Ventava.
Sentado ao lado do motorista do táxi, Rafael esperava o sinal abrir. Olhou para o relógio e percebeu que estava atrasado. Detestava ter que sair do escritório para reuniões com clientes. Preferia ficar na sua mesa, resolvendo os problemas do trabalho por e-mail ou por telefone. Enquanto planejava na melhor maneira de começar a reunião, olhou pela janela do carro e viu uma garota de vinte e poucos anos, com roupa de executiva. Andava com dificuldade sobre os saltos altos e carregava uma enorme pasta. Era linda, e o vento a deixava mais bonita ainda. Seus cabelos escuros lutavam para permanecerem penteados e sua franja insistia em cair sobre os seus olhos. Eram verdes. Torceu para que a moça olhasse em sua direção. Teve certeza de que se ela voltasse os olhos para ele, ele sorriria e ela sorriria de volta. Mas e aí? Desceria do carro para falar com ela? Ou o contato dele com aquela menina seria apenas um sorriso? Brincando, tentou adivinhar o nome dela. Fernanda? Marcela? Estava pensando num nome duplo quando ela pisou torto e a pasta foi ao chão, espalhando dezenas de papéis pela rua. O sinal abriu e o táxi andou. Rafael olhou para trás e viu a moça, agachada, lutando contra o vento para recolher as folhas que dançavam ao seu redor.
Ana Paula detestava aquele sapato. Achava alto demais, chamativo demais. Tudo demais. Ao menos, demais para ela, que sempre fora tímida. Preferia ver a ser vista. Não era difícil ficar vermelha. Desde os tempos de escola, ficava vermelha por qualquer coisa. A última vez? A última vez havia sido menos de vinte minutos antes, no prédio em que trabalhava. Estava no elevador e foi abordada por um sujeito de terno, bem vestido. Ele perguntou seu nome. Ela respondeu sem o olhar nos olhos, e ele disse que se chamava Roberto, mesmo sem ela ter perguntado. Elogiou os cabelos dela e ela não conseguiu evitar o sorriso. Tomaram um café ali mesmo, na lanchonete em frente ao prédio. Ele contou que estava naquele prédio para visitar um cliente. Era arquiteto. E divorciado, sem filhos. Ela disse que era solteira, mas não conseguindo sustentar o olhar dele. Convidou-a para jantar. Ana Paula disse não. Ele pediu seu telefone e ela negou. Ambos perceberam que o "não" era "sim". Ele deu seu cartão, pedindo que ela ligasse caso mudasse de idéia. Ana Paula se despediu sorrindo. Vermelha, mas sorrindo. Antes de sair do prédio para a rua, antes mesmo de colocar o cartão dentro da enorme pasta que carregava, sabia que iria ligar para ele. Alguma coisa nele, talvez seu olhar, talvez seu jeito de falar, mostrava que ele era diferente. Saiu para a rua e, enquanto sonhava com o jantar e o começo de um namoro, tropeçou no próprio sapato e sua pasta caiu, espalhando os papéis no meio da ventania. Conseguiu recuperar todos os documentos. Menos o cartão com o telefone dele, que sumiu.
Roberto entrou no carro sentindo-se como não se sentia há muito tempo. Sentia-se vivo. Respirou fundo. Há quanto tempo não abordava uma mulher na rua? Pelo menos, dez anos. Aliás, a última foi a Ângela, no dia em que a conheceu naquele parque. Detestava fazer isso, se sentia desajeitado. E, quando a Ângela aceitou seu pedido de casamento, três anos depois daquele dia, pensou, voltando para casa, que jamais precisaria abordar outra mulher na rua, porque iria se casar e ser feliz. E foi feliz, pelo menos por cinco anos. Mas, de uns tempos para cá, a Ângela mudou. Queria saber apenas de trabalho. Ele queria um filho, ela não, estava preocupada com a carreira. E o casamento foi morrendo. Todos os amigos diziam que eles brilhavam quando estavam juntos, mas, de uns anos para cá, Roberto sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que reaprender como é brilhar sozinho. Sozinho. Essa palavra sempre o incomodou. Sempre teve medo de ficar sozinho. Aliás, é justamente por isso que ainda era casado. Não amava mais a Ângela, amava apenas a sua história com ela, mas tinha medo de ficar sozinho. Sempre tivera dificuldade em abordar mulheres, e, agora, dez anos depois, não iria conseguir nada mesmo. Mas hoje foi diferente. Quando ele viu aquela mulher entrando no elevador, sentiu algo diferente. Quando percebeu, estava conversando com ela. Nem lembrava o que disse, de tão nervoso que estava. Ana Paula. Deixou seu cartão com ela. Apostaria qualquer coisa que ela ligaria, mas, mais importante que isso, conseguiu provar para si mesmo que era capaz de convidar uma mulher para sair, mesmo depois de tantos anos. A única barreira que havia entre ele e o divórcio desmoronou. Abriu a janela do carro e sentiu o vento forte batendo em seu rosto. Tirou a aliança do dedo e colocou no bolso do terno. Estava decidido. Iria falar com a Ângela hoje mesmo.
