tag:blogger.com,1999:blog-386326122024-03-12T20:42:48.607-03:00Championship ChroniclesUm arquivo com crônicas abordando situações totalmente cotidianas, completamente atemporais e com personagens puramente fictícios. Ou não.Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.comBlogger368125tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-14380592960010530072023-01-30T17:35:00.006-03:002023-01-31T00:38:15.588-03:00Certa Tarde, no Sport Sex Pub Bar...<p> <b>15h30</b></p><p class="MsoNormal">– Você tá de sacanagem, Alfredo?<br />
– Que foi, Maria Lúcia?<br />
– Você quer ver o jogo aqui?<br />
– Ué. Eu te disse que queria ver o jogo num bar.<br />
– Esse bar é meio estranho, hein, Alfredo?<br />
– Amigo! Mesa pra três! E perto da TV!<br />
– Essas moças vieram com o senhor, né? Elas são de fora?<br />
– Isso. Todo mundo comigo. E todo mundo é Inter!<br />
– Então vou colocar na conta. Tem uma taxa.<br />
– Como assim, taxa?<br />
– Não atrapalha o sujeito, Maria Lúcia. Deve ser consumação. Campeão? Mesa
perto da TV, hein?<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b>15h50</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Alfredo... Que são aquelas meninas ali?<br />
– Que meninas?<br />
– Aquelas ali dançando... Olha as roupas. Parece que estão de lingerie.<br />
– Deve ser roupa de praia, Maria Lúcia. Você, também, implica com tudo. Nunca vi
igual.<br />
– Eu vou lá dançar também!<br />
– Você não vai em lugar nenhum, Maria Helena!<br />
– Ah, mãe!<br />
– Alfredo, fala com sua filha.<br />
– Amigão? A gente pediu dois chimarrões, mas não veio ainda. E liga a TV no
Colorado!<br />
– É pay per view. Aí é cobrado na conta.<br />
– Liga logo! Quero ver o hino!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b><br />16h10</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Mãe, deixa eu ir lá dançar um pouco!<br />
– Maria Helena...<br />
– Eu não vou tirar a roupa, mãe! Só vou dançar!<br />
– Alfredo, manda sua filha ficar aqui.<br />
– Merda de time.<br />
– Pai, deixa eu beber algo?<br />
– Tá. Você quer um suco?<br />
– Pode ser gim?<br />
– MARIA HELENA!<br />
– Deixa a menina beber, Maria Lúcia. Ela tá com a gente, que problema tem? Amigão?
Tem gim?<br />
– Só de garrafa. <br />
– Então traz uma. E traz três camisas do Inter!<br />
– Alfredo, você tá louco?<br />
– Moço, traz energético também?<br />
– O time não está bem porque a gente está sem as camisas. Escuta o que eu estou
falando, Maria Lúcia. Se a gente colocar camisa, o Inter ganha hoje, fácil.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b><br />16h20</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Alfredo, você pediu outra garrafa de gim enquanto eu tava no
banheiro?<br />
– Não sei. Pedi?<br />
– Tem outra garrafa na mesa.<br />
– Deve ter sido a Maria Helena que pediu. Deixa eu ver o jogo.<br />
– Aliás, cadê a Maria Helena?<br />
– Foi dançar.<br />
– ALFREDO!<br />
– Deixa eu ver o jogo, Maria Lúcia! O time não consegue jogar no meio de campo
e você quer falar de gim?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <br /></o:p><b>16h30</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Alfredo, desce da mesa.<br />
– EU TÔ FALANDO SÉRIO! SE O INTER FIZER UM GOL, EU VISTO A CAMISA DO GRÊMIO!<br />
– Você bebeu essa merda inteira?<br />
– Já tava vazia, Maria Lúcia. TRAZ MAIS UM GIM AQUI!<br />
– Alfredo, desde da mesa!<br />
– QUEM APOSTA COMIGO? EU VISTO A CAMISA DO GRÊMIO!<br />
– Alfredo, descedamesapeloamordeDeus.<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b>16h35</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– FILHA DA PUTA!<br />
– Alfredo, eu vou embora.<br />
– APOSTA É SAGRADA! TÁ PRA NASCER O ALFREDO QUE VAI FUGIR DE APOSTA! AMIGÃO!
