17 de fevereiro de 2017

Gravidade

Sentiu um risco gelado escorregando pela lateral do seu rosto e fechou os olhos para enxergar o que não via quando a pequena gota passou pela sua têmpora no lugar que ela tocava seus cabelos quando estava prestes a dormir e em vão tentou abrir os olhos quando descobriu que a gota estava agora em seu rosto refazendo o mesmo caminho da lágrima que ele deixara cair na madrugada em que ela mandou uma mensagem dizendo que não podia mais ir e em suas memórias ainda estava esperando por ela quando a gota correu para o canto da boca dançando no lugar que ela o beijara pela primeira vez e fazendo com que ele pensasse durante quase uma hora se aquele beijo tinha sido um acidente ou uma promessa e ainda não sabia ao certo a resposta quando a gota pendurou-se em seu queixo ameaçando desafiar a gravidade eternamente e fazendo com que ele sorrisse um sorriso amargo ao se lembrar de que um dia também havia pensado que nunca cairia mas quando a gota escapou do seu queixo apenas para lhe mostrar que o “para sempre” era sempre uma ilusão e flutuou no ar ele flutuou em seu próprio céu de lembranças especialmente aquela do primeiro beijo roubado no canto escondido atrás da porta mas não escondido o suficiente para que ele não tivesse certeza naquele momento de que se afogaria de saudade antes mesmo do primeiro beijo acabar e se tornar uma lembrança mas a memória finalmente se dissolveu levando com ela o sabor daquele beijo quando ele abriu os olhos e viu a gota de suor estatelada no chão esquecida como uma morte que vira estatística no jornal e não conseguiu fugir da lembrança da primeira noite que haviam passado juntos e que quando seu nome virou os gemidos que ela louvou a gota de suor que havia descido pelo seu rosto naquela madrugada quente não havia terminado no chão e sim se acolhido discretamente na pele dela deixando tatuado em água e sal toda a felicidade que ele sentia mas agora ao olhar novamente  a gota de suor no chão decidiu que talvez fosse hora de parar de pensar nisso porque a gota aos seus pés não estava na pele dela o calor da noite não era mais deles e a gota que estava diante de si perfeitamente redonda insistia em olhar para ele como um ponto final.

Respirou fundo e decidiu que era melhor transpirar dentro de casa.

Longe do calor.

Longe das memórias.

8 leitores:

Kell disse...

Fluxo de pensamento <3

Claudio Fermes disse...

Forte hein! Daqueles que a gente se põe na pele do personagem...

Sérgio Leitão disse...

Mais um daqueles que inspiram...

saulo disse...

Percebi um padrão: seus textos menos comentados são os que mais gosto.

http://asmelhorescronicas.blogspot.com.br/

Guilherme M. Bonfim disse...

Que belo texto Rob!

Unknown disse...

Excelente...

Junio da Silva Damasceno disse...

Muito bom o texto. Só queria entender porque específicamente este texto do Rob praticamente não tem ponto e vírgula.

Junio da Silva Damasceno disse...

Muito bom o texto. Só queria entender porque específicamente este texto do Rob praticamente não tem ponto e vírgula.

 

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