquanto você tenta conviver com isso.

Quer mais? Posso pegar sua maior qualidade e transformá-la em algo que afasta as pessoas de você. Posso pegar meses de trabalho e fazer com que seja algo sem valor, sem reconhecimento algum. Posso pegar seu maior sonho e amassá-lo como uma bola de papel, porque – e vou ser sincera – este é justamente o valor que seu sonho tem para mim.

E me divirto observando você começar tudo de novo. Até, claro, o momento em que decido ir embora.

E quando você desiste? Porque eu sei que existem horas nas quais você se cansa, joga tudo para o alto e desiste. Já vi isso acontecer antes, com mais pessoas do que você imagina. Com pessoas mais fortes que você, na verdade. Francamente? Eu tampouco me importo com isso. Talvez você acredite que seja um nome, uma pessoa. Para mim, você é um número. Nada além disso.

E se você acha que eu faço isso por diversão, esqueça. Aliás, chegamos onde eu queria.

Eu aconselho você a parar de procurar entender os motivos da minha forma de agir, por dois motivos. Primeiro: quaisquer motivos que eu tivesse estariam além da sua compreensão. Segundo e mais importante, eu não possuo razões. Eu apenas faço. Escolha o nome que quiser: destino, acaso, azar, fado. Não me importo muito com o nome que você escolher – e confesso que às vezes me divirto assistindo você e todos os outros tentando me explicar, tentando achar um padrão nas minhas atitudes, tentando entender a melhor forma de lidar comigo.

Caso eu ainda não tenha sido clara: eu não sigo padrões. Posso me apaixonar por algo que não possui o menor valor para você e enfiá-lo na sua rotina, como posso pegar seu bem mais precioso e reduzi-lo a nada. Já fiz ouro virar estrume; amor se tornar ódio; vitórias se solidificarem em derrotas eternas, daquelas que não deixam cicatriz, mas mutilam a alma. E saiba que eu já mutilei muita gente. E eu não mutilei você ainda porque não desejei. Ou talvez eu tenha mutilado, mas você ainda não percebeu.

Assim, pode me xingar. Sinta-se à vontade para reclamar e espernear o quanto quiser. Reclame de mim com seus amigos no bar e pronuncie meu nome, com raiva, sozinho em casa. Você e todos os outros acabam fazendo isso, mais cedo ou mais tarde. Mas eu não me ofendo. Eu nunca me ofendo. Eu não me importo.

Por outro lado, aqueles momentos em que você está tranqüilo... Sabe? Quando você se sente como se tivesse controle sobre tudo, como se nosso relacionamento estivesse nos eixos? Nestes momentos, é engraçado... Você se recusa a me parabenizar. E eu já vi você vivendo estes curtos espaços de tempo nos quais as coisas parecem estar certas. Já vi fotografias suas mostrando isso.

E pouco me importa se elas têm duas semanas ou duas décadas. Meu ponto é: esses momentos existiram.

Mas, não... Não se sinta mal por não ter se lembrado de mim nestes pequenos minutos. Isso não necessariamente tem relação alguma com as coisas pelas quais você me culpa. Aliás, esses pequenos momentos podem ser apenas ocasiões em que eu não estava olhando por me distrair com alguma outra coisa. Ou estes momentos são sim fruto do seu esforço. Quem sabe?

Acredite naquilo que quiser.

Acredite em nada, se quiser.

O que eu preciso é que você entenda. Aliás, “preciso” é uma forma exagerada de dizer as coisas. Eu não “preciso” de nada, eu apenas estou dando um conselho, que é mais do que você pode esperar de mim. Você sabe que uma hora eu vou embora. Você sempre soube disso, desde que nos conhecemos. Pode ser amanhã, pode ser daqui a décadas e décadas. Em algum momento, eu vou me cansar de você e, no instante seguinte, depois terei novos filhos, outros amantes, e – desculpe ser direta assim – eu não me lembrarei mais de você.

A areia está caindo, os ponteiros estão virando. Logo o Sol sumirá no horizonte.

Pare de perder tempo tentando me entender. Chega quase a ser arrogante da sua parte: você mal consegue se entender, não sabe direito o que quer (nem de você, nem de mim) e ainda ousa tentar me compreender? Tente, se quiser. Mas eu não aconselho. Ou, claro, desista, e assuma de uma vez por todas que eu não sou boa. Faça como quiser.

A escolha é sua. Mas saiba que escolha alguma irá alterar as coisas.

Em suma: faça o que quiser de mim. Eu sou sua.

Apenas não se esqueça de que, no final, eu sempre venço.


Cordialmente,

Vida.




Transcrição de uma carta sem destinatário,
encontrada na rua de uma grande cidade.

O local e data estavam em branco.

5 leitores:

Isobel disse...

fiquei tentando decifrar, pensei em Deus, pensei em Morte, menos na vida ;/

Ana Savini disse...

quem disse que seria justo?

Nicole disse...

Vida, you selfish bitch!

Mari Hauer disse...

Um dos meus textos seus (ou seus textos meus?) preferidos!
Pensei na minha vida, pensei em mim conversando comigo mesma, tão real, tão crua...
Apesar que às vezes eu tenho conversas com a minha vida mais leves, como quem bebe uma cervejinha num fim de tarde quente e ri da brevidade das coisas...
Lindo, lindo! Mal dá pra comentar o texto...

Varotto disse...

Eu já tinha sacado que era a vida desde o início!

P.S.: não seria "fardo", em vez de fado?

 

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