Sentada em sua mesa, Ângela olhou pela janela e percebeu que iria chover. Lembrou-se do tempo em que era criança, quando corria para o quarto da irmã mais velha para rezar baixinho com medo das tempestades. Fazia anos que não rezava. Simplesmente não acreditava mais. Tinha certeza de que tudo o que havia conquistado em sua vida fora por mérito próprio. O primeiro lugar na faculdade, o cargo de diretora da agência. Lembrou-se do dia da sua formatura. Naquele dia, todos apostavam que ela teria um futuro brilhante. Como profissional e como pessoa. Além de ter notas excelentes, era adorada por todos na faculdade. Amiga leal, inteligente, dedicada. E logo levou sua fama para seu primeiro emprego, onde caiu nas graças dos chefes. Pouco tempo depois, se casou com o Roberto, mais ou menos na mesma época em que foi promovida a gerente. Sua vida ia de vento em popa. Um casamento maravilhoso, bem-sucedida. Até que irmã morreu, num acidente. Ela sabia que a morte da irmã havia sido decisiva em sua vida. Nunca havia superado aquilo. Começou a se afundar no trabalho, deixando tudo de lado. Tinha medo de pensar na irmã, que sempre fora seu porto-seguro, sempre fora seu modelo, se parasse por um minuto. E decidiu nunca mais parar. Seu casamento já não estava bem, ela e Roberto mal se falavam, mas ela simplesmente não sabia como explicar isso a ele, já que mal conseguia explicar isso para si mesma. Tentou empurrar a saudade da irmã garganta abaixo, mas uma lágrima conseguiu escapar do olho e rolou pela sua face. Rapidamente, pegou um lenço de papel da gaveta e enxugou os olhos. Haveria tempo de sobra para chorar a noite, em casa. Mas não no escritório. Nunca no escritório. Afastando a irmã da cabeça, Ângela pensou em conferir os e-mails, mas sua assistente entrou em sua sala, dizendo que o senhor Rafael havia chegado para a reunião.
Começou a chover.
11 leitores:
Claro, todo mundo deve falar isso...
Mas, enfim, é como caixinha em posto, você coloca com a melhor das intenções.
BRAVO, BRAVO! Sou um fã desse site e do seu outro tbm. Realmente, muito bons...
Duka, Riggs!
Boa sacada o encadeamento das pessoas. Duka mesmo!
Você escreve muito bém e com fluidez. Parabéns
Você escreve muito bém e com fluidez. Parabéns
adoro anthologies.
;)
todos os dias penso em escrever uma coisa do tipo, mas me falta paciência, ou tempo, ou os dois.
Adorei a trama só fiquei imaginando uma coisa... o Roberto tem um cartão com nome falso só pra abordar mulheres rs?
Até adorei!
Por que as personagens de histórias sempre têm, explicitamente, olhos verdes ou azuis?
Mas muito boa!
Tá na hora de atualizar hein...
Olá Rob Gordon.
Nunca comentei em seus blogs,essa é minha primeira vez.Mas ja tenho o acompanhado a um bom tempo.
Comento para elogiar o seu post,ou melhor,todos os textos que você já escreveu.Tenho de admitir,você é muito bom no que faz.
E comento para pedir que nunca fique uma semana sem escrever.Nem no Vinyl nem no Chronicles.
Algumas pessoas sentem muita falta das suas palavras,no caso sou eu e provavelmente 90% dos seus leitores.
Recado dado.
Stan.
Rapaz, fico uns tempos sem visitar o Chronicles e você sai com essas pérolas.
Anda muito inspirado, hein?
Sensacional.
Concordo com o above, mas Robby-o, vê se atualiza isso!!!
=]
Leo, out!
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