8 de janeiro de 2010

Guerra e Paz

Estavam discutindo. Feio.

Ela estava parada de pé na sala, gritando com ele. Gesticulava e aparentava estar muito nervosa. De vez em quando colocava as mãos na cintura, de forma desafiadora. Aí, voltava a gritar frases cheias de palavrões.

Ele andava pela sala, próximo a uma mesa. Estava tão nervoso quanto ela, mas falava menos. Mas, às vezes, apontava o dedo na direção dela e gritava alguma acusação. Depois colocava as mãos no rosto, não agüentando mais.

Ela começou a andar também. Para todos os lados da sala, menos na direção dele. Ainda gritava. Começou a mexer na bolsa, tirou um cigarro e acendeu. Mas somente no segundo fósforo, o primeiro quebrou nos seus dedos.

Ele começou a gritar de verdade. Deu um soco na parede que fez o quadro tremer. Pareceu não se importar, e, com os punhos cerrados, se apoiou na mesa, sorrindo um sorriso amargo e sarcástico. Sorrindo dolorido.

Ela respondeu o sorriso com mais berros. Estava começando a chorar. Pegou um porta-retratos, jogou no chão e chutou para longe. A foto, que mostrava os dois com uma roda gigante ao fundo, se cortou com os cacos de vidro.

Ele ignorou a explosão e saiu andando na direção dela. Parado, a poucos centímetros dela e com o dedo em riste, gritava, acusava, desafiava. Virou de costas, arrancou algo do dedo e colocou na mesa, batendo com força.

Ela não se fez de rogada e puxou algo das mãos, jogando longe. O pequeno objeto dourado bateu numa parede e sumiu de vista. Ela abaixou a cabeça e seus ombros tremiam. Estava chorando.

Ele ficou em silêncio.

Ela ficou em silêncio.

O mundo ficou em silêncio de dor.

Ele virou e a encarou, ainda sem falar. Fez menção de tocá-la, mas seu braço parou no meio do caminho. Mas, venceu o orgulho e a segurou pelo braço. Não com a força da briga, mas com a delicadeza de um primeiro encontro.

Ela sentiu o toque dele e se rendeu. Desatou a chorar compulsivamente e, antes que qualquer um dos dois percebesse, estava com a cabeça enfiada no peito dele, buscando abrigo, tentando se esconder do mundo.

Ele a escondeu entre os braços e mergulhou o rosto em seus ombros. Falou baixinho, algo que interessava somente a eles e que não deve jamais ser escrito. E, mesmo sem perceber, apertou o corpo dela entre seus braços.

Ela, soluçando, percebeu que ele também chorava em seu ombro. Afastou o rosto dele e enxugou suas lágrimas, com suavidade e gentileza. Antes de abaixar a mão novamente, arrumou a franja dele, que vivia caindo.

Ele a beijou.

Ela o beijou.

O mundo ficou em silêncio de alento.

Eles se beijaram primeiro com receio de não serem beijados, depois com carinho, afeto. Aos poucos, as mãos dele começaram a pressionar as costas dela, enquanto ela segurava os cabelos dele com cada vez mais força. E quando o beijo se tornou furioso, ficaram sem fôlego, respirando desesperadamente pedidos de perdão e juras de amor eterno. E se apaixonaram pela primeira vez de novo.

E, sem parar de se beijar, caminharam com urgência para o quarto, abandonando o mundo e criando um universo inteiro para eles.

Na manhã seguinte, as alianças e o porta-retratos ainda estavam no chão.

As janelas do quarto permaneciam fechadas.

E o mundo ficou em silêncio de paz.

8 leitores:

Tuíla disse...

Já me contaram cenas parecidas.

Muito bom o texto.
Venho sempre por aqui e no teu outro blog. Adoro os dois.

Quando tiver com tempo, olha o meu e me dá uma opinião?
Adoro teu jeito de escrever.

Valeu :D

Mari Hauer disse...

Oi Rob,

Depois que li o texto fiquei pensando que, muitas vezes, gritamos mesmo não pra chamar a atenção do outro. Mas para tentarmos nos convencer de desamores, de finais, de sentimentos que acabaram. E, assim que nos damos conta do desatino que estamos falando, percebemos que o que ainda continua falando mais alto é o sentimento.

Adoro finais felizes!

Lindo texto!

Bia disse...

Ainda morro disso, dessa vontade de gritar, dessa entrega do "depois"... mas eu sou pacífica demais...rs.

Perdi o fôlego no texto, mais uma vez!

Anônimo disse...

Parece que eu sei exatamente de quem você está falando. E doeu. Dor de saudade.
Acertou mais uma vez, seu Róbi.
Parabéns.

May. disse...

Nada como a intensidade, não é mesmo?

Dani Cavalheiro disse...

Quem nunca teve uma briga como essa? São as que mais machucam, porque fica tudo a perder por alguns instantes (que parecem uma eternidade), mas depois o sentimento fala mais alto. E é bom às vezes, pra sacudir uma relação parada e que se tornou monótona.
Foi uma briga assim que salvou meu relacionamento.

Lua Durand disse...

Rob, texto bonito e intenso.
o titulo é uma alusão a tolstói ou você nem relacionou a ele?

"Ele a beijou.

Ela a beijou."
p.s.: ela beijou a si mesma?

bom, os escritos aqui estão sempre se superando, que bom que voce anda atualizando isso aqui com frequencia!
obrigada.

Pulo no Escuro disse...

Sexo de reconciliação é a melhor parte de qualquer briga.

Ai ai...

 

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