10 de novembro de 2010

Fogo e Gelo

De repente, o mundo se acalmou.

O vento gelado bateu em sua face, soprando o cheiro de morte. Ao longe, os últimos sons de metal chocando-se com metal e gemidos moribundos. Com a respiração ainda ofegante, olhou ao redor.

A planície estava coberta de corpos, que, caídos, ocupavam o lugar do que, poucas horas antes, fora um extenso gramado. Centenas de corpos, alguns já sem vida, outros agonizantes. Reconheceu um ou outro rosto, mas dirigiu atenção especial a nenhum deles.

Eram corpos. Eram nada.

Olhou para seu machado, ainda afiado, manchado de sangue. Quantas vidas aquele pedaço de metal havia terminado? Quantas famílias desmembradas, quantos casais desfeitos, quantos sonhos rompidos na carne? Maldito machado. Maldita guerra.

Com os olhos fechados, lembrou de flashes rápidos. Era tudo do que se lembraria. Era tudo o que ele sempre lembrava. Não havia tempo para pensar no que fazer, apenas para fazer. Ou fariam com ele. Lembrou-se de cortar o braço de um arqueiro, de decapitar um soldado que, brandido a espada, correu em sua direção.

E, claro, lembrou-se do menino. Doze anos, talvez treze. Não mais que isso. Tentou surpreendê-lo por trás, mas não foi rápido nem silencioso o suficiente, e teve o crânio rachado. Morreu antes mesmo de chegar ao chão, atingindo o solo de forma desajeitada, feito bêbado.

Não era o primeiro menino que matara, não seria o último. Outros viriam. Outros sempre viriam. Até o dia em que ele não seria rápido. Até o dia que fosse a vez dele cair.

Seus pensamentos foram interrompidos com os gritos. Seus homens, sujos de sangue e lama, celebravam a vitória. Celebrando seu nome. E gritavam olhando-o com admiração, mostrando que o seguiriam até os portões do inferno, se ele os convocasse.

Era um bom líder. Justo, fazia o que era preciso para defender seu povo, para defender sua terra. Havia participado de diversas batalhas, desde menino, perdendo algumas, vencendo outras. Sua história era narrada por meio de ferimentos e cicatrizes.

Mas ainda estava de pé.

Olhou para o céu acinzentado e fúnebre.

Compreendeu que por ter nascido próximo a um campo de batalha, morreria, amanhã ou depois, dentro de outro. Sangraria no gramado ou pintando de vermelho a neve branca, até a vida se esvair de seu corpo, tombando esquecido. Abandonado. Em vão. Tudo o que havia feito morreria com ele, mostrando-se sem propósito algum.

Sempre acreditou que passara a vida guerreando em busca de conquistar a paz, e finalmente compreendeu que isso jamais aconteceria. Quando derrotasse um inimigo, outro surgiria. E outro. E mais outro. Até o dia em que, cansado, caísse de joelhos.

Venceria muitas batalhas, mas compreendeu, finalmente, que jamais entenderia qual era a verdadeira guerra. E, ao perceber que cada uma das inúmeras batalhas que travou foi em vão, que nunca nada mudaria, sentiu-se em paz pela primeira vez. Contudo, uma paz amarga, diferente da doce e sensual que ele passara anos imaginando, por ter compreendido que não existiria nada além da guerra.

Naquela noite, seus homens celebraram a vitória. Vinho, músicas, mulheres. Ele não. Despediu-se e entrou em sua tenda, ainda vistoso. Ainda líder. Mas, ali dentro, sozinho, deixou de ser guerreiro e permitiu-se chorar, durante horas, feito um homem qualquer.

No dia seguinte, logo ao nascer do Sol, outra batalha. Suas vitórias de nada valiam, e não tinham propósito algum que o deixar mais e mais longe do lar. Quanto mais defendia sua terra, mais se afastava dela.

No dia seguinte, mais sangue, novos corpos. Nunca existiria nada além disso.

3 leitores:

Letícia disse...

É esse sentimento que eu acredito que as pessoas que morrem sentem. Morrer, na minha opnião, é deixar de acreditar em tudo o que faz sentido para voce, morre-se diversa vezes nessa vida.
E depois as pessoas negam a relação da ética com a estética.

Um abraço

Hydrachan disse...

Lindo, Rob. E mais real do que a gente pensa.
Será que não é assim que os soldados, hoje em dia, se sentem quando olham para suas armas e pensam nas milhares de vidas que elas tiraram?
Nenhuma guerra faz sentido... Nenhuma!

Bjs!

Ana Savini disse...

Na minha visão um guerreiro, um líder, nunca iria chorar, mesmo que sozinho e sofrendo muita pressão.
Ele é treinado para isso. Está incrustado nele. Se ele sucumbir todos que estão ali e que dependem de sua força e liderança também vão. Uma vez que se deixe levar pela emoção, isso o tornará mais fraco.

Só o meu olhar sobre isso... O texto é ótimo. =)

 

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