4 de maio de 2010

Pontuação

se encontraram dez anos depois e ele não sabia como contar para ela que havia esperado cada segundo de cada minuto de cada hora de cada dia destes dez anos para reencontrá-la e ela não fazia idéia de como admitir para ele e para si própria que sentira demais a falta dele e justamente por causa disso ou talvez por qualquer outro motivo que nem eles entendiam direito passaram os primeiros minutos deste reencontro dançando de rosto colado entre conversas descompromissadas recheadas de perguntas inocentes e disfarçadas em você está bem e quais são as novidades e o trabalho como está entre um copo e outro como dois adversários que se estudam rodeando um ao outro com olhares que escapavam e risadas que denunciavam que toda aquela cumplicidade ainda estava ali e descobriram se abraçando de forma proibida e por tanto tempo desejada e foi de repente no meio deste baile onde nenhum dos dois tinha coragem de dar o primeiro golpe apesar dos dedos que se entrelaçavam sorrateira e acidentalmente que um beijo com gosto de vinho tinto e nicotina explodiu numa explosão de cores e sensações e recordações e novidades ali no meio do sofá da sala e ele perdeu o controle e ela perdeu a graça mas se lembraram no mesmo instante de que ele era a graça dela e ela era o controle dele e se amaram desesperadamente ali mesmo gritando por cada dia de cada semana de cada mês de cada ano destes dez anos de saudade amarga que às vezes queimava e às vezes esfolava e e se amaram suspirando de amor contido e escondido e se amaram tremendo de tesão abafado e proibido e se amaram gemendo de incompreensão indignada pelo tempo que passaram longe e foi nesse momento que as dúvidas cheias de certeza de que se encontrariam novamente aflorararam e que as certezas cheias de dúvidas de que sempre pertenceram um ao outro desabrocharam e que decidiram com um simples olhar jurar em silêncio e e em segredo que dez anos não havia sido nada mas que nunca mais exisitiriam outros dez anos como esse

E foi ai que, após dez anos, ele conseguiu respirar novamente.

Seus pulmões se encheram de ar pela primeira vez e foi somente ali, exausto e ao lado dela,que ele conseguiu organizar sua vida da forma correta, com uma fonte em tamanho legível, parágrafos, pontos finais, vírgulas, maiúsculas e minúsculas. E, finalmente com calma, aprendeu que cada detalhe do corpo dela era exatamente como se lembrava e que não havia fantasiado nada. Cada gemido abafado e ofegante, cada beijo desesperado, cada grito incontido de prazer, guardado durante uma década, transbordou.

Mas, mais que tudo, descobriu que seus segredos, não os dele nem os dela, mas os seus segredos, eram os detalhes. Tudo o que sentiam era construído sobre os detalhes e eram os detalhes que adornavam tudo aquilo que sentiam. As pequenas cores, fragmentos de sons e e cheiros que teimavam em escapar se juntavam mostrando que eles sozinhos apenas estavam, mas que juntos eles eram.

Os modos como ela o olhava, o sorria, o respirava e o existia não apenas não haviam mudado, como se fortalecido, crescido e intensificado. E ele, sem escolha, beijou seu olhar, respirou seu sorriso, se afogou em seu ar e deixou de existir para existir somente nela, envolto em seu corpo, emaranhado em seus cabelos, ainda cacheados como ele lembrava.

E ficou em paz consigo mesmo pela primeira vez em dez anos.

E, depois de dez anos, ele sussurrou a palavra dentro da boca dela. Uma única palavra, que, para eles, significava mais que o mundo: significava eles. Nunca mais ousara chamar outra pessoa desta forma, nunca mais se deixara chamar desta maneira. E os dez anos desapareceram num beijo com os lábios ainda inchados, vermelhos e cansados de tanto esperar.

E pela primeira vez em dez anos voltaram a se tornar anjos.

Sentindo a perna dela quente e jogada sobre seu corpo, escondido em um cobertor de cabelos fechou os olhos, não para dormir, mas apenas para que nada o distraísse do som da respiração tranqüila e saciada dela.

Porque era dela a respiração que ele se lembrava todos os dias, era dela a respiração que ele ouvia ao seu lado na cama todas as noites, era dela a respiração que ele respirava em segredo todos os minutos.

Porque ela dela a respiração que o manteve vivo durante dez anos.

E, com os olhos cheios de lágrimas afagou seus cabelos e sorriu aliviado, satisfeito, amado como fora amado dez anos antes.

E pela primeira vez em dez anos, sentiu-se completo. Foi ali que percebeu que, somente ao lado dela, não apenas sua vida mas ele inteiro era escrito com uma fonte em tamanho legível, parágrafos, pontos finais, vírgulas, maiúsculas e minúsculas.

– Eu te amo.

Mas ela já dormia pesado. Pela primeira vez em dez anos.

16 leitores:

Tyler Bazz disse...

Nem me pegou esse texto, viu. Nem to tremendo aqui.

Pri disse...

Pra quem tá na fossa é horrivel, mas está lindo ao mesmo tempo!

disse...

Só dois detalhezinhos: na quarta linha de baixo para cima, corrigir Passarma por Passaram; em seguida, tirar o espaço em nun ca.
Fora isso, gostaria de fazer um pedido: sou professora de português e todos, todos os dias leio seus blogs (sim, os dois) e adoro cada linha que vc escreve. Posso usar seus textos com meus alunos?
Abraços!!
PS.: Fiquei lisonjeada por ter sido citada no seus post do Cham, sobre os novos seguidores!

Ana Savini disse...

Flashback feelings.

Rob Gordon disse...

Su

Obrigado pelos avisos, já corrigi tudo.

Fique à vontade para usar os textos, me sentiria honrado com isso. Se precisar de mais material ou de qualquer outra ajuda, escreva pra champ.vinyl.blog@gmail.com (o mail de contato do outro blog, está na barra superior)

Rob

Otavio Oliveira disse...

mea culpa:
se eu soubesse que era NESSE texto o comentario da tal professora que quer usar os seus textos, nem teria brincado.

pq tipo, pqp hem.

Ana disse...

Lindo!

Daqueles que a gente suspira no final e pensa:

"como queria uma história dessa pra mim..."

Fêmea disse...

O amor é extemporâneo. Pode ser eterno por apenas um segundo intenso de um encontro e efêmero ao longo de uma vida inteira.

disse...

Otavio, não se preocupa! Geralmente sou a primeira a brincar também =)

Ana disse...

Nunca consigo me decidir se estou triste ou feliz ou emocionada ou todas essas coisas depois de ler um texto desses.
Esse Rob, viu...

Lua Durand disse...

Eu estou parada, na frente da tela do computador, na verdade, paralisada.
Paralisada, depois de ler um texto desses.
Rob, é tão bonita a forma que tu fala de/do amor.
Nos detalhes.
No tempo.
No que fica, guardado.
E é massa a forma como tu expressa isso, através das palavras.
Caramba.
Texto forte, intenso, alegre, bonito.
[...]

Não para nunca de escrever, tá?

jrbocca disse...

muito bom...obrigado..
parabéns

Jullia A. disse...

'e engracado como a gente respira melhor quando o texto se desenvolve.
D'a uma pressao no peito ler na fonte pequena, sentindo o que ele sente.
Eu nao estou na minha melhor fase pra ler textos de amor.
Estou comecando a achar o amor injusto, se 'e que ele existe. As vezes a gente que inventa. Como eu disse, nao estou na minha melhor fase para ler sobre amor.

Tati Baccini disse...

é lindo! e me fez chorar...

Varotto disse...

Como é que um cara tão perturbado consegue escrever umas coisas tão legais assim?

Deixa prá lá, já me respondi...

Francine Ribeiro disse...

Envolvente o texto. Gostoso de ler, gostoso de sentir!
Parabéns!

 

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