26 de junho de 2009

Fragmentos 02

Todo manhã ela encontrava uma
rosa anônima na porta do apartamento.
Nunca soube quem mandava.
Um dia, isso acabou e ela nunca soube a razão.



Desenhava o nome dela no ar
com a brasa do cigarro à noite, antes do sono.
Depois de meses,
estava mais apaixonado pelo nome que por ela.



Guardou a fotografia numa caixa
e trancou no armário. Pensou em rasgá-la,
mas não teve coragem de
permitir que a vida continuasse.



Passou horas escrevendo
tudo o que sentia naquela carta.
Antes de desligar o computador, apagou o arquivo.
Amanhã, fará tudo de novo.



Colecionava tudo.
Livros, revistas, adesivos, filmes,
chaveiros, discos, latas.
Anos depois, percebeu que
colecionava coleções.




Moraram toda a vida no mesmo bairro.
Estudaram no mesmo lugar, trabalharam no mesmo prédio,
morreram no mesmo hospital.
E nunca se viram.



Ela tinha um jeito próprio de fazer as coisas.
Antes de começar a beber uísque,
precisava se embriagar de jazz.
A madrugada inteira.



Toda vez que ela atendia, ele desligava.
Ele sabia o que dizer, mas achava
mais reconfortante ouvir a voz dela.
Diminuía a saudade.



Sempre que se apaixonava,
escolhia uma música para representar a
pessoa dentro da sua mente.
Mas nunca achou alguém
que valesse um Beatles.



Sonhou que havia se casado com o colega de trabalho.
Passou o resto da vida apaixonada por ele,
mas nunca teve coragem de contar para ninguém.



Tinha duas famílias.
Em São Paulo, achavam que ele era gaúcho.
Em Porto Alegre, dizia que era paulista.
Era carioca e ninguém sabia.



Aos 12 anos, perdeu o pênalti
que custou o campeonato da escola.
Se formou, casou, teve filhos e netos.
Nunca parou de sonhar com o goleiro.



Seus olhos se encontraram no metrô.
Sorriram.
Em segundos, sonharam uma vida inteira.
Ele desceu na estação seguinte.
Nunca mais se viram.



O primeiro presente que ganhou dela:
uma camisa rosa.
Sem coragem de dizer que detestava a cor,
usou rosa pelo resto da vida, em silêncio.



Ela não queria reatar o namoro,
mas somente um último beijo.
Porém, sabia que se conseguisse,
iria continuar querendo mais um último beijo.


Assim como no primeiro texto da série, todos os textos têm, no máximo 140 caracteres.

6 leitores:

Otavio Cohen disse...

Assim como no primeiro texto da série, todos os textos têm, no mínimo, um pouquinho de genialidade. @otaviocohen

Varotto disse...

Cara, genial!

Novamente.

Daniela disse...

Tocantes em 140 caracteres..Quewm pode, pode, quem não pode..baba e sonha com os textos alheios.

Marina disse...

O da fotografia me lembrou uma música, um samba antigo, chamado "Na Praça Clóvis".

Nunca ninguém vai valer um Beatles.

Borealis disse...

pequenos textos
grande sensibilidade

gostei bastante

mais uma vez, parabéns.

Natalia Máximo disse...

"Sempre que se apaixonava,
escolhia uma música para representar a
pessoa dentro da sua mente.
Mas nunca achou alguém
que valesse um Beatles."

Mais de três anos depois de ter lido isso pela primeira vez, depois de tantas mudanças na minha vida, isso continua fazendo muito sentido pra mim.

Você devia fazer mais séries de Fragmentos, Rob, são sensacionais.

 

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