17 de fevereiro de 2010

O Conto da Jóia do Sultão

Um dia, o sultão convocou uma camponesa ao seu palácio. A jovem, humilde, colocou sua roupa mais bonita, pintou o rosto e preparou-se para encontrar o nobre.

Ao adentrar no castelo, ficou impressionada com a grandeza do local, enfeitado por tapeçarias e com perfume de incenso no ar. Era um mundo totalmente novo para ela, que vivia numa pequena fazenda e cujo cheiro mais gostoso que conhecia era o de terra molhada.

Colocou-se de joelhos em frente ao trono, cercada por dois guardas. O sultão a cumprimentou:

– Levante-se.

A jovem colocou-se de pé, defronte a ele. O homem ergueu-se e aproximou-se. Olhou fixamente em seus olhos e perguntou:

– Qual seu nome?

A camponesa abriu os lábios, mas sua voz estava engasgada, não apenas pela opulência do lugar, mas também por estar na presença do rei. Mas, olhando nos olhos do monarca, percebeu apenas bondade neles – uma bondade e uma sinceridade que jamais havia visto nas ruas – e seu coração se acalmou.

Disse seu nome, e ele, como resposta, sinalizou para um dos guardas. O homem armado aproximou-se segurando cuidadosamente uma almofada rosa, que continha uma pequena pedra.

Era um rubi minúsculo que, apesar do seu tamanho diminuto, possuía um brilho incomum, que o deixava com a impressão de estar em chamas.

O sultão segurou a pedra entre seus dedos e a observou com cuidado, como se estudasse o que havia dentro dela. Permaneceu assim por alguns segundos e voltou-se para a jovem.

– Todos os anos, eu escolho uma pessoa do meu reino e a presenteio com uma pedra preciosa. É uma forma de agradecer a todos por vocês estarem ao meu lado. Este ano, eu escolhi você. E darei esta pedra a você.

– Mas porque logo eu, meu senhor? Sou apenas uma camponesa.

– Durante todas as estações do ano, meus espiões observam os meus súditos, e me apresentam aqueles que são os mais dignos. E, com as escolhas que eles me dão, eu aponto quem receberá a jóia. E é uma escolha que faço com o coração. Pois o homem que não usa o coração é o mais solitário entre todos.

– Sinto-me honrada, senhor.

– Assim, já há alguns anos, eu convoco um súdito aqui e o apresento as minhas jóias, deixando que ele escolha uma. Infelizmente, sobrou apenas esta, a menor de todas. As outras foram escolhidas nos anos anteriores. Restou apenas este pequeno rubi, com o qual lhe presenteio.

Entregou a pedra para a jovem, que o segurou com cuidado em suas mãos. O homem continuou:

– Mas há uma condição. Esta jóia não pode ser vendida ou doada. Precisará permanecer com você até o final dos seus dias, pois ela possui um valor maior que todos os outros rubis do reino, mesmo se eles forem somados e multiplicados entre si. Você aceita?

– Sim, senhor.

O sultão sorriu, com confiança, e a jovem camponesa foi-se embora para sua casa, nos limites da cidade.

Os anos se passaram e a jóia continuava ali, escondida numa pequena caixinha ao lado de sua cama.

Entretanto, a vida não foi fácil para a moça. Nunca se casou e mal conseguia se sustentar. Os alimentos estavam cada vez mais caros, devido à guerras no exterior, e o clima seco do lugar. Mas ela mantinha a jóia sempre próxima da sua cama, guardada em segredo.

Até o dia em que acordou e decidiu que iria vendê-la. Certamente, o sultão nem lembraria mais dela ou da jóia, e seria burrice manter um bem tão valioso em casa, enquanto passava fome. Além disso, a pedra, mesmo pequena, iria fazer mais que alimentá-la. Iria fazer com que ela prosperasse. A idéia de se sentar em almofadas novas, de não precisar mais trabalhar de Sol a Sol e usar roupas melhores a seduziu completamente.

Assim, no mesmo dia, vendeu a jóia a um mercador que passou pela sua casa, ganhando em troca um saco de ouro e dois cavalos.

Na manhã do dia seguinte, bateram à sua porta. Era o sultão. Estava mais magro e envelhecido.

– Lembra-se de mim?

– Meu senhor, respondeu a moça, ajoelhando-se assustada.

– Você ainda tem a jóia que lhe entreguei?

A camponesa olhou com receio para os guardas que acompanhavam o monarca, e temeu pelo seu destino.

– Sim senhor, gaguejou.

O sultão fez um sinal para um dos guardas, que mantinha o rosto coberto por um lenço. Ele se aproximou da jovem e estendeu a mão, mostrando o pequeno rubi a ela. A camponesa fitou a jóia, sem entender direito, até que o homem tirou o lenço e mostrou seu rosto.

Era o mercador.

A jovem ficou pálida. O sultão se aproximou dela.

– Eu disse a você que jamais vendesse a jóia. Eu fui claro quanto a isso. Foi a única coisa que pedi.

– Meu senhor, eu estava passando por dificuldades.

– Com esta jóia em mãos, você jamais passaria por dificuldades. Bastaria apenas me convocar e eu viria em seu auxílio. Pois eu jamais daria um presente desses a qualquer um de meus súditos, somente aqueles a quem eu tenho apreço. Eu a escolhi como um dos pilares do meu reino, pela sua honra e coragem. Esta jóia não significava riqueza, mas sim confiança.

A jovem permaneceu em silêncio. Lágrimas escorriam pelos seus olhos. O homem continuou:

– E você era diferente dos outros presenteados. Eu dei dezenas de jóias para dezenas de pessoas, mas apenas esta, a menor, continha um encantamento. Ela guardava toda a minha essência e todos os meus sonhos. Enquanto as outras jóias eram apenas pedras, por mais valiosas que fossem, esta guardava a minha alma. Tudo o que sou e tudo o que eu poderia me tornar um dia estavam guardados aqui. Escondi isso na menor das pedras, para fazer com que ela escapasse da ganância dos homens. A menor pedra certamente seria a última a ser escolhida, pois todos os homens escolheriam sempre as mais vistosas.

Os lábios da moça se abriram, mas ela não encontrou palavras.

– E você a vendeu, conclui o sultão, com a voz abafada.

– Meu senhor, eu não sabia que a jóia era diferente das outras. O senhor não me avisou.

Ele olhou para ela.

– Quando você amou alguém, você se preocupou em contar a esta pessoa que seu amor por ela era diferente do amor das outras pessoas? Não. Você apenas amou e fez de tudo para cuidar deste amor, esperando que o destino fizesse com que a pessoa enxergasse isso . Eu não precisava dizer o quanto a pedra era especial. Mas, às vezes, nosso amor não é visto, por mais especial que ele seja. Quantas vezes você amou, com todas as suas forças, mas em vão?

A jovem não conseguia dizer nada. O sultão continuou:

– Se você vendeu o rubi hoje, é sinal que você o teria vendido de qualquer forma, mesmo se soubesse o que ele continha. Talvez não hoje, talvez apenas daqui a anos. Mas é certo que o teria vendido.

A jovem, aos prantos, implorou por perdão. O sultão pegou a pedra da mão do guarda e a deixou cair no chão.

A jóia se espatifou, rompendo-se em milhões de pequenos pedaços vermelhos, de tamanhos diferentes.

A camponesa olhou, surpresa.

– Meu senhor, a jóia era apenas vidro?

– Não. Era um rubi de verdade. Ela se tornou vidro no momento em que lhe perguntei se você a tinha, e você faltou com a verdade. Ter vendido a pedra não foi o seu maior erro. Ter mentido a respeito disso, sim. Sua mentira quebrou o encanto que envolvia a jóia, e a transformou em vidro. Como eu disse, a jóia era uma prova de confiança. E agora ela se perdeu para sempre.

Lágrimas voltaram a escorrer pelo olho da camponesa. Sua cobiça havia causado danos irreparáveis ao homem que havia confiado nela como nenhum outro antes. O sultão olhou para os céus e olhou de volta para a moça. Suspirou.

– A grande verdade é que se eu pudesse reaver a jóia, a entregaria novamente para você. Pois, como eu disse, escolhi com o coração. E, para o bem ou para o mal, não escolhemos as pessoas que nosso coração escolhe. Ele pode não ser sábio todos os dias, mas ele é soberano.

Uma lágrima rolava pelo rosto do homem. Ele deu as costas e saiu andando em direção ao horizonte, sozinho.

E nunca mais foi visto. Pois tudo o que ele era havia se perdido junto com a jóia.

4 leitores:

Tyler Bazz disse...

AAAAAHHHH se a gente pudesse escolher...
puta sonho :///

Varotto disse...

Cara, você está jogando nas onze, hein?!

Estou achando que você fez um pacto com o demo (ou com a síndica Brick Top, o que seria ainda mais arriscado) para não secar essa cachoeira de criatividade...

Daniela disse...

Espero que o seu rubi nunca seja vendido e sempre apreciado pelo que representa..

Pulo no Escuro disse...

Nossa... fiquei sentida.
=/

 

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