27 de agosto de 2010

Aconteceu naquela Noite

Esbarraram-se por acaso, como acontece nas grandes cidades.

Foi numa livraria. Ele estava procurando livros de arquitetura, e ela de poesia. E se encontraram perto da seção de literatura brasileira. Ele estava de passagem pelo corredor; ela aproveitando que estava ali, comprando o presente para a irmã, que faria aniversário dois dias depois.

Reconheceram-se na mesma hora, mas não conseguiram evitar a surpresa.
Haviam namorado coisa de quinze anos atrás. E, quando acabou, cada um seguiu seu caminho. Não houve mágoa, não houve dor. Apenas algumas lágrimas pela constatação de que tinham caminhos diferentes pela frente.

O olhar de ambos era o mesmo. O tempo havia desenhado algumas linhas ao redor dos olhos dos dois – nele, elas eram visíveis o tempo todo; nela, somente quando sorria – mas o olhar era o mesmo. E, com esse olhar, sentaram-se para tomar um café e colocar os assuntos em dia.

Ela estava com trinta e cinco anos. Seu filho nasceu pouco antes do divórcio. Mudou de área e montou seu próprio negócio. Estava feliz. Talvez feliz pela primeira vez após a separação, mas não contou isso a ele. Havia descoberto o prazer de ficar sozinha.

– Mais um café?

– Mais um café.

Ele, por sua vez, continuava trabalhando como arquiteto. Com quarenta anos, ainda era solteiro. Tivera outras namoradas e algumas amantes depois dela, mas nunca se casou – e não sabia explicar o motivo disso. Apenas não havia se casado e pronto.

Compararam as famílias e os amigos: quem havia se casado ou separado, quem havia morrido ou nascido. E tomaram outro café, enquanto começava a chover do lado de fora. E a chuva trouxe as lembranças do namoro: como haviam se conhecido, aquela noite na casa do pai dela, a famosa briga no aniversário da Soninha (“não, foi no aniversário da irmã dela, tenho certeza.”) e o primeiro final de semana em que haviam viajado juntos.

Mas não tocaram nos planos que haviam feito sobre casamento e filhos. Não fazia sentido trazer isso para o café. Da mesma forma que não faria sentido algum entrelaçar os dedos.

Mas estavam de mãos dadas.

E, quando perceberam isso, ele sorriu e ela abaixou os olhos.

Minutos depois, estavam no apartamento dela. Os brinquedos do filho dela – que viajava com o pai – espalhados pela sala. Beijaram-se antes do segundo copo, logo depois de um trovão. E, mesmo com ambos sabendo que isso aconteceria desde o “quer ver onde eu moro?”, não conseguiram disfarçar a surpresa.

Mesmo porque não houve tempo para disfarçar nada. Roupas começaram a cair no chão da sala, sobre os brinquedos, conforme a chuva apertava.

Nenhum dos dois lembra como chegaram ao quarto. Perceberam isso apenas quando estavam na cama, se beijando com a mesma fúria de anos atrás. E, entre mãos e gemidos, entre beijos e sussurros, bem no meio de um abraço sufocante, ele, que havia se deitado em tantas camas, que havia feito tantos olhares brilharem, parou de pensar, pela primeira vez em anos.

E, assim, sem pensar, pediu no ouvido dela:

– Me salva.

E ela sorriu.

Amaram-se a madrugada inteira, até a exaustão. A chuva continuava quando ela pegou no sono, com a cabeça no peito dele. Ele se virou de lado, gentilmente, e a abraçou, deixando seu corpo enroscado no dela.

Com os olhos abertos e ouvindo o barulho da chuva mesclando-se com a respiração dela, ficou deitado de olhos abertos. Jurou para si mesmo que não iria dormir. Sabia que se cochilasse o encanto se quebraria, e acordaria, horas depois, com quarenta anos de idade novamente. Mas, naquele momento, ainda era um menino de vinte e poucos anos, sem muitas derrotas na vida, sem tantas cicatrizes e com um mundo de sonhos e possibilidade à sua frente.

E, baixinho, jurou que faria aquele momento durar o maior tempo possível.

– Obrigado, disse baixinho, passando a mão nos cabelos dela.

Estava salvo. Ao menos, por enquanto.

7 leitores:

Mari Hauer disse...

Reviver amores é uma das coisas mais gostosas do mundo!

Reencontros inesperados nos fazem lembrar que nunca foi assim tão ruim, que o motivo para terminar talvez não fosse tão grande, que tbm temos lá nossa parcela de culpa...

Depois que as cicatrizes já fecharam, que a dor já passou, que percebemos que a vida pode continuar e que não morremos de amor, há espaço para reencontros.

O texto é lindo e suspirei aliviada qdo percebi que acabava por ali... Antes deles viverem juntos por um tempo e relembrarem o motivo pelo qual o encanto acabou da primeira vez!

Varotto disse...

Puro Gordon...

disse...

Absurdamente lindo!

Jullia A. disse...

'e bonito. Bem bonito.

MarianaMSDias disse...

É engraçado perceber o caminho que a vida traça. Mas a verdade é que nós só percebemos isso quando somos mais velhos, quando temos o que olhar para trás.

Outro dia me perguntaram do que eu me arrependia. E respondi: de nada.

Não me arrependo de nada, porque cada passo me trouxe até aqui. Cada riso, cada lágrima, cada tombo, cada vitória. A gente escolhe os caminhos de acordo com a capacidade e o conhecimento que a gente tem ali, naquela encruzilhada, naquele momento. Lógico que anos depois, é muito fácil olhar para aquele momento e pensar: HOJE eu faria diferente... Faríamos, sim, porque SOMOS diferentes.

Amar o que deixamos para trás, assim como aquilo que está porvir, é das pessoas que sabem viver.

Não se revive o que passou. Constroem-se novas histórias, novos roteiros, com novas pessoas. Porque hoje, já não somos os mesmos de ontem. Mudamos todos os dias, crescemos, sofremos, aprendemos. A pessoa com quem somos casados hoje já não é a mesma de 15 anos atrás. A sua namorada de hoje, não é a mesma de 5 anos atrás.

O texto é lindo, Rob, e como a Mari disse, só é lindo porque acabou ali, naquela noite. Assim como Romeu e Julieta viveram um amor eterno, porque morreram! (tivessem vivido mais e perceberiam que a família torna a vida um inferno, hahahaha)

Não, voltando, hehehe, ...porque acabou naquela noite, porque foi naquele momento que puderam reviver, novos, o que tinham há 15 anos. No dia seguinte, poderia ser até melhor, eles poderiam seguir como as novas pessoas que eram, mas não mais naquela lembrança que nos carrega a um tempo que não volta mais, que nos torna jovens por horas, que nos revive em segundos...

Lindo texto!

Otavio Oliveira disse...

um dos melhores, seu maldito.

Ana disse...

Às vezes é o passado que salva...! Lindo!

 

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