TRAZ ESSA MERDA DESSA CAMISA DO GRÊMIO QUE EU VOU VESTIR. TRAZ MAIS UM GIM
TAMBÉM.<br />
– Alfredo, ainda tem gim na garrafa.<br />
– Bebe aí, então, Maria Lúcia. Eu já pedi outra.<br />
– Eu não vou beber gim puro.<br />
– TRAZ UM ENERGÉTICO AQUI PRA MARIA LÚCIA!<br />
– Não, eu gosto com água tônica.<br />
– TEM ÁGUA TÔNICA? TRAZ OS DOIS!<br />
– Só água tônica, Alfredo.<br />
– OI? TRAZ TRÊS DE CADA!<br />
– Alfredo!<br />
– NÃO, CAMISA DO GRÊMIO É UMA SÓ, CARALHO! TRÊS TÔNICAS, TRES ENERGÉTICOS E A CAMISA
DO GRÊMIO. E O GIM! NÃO ESQUECE DO GIM!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <br /></o:p><b>16h45</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Oi, mãe!<br />
– O que é isso, Maria Helena?<br />
– Ué, eu amarrei a blusa. Tava dançando.<br />
– Maria Helena, arruma essa roupa agora.<br />
– Deixa a menina, Maria Lúcia. Tá calor aqui dentro.<br />
– Mãe, essas são minhas amigas.<br />
– Amigas?<br />
– Isso. É a Desirée, a Gislaine e a Lolô 69.<br />
– Lolo o quê?<br />
– Pode me chamar só de Lolô. O 69 é só no quarto mesmo.<br />
– Pai, minhas amigas podem ver o jogo com a gente?<br />
– Se não for gremista, pode.<br />
– Não, nós três torcemos para o... Que time o senhor torce?<br />
– EU SOU INTER! DESDE QUE NASCI!<br />
– Nós três somos também. Desde que nascemos.<br />
– Aí, sim! Pega um gim pra vocês.<br />
–<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Mas se quiser a gente pode torcer para
outro time. É só falar.<br />
– Não! NEM PENSAR! OU É INTER, OU NÃO TEM GIM!<br />
– Então a gente é Inter.<br />
– ENTÃO TRAZ MAIS GIM, QUE AS AMIGAS DA MINHA FILHA TÃO AQUI PRA DAR SORTE!<br />
– Aê, pai!<br />
– Maria Helena, você chega de beber.<br />
– Bebe também, mãe.<br />
– Isso, bebe com a gente.<br />
– Boa, Lolô!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> <br /></o:p><b>17h10</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Alfredo, você precisa fazer alguma coisa.<br />
– Que foi agora, Maria Lúcia? Acabou de começar o segundo tempo!<br />
– Aquele homem ali perguntou se eu não quero ir para o quarto com ele.<br />
– Como é que é?<br />
– Aquele ali, olha. Aquele está bebendo uísque.<br />
– Como assim, ir pro quarto com ele? Ele vai ver o jogo lá?<br />
– Não, Alfredo. Presta atenção. Ele disse que gosta de mulher pequenininha. Ele
disse que eu lembro a namorada que ele tinha na fazenda. Ele quer subir comigo.
