Paris. A cidade ideal para conhecer o grande amor da sua vida. Pela lógica, um relacionamento que começa em Paris tem muito mais chance de dar certo do que um que comece na cantina da faculdade. E, mesmo se não der certo, pelo menos será inesquecível. Foi exatamente isso o que aconteceu com Rick e Ilsa.
Encontraram-se por acaso num final de tarde. Ao sair de um bar, ele esbarrou nela que, acidentalmente deixou cair uma revista nova numa poça d'água. Sempre atento a oportunidades, ele a convidou para tomar um café como compensação (“ela tem cara de que nem sabe o que é uísque, melhor ficar no café mesmo”). Vale dizer aqui que o Rick dessa época era diferente do que aquele que conhecemos hoje. Ele não via nenhum problema em sair de casa à luz do dia e por incrível que pareça, até sorria, às vezes. Mas já andava com o cigarro pendurado no canto da boca.
Entraram num café e pediram dois expressos. Do outro lado do balcão, um garçom lavava a louça assoviando As Time Goes By. Depois de alguns minutos de conversa e uma ou outra afinidade descoberta (“eu também sempre quis conhecer a África!”), ele pediu o telefone dela.
– Meu telefone? Mas eu mal te conheço...
– Vamos, garota, o que você tem a perder?
– Não sei... Acho melhor não...
– Vamos lá! Algo me diz que esse é o início de uma bela amizade!
– Hum... Ok. Você ganhou. Mas nada de fone. Pega o meu e-mail.
E rabiscou alguma coisa num guardanapo, antes de ir embora sorrindo. Rick guardou o papel no bolso, pagou a conta e voltou para o seu apartamento. Encheu um copo de uísque e foi checar seus e-mails. Como de costume, nada de importante, somente alguns fowards de Sam, um pianista americano que ele tinha conhecido em Paris e que tinha cismado que Rick, assim como ele, era fanático por piadas sobre japoneses e vídeos arrancados do Youtube. Rabiscou um mail para Ilsa, dizendo que tinha adorado o café e esperava vê-la novamente. Acabou seu uísque, acendeu um cigarro e saiu para jantar.
Voltou apenas de madrugada, meio bêbado, e, mais por costume que por vontade, abriu seu e-mail. Para sua surpresa, encontrou uma resposta dela, dizendo que “também tinha adorado ele e que poderiam se encontrar, desde que, antes disso, se conhecessem um pouco melhor”.
No dia seguinte, mandou outro e-mail para ela, algo descompromissado, apenas um “oi, tudo bem?”, algo assim. Ela devia estar conectada, pois respondeu logo em seguida, dando boa tarde (Rick nunca levantava antes das 2). Ele respondeu, e pouco tempo depois, estavam conversando por e-mail. Cada um digitava uma frase, enviava e ficava ansioso esperando pelo reply. Passaram a tarde inteira assim, até que ela teve que desligar para ir comprar algo para o jantar. Rick pensou em convidá-la para comer algo, mas sua experiência com as mulheres o alertou a não fazer isso (“É muito cedo ainda, ela não vai topar”). Tomou um banho, colocou uma roupa e foi jantar com Sam, coisa que fazia pelo menos 2 vezes por semana.
No dia seguinte a mesma coisa aconteceu. Trocaram e-mails a tarde inteira, conversando sobre os mais diversos assuntos, desde qual vinho ela preferia até o que ele achava do casamento. Conversaram até o meio da noite, quando ela desconectou para ver um filme e só então Rick percebeu que ainda não tinha jantado. Comeu alguma coisa no café da esquina e pela primeira vez em meses, não saiu para beber e mexer com as coristas dos bares. Foi deitar cedo, sem se dar conta de que estava, na verdade, ansioso para a tarde do dia seguinte chegar.
Passaram a conversar por e-mail durante todas as tardes. Por horas, ficavam na frente do computador conversando, sonhando um com o outro, trocando segredos (“Você jura que lutou ao lado dos rebeldes na Espanha?”; “Bom, eu fui muito bem pago...”, ele disfarçou, sem graça); e sonhando com o dia que saíram novamente. Trocavam promessas, cartões virtuais e fotos. Uma vez Rick tentou mandar uma mp3 de As Time Goes By (“toda vez que eu escuto essa música, lembro de você, garota”, escreveu no mail), mas ela nunca conseguiu abrir o arquivo – achou melhor não falar nada para ele, para não desapontá-lo.
Até que um dia resolveram se encontrar. Ela disse estar pronta, e ele quase soltou rojões no apartamento. Se encontraram na mesma noite, e jantaram. Conversaram sobre diversas coisas, mas não era a mesma coisa. Algo estava faltando. A magia das conversas parecia estar nos teclados, e não neles. Durante o jantar, alguns silêncios constrangedores, daqueles que parecem intermináveis. Rick havia jurado para si mesmo que não beberia, mas na metade do jantar já estava no segundo uísque, de tão nervoso. Ela parecia que tinha acabado de conhecê-lo. Mal o olhava nos olhos, e às vezes se fechava completamente.
Tentaram mais algumas vezes. Passearam de carro fora da cidade, ou a pé pelas calçadas de Paris. Ela parecia mais à vontade, mas ainda assim bem diferente da pessoa que era na Internet. Mas ela sempre alternava momentos de felicidade com algo que lembrava timidez. E o problema, Rick percebeu, é que os momentos de silêncio pareciam ganhar cada vez mais terreno.
Só restava uma saída: apelar para as velhas táticas e colocar bebida no meio – algo que, para Rick, não feria ética nenhuma, pois seria como misturar prazer com prazer. Levou-a até o La Belle Aurora, o bar onde Sam se apresentava, e começou a servir vinho para os dois. Mesmo quando Sam começou a tocar As Time Goes By (como Rick tinha combinado com ele, prometendo 10 dólares mais o almoço do dia seguinte), ela agiu como se nunca tivesse aberto o arquivo que ele havia mandado. Foi a gota d'água. Antes mesmo de pagar a conta, Rick, amargurado, decidiu: iria embora de Paris e nunca mais amaria ninguém. Ao deixá-la em casa, se despediram e Rick, com ar profético e meio bêbado, disse:
– Bem, pelo menos, nós sempre teremos Paris...
– O quê?
– Nós sempre teremos a nossa história em Paris guardada dentro dos nossos e-mails, repetiu, já meio sem paciência.
– Er... Na verdade, não temos mais. Minha máquina foi formatada ontem. Vírus.
– O quê?
Mas ela já tinha entrado em casa.
No dia seguinte, Rick foi à estação da cidade e comprou uma passagem. Ia realizar seu velho sonho, conhecer a África. Sam, que não falava francês e precisava de Rick até mesmo para comprar um jornal, decidiu ir junto.
Enquanto esperavam o trem, Rick resolveu arriscar uma última cartada. Entrou num cyber café na estação, e mandou um mail para Ilsa dizendo que a amava, estava com uma passagem marcada para o Marrocos e queria que ela fosse com ele. Ele a faria feliz de qualquer jeito, nem que tivesse que morrer tentando. Respirou fundo e enviou a mensagem.
Segundos depois, a resposta.
“Sua mensagem não pôde alcançar o destinatário. Motivo: caixa postal cheia”.
Duas semanas depois, estava em Casablanca, no Marrocos. Tinha comprado um bar que logo virou a sensação da cidade. Mas, mesmo com o movimento e as belas mulheres que freqüentavam o local, Rick tornara-se diferente. Ficava quieto, num canto, bebendo e jogando xadrez sozinho. E, quando o bar fechava, quase ao nascer do Sol, ele subia para dormir e antes de deitar checava sempre o seu correio, esperando por um mail dela. “Um dia, ela vai aparecer de novo. Tenho certeza”, pensava.
Mas recebia apenas propagandas de sites eróticos e de remédios para emagrecer.
E, claro, os malditos fowards do Sam.
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4 leitores:
"– Nós sempre teremos a nossa história em Paris guardada dentro dos nossos e-mails, repetiu, já meio sem paciência.
– Er... Na verdade, não temos mais. Minha máquina foi formatada ontem. Vírus."
hahaahha ótimo! Como sempre!
Bjos
histórias de amor tendem a acabar assim mesmo.
uma pessoa que parece ter fingido o tempo todo e a outra completamente perdida !
vc é um ótimo escritor, suas histórias me prendem como nunca !
parabéns !!
Hummm, senti um lirismo querendo sair pela tela do computador... hummm..
Tem por um acaso lido "devaneios e loucuras", da B? lembrei dela..
Gostei desse lado seu, apesar de gostar mais do lado comediante de ser!!
Vou continuar conferindo. Estou adorando os textos.
Beijão e some não
sua fã
Mariliza
maldito mundo moderno. no tempo oficial de rick e ilsa eles conseguiam ser mais felizes, mesmo que eles não tenha tido um final feliz, propriamente dito. mas já era alguma coisa.
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