21 de setembro de 2010

Cinza

Acordou com saudade.

Não sabia ao certo do que ou de quem. Apenas com saudade. Passou o resto da manhã vagando com aquela sensação de vazio no peito, como se algo estivesse fora de lugar.

Pensou sobre isso, mas não encontrou resposta. Vasculhou a memória. Percorreu o passado, olhando pessoas, vivenciando situações, visitando locais, ouvindo músicas. Nada. Nada fazia a saudade aumentar, nada fazia a dor diminuir. Almoçou com um gosto amargo na boca, tentando tapar o vazio com a comida, mas foi em vão. A saudade continuava, mas não falava com ele, não dava explicações. Passou a tarde toda deitado no sofá, com a cara enfiada na almofada, tentando não senti-la mais. Ela não doía a ponto de fazê-lo gemer, mas incomodava.

E, logo antes de anoitecer, foi até a janela e, em pé ali, observando a garoa no fim de tarde acinzentado. E entendeu tudo.

Sentia saudade do que não havia acontecido. Sentia saudade dos sonhos que ficaram pelo caminho, sentia saudade de tantos planos que fez sorrindo, mais jovem, e que tomaram caminhos diferentes do seu. Sentia saudade de ter opções pela frente, sentia saudade de encruzilhadas, de poder escolher. Sentia saudade de ter tempo de sobra, das paixões que descobriria, das conquistas que tinha certeza de que viriam. E não vieram.

Sentia saudade de ter saído de casa no meio da madrugada e debaixo de uma tempestade, para se entregar a alguém que nunca tinha conhecido. Sentia saudade de ter viajado, cuidado e amparado alguém que ele nunca soube como era o nome. Sentia saudade de fazer amor desesperado no chão do quarto depois de uma briga. Sentia saudade de ser admirado, protegido e abraçado por alguém que nunca viu o rosto. Sentia saudade de ter histórias para contar sobre ela, de saber que dia ela iria ao dentista e torcer para ela arrumar um emprego melhor. Sentia saudade de ter a certeza de que essa pessoa aparecia na sua vida, um dia, na fila do cinema, na casa de um amigo, na porta da faculdade. Sentia saudade de esperar por ela.

Sentia saudade do futuro que nunca se tornou passado.

Mais que tudo, sentia saudade de si mesmo. Saudade do que poderia ter sido com ela, saudade da pessoa que teria se tornado. Saudade do amante que seria, do marido exemplar, do pai dedicado. Saudade de envelhecer junto, saudade de escapar de crises, de driblar a falta de dinheiro, saudade de dormir abraçado nas noites frias e de deixá-la puxar a maior parte da coberta para si. Sentia saudade de esperar pelo dia em que sentiria saudade dela.

Sentia saudade de tudo.

E, sozinho, apagou a luz e foi para o quarto, deitando sob o som da chuva que apertava. Instintivamente, procurou pelo calor do corpo dela ao seu lado, mas sentiu apenas o lençol frio e tentou não pensar sobre isso. Com os olhos fechados, tentou imaginar onde havia errado, onde deixou de acreditar, em qual momento sua certeza se perdera. Antes de encontrar a resposta, lembrou-se de que ela não estaria ali para conversar sobre o assunto. E, sentindo saudade dela e de si próprio, permaneceu em silêncio.

Dormiu com saudade.


12 leitores:

friedriksen disse...

Caramba, deve ser muito horrível se sentir assim. Apesar que as vezes, mesmo estando acompanhados, sentimos um vazio meio que inexplicável.Quando a saudade aperta, não há meios de faze-la afrouxar...é simplesmente chorar, deitar e esperar passar.

Varotto disse...

Vazio...

Lara disse...

saudade é o tema mais bonito e mais dolorido de ler. essa saudade do que passou e não aconteceu é a que mais aperta o peito. e pareciam as minhas palavras no texto, só que de um jeito mais bonito. entendo dessa dor.

Alexandre Quegi disse...

jovem e com opções pela frente, não consigo deixar de ter medo de que esse seja meu futuro.

Fábio Megale disse...

Muito foda.

Saudade é um negócio que dói. E costuma doer pra valer.

(PS: O layout novo ficou legal, mas sinto saudades do antigo xp)

Marina disse...

Saudade de futuro. É uma coisa estranha, mas às vezes tenho isso. Sou a pessoa mais saudosista que eu conheço.

Anônimo disse...

Dormiu com saudade.
Conseguimos dormir quando ela se distrai...ou se cansa de nos exaurir...
lindo texto.

Varotto disse...

Cara nova!

Saudade das mudanças?

Alessandra Costa disse...

"Sentia saudade do futuro que nunca se tornou passado."
Essa frase diz muito.

Anônimo disse...

vazio (2)

Jullia A. disse...

ROb, esse texto me desperta um sentimento que se descreve assim:
Sabe plastico pvc que mae cobre salada?
Entao, pegue o plastico, passe uma camada em uma chapa metalica e esquente.
o plastico encolhe, de uma forma que parece apertar o metal.
'e essa sensacao, mas no peito.

ha um tempo atras, escrevi no meu blog:

Chorou de saudade do que não tinha sido, de saudade do que podia ser. Chorou pelas boas memórias que não existiam, pelos bons momentos que não tiveram. Lembrou de abraços que não foram dados, de histórias que não foram contadas, de confissões que não foram ouvidas. Chorou.

Acho que o conceito 'e o mesmo. Mas dessa vez, com palavras melhor colocadas. 'E o tipo de texto que eu queria ter escrito. (:

Feu disse...

Ai, que aperto no coração esse texto me deu

 

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