Entendeu?<br />
– Entendi. Deve ser gremista.<br />
– Ai, Alfredo, desisto.<br />
– Pega mais gim, mãe.<br />
– Chega você também, Maria Helena! Alfredo, você vai deixar isso barato?<br />
– Tá bom, Maria Helena. Que inferno.<br />
– Alfredo, larga esse gim. Já bebeu demais.<br />
– Ele não gosta de gente pequena? Amigão! Ô amigão!<br />
– O que você vai fazer, pai?<br />
– Amigão, tá vendo aquele cara ali? Aquele gremista ali, bebendo uísque. Manda
uma garrafa de gim pra ele. Mas olha só... Me dá o cardápio. Aqui, ó. Esse anão
aqui. É de plástico?<br />
– Borracha.<br />
– Manda um também. Fala assim, olha: com os cumprimentos da sua namorada da
fazenda. E manda pra ele.<br />
– Alfredo, quanto custa esse anão?<br />
– É tipo um brinquedo, Maria Lúcia. Não vai custar muito. Aliás, fazenda... Cara,
você tem algo de fazenda aí? Tipo um chapeu, uma bota? Quero mandar junto com
anão!<br />
– Tem um cavalo.<br />
– Cavalo? <br />
– É, aquele ali. De pelúcia. Ali no bar, tá vendo? Tem uma menina dançando em
cima dele.<br />
– É isso! Põe o anão no cavalo e manda pra ele com um gim. Fala que foi a
namorada dele da fazenda que mandou. <br />
– Sim, senhor.<br />
– E já jás mais um trim também.<br />
– Oi?<br />
– TRAZ MAIS UM TRIM TAMBÉM.<br />
– Não entendi, senhor.<br />
– GIM. Traz mais um gim.<br />
– Alfredo, vai devagar com a bebida.<br />
– Me deixa ver o jogo, Maria Lúcia.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><b>17h25</b><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– E AÍ? QUEM TOPA?<br />
– Alfredo, eu vou chamar um Uber.<br />
– SE O INTER EMPATAR, ALGUÉM VESTE A CAMISA DO INTER! SE O GRÊMIO FIZER MAIS UM
GOL, EU VISTO A CAMISA DO GOL! NÃO, PERA! A CAMISA DO GRÊMIO. QUEM TOPA?<br />
– Pai, você chutou o energético todo em cima da Gislaine!<br />
– Não tem problema, meu amor. Eu tomo banho daqui a pouco.<br />
– MENOS VOCÊ AÍ NO CANTO! VOCÊ, SE QUISER FAZER APOSTA, FAZ COM SEU ANÃO DE
BRINQUEDO! TE DEI O ANÃO PRA ISSO! QUEM TOPA?<br />
<b><br />17h32</b></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– MERDA! MERDA!<br />
– Alfredo, pede a conta que o Uber está vindo.<br />
– AQUI É INTER! EU VOU USAR A CAMISA DO GRÊMIO. Maria Lúcia, cadê a camisa?<br />
– Que camisa, Alfredo?<br />
– A que eu comprei antes! Cadê?<br />
– Sei lá, Alfredo.<br />
– TRAZ MAIS UMA CAMISA DO GRÊMIO PRA MIM, QUE EU VOU VESTIR ESSA MERDA! AQUI É
INTER!<br />
– Eu vou esperar o Uber lá fora. Alfredo, pede a conta.<br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[if !supportLineBreakNewLine]--><br style="mso-special-character: line-break;" />
<!--[endif]--><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p><b>17h42</b></p><p class="MsoNormal">
– O Uber chegou, Alfredo. Vamos embora.<br />
– Pera, Maria Conta. Ainda precisa pedir a Lúcia.<br />
– Então pede a conta, Alfredo.<br />
– Vou caxar direto lá no pacha.<br />
– Que foi, pai?<br />
– VOU. PAGAR. DIRETO. LÁ. NO CAIXA.<br />
– Alfredo, que que é isso aqui?<br />
– É um consolo, Maria Lúcia. E um cinto também. É um cinto que é consolo. Ou
consolo que é cinto. Depende de como você usa. Pode ser os dois.<br />
– Mas quem pediu isso?<br />
– Foi a hora que você foi esperar o Uber, mãe. O papai mandou a Desirée colocar
esse cinto aí e a camisa da Inter. Aí o papai ficou com a camisa do Grêmio, de
costas pra Desirée, e eles começaram a fingir que... Como se eles estivessem...<br />
– CHEGA! EU NÃO QUERO OUVIR MAIS NADA!<br />
– Calma, mãe. Parecia uma dança. O papai até pediu pra tocar o hino do Inter. Você
não ouviu lá de fora?<br />
– Seu pai fez essa imundície aqui?<br />
– Aqui não. Lá naquela cama em cima do palco. Mas aí a cama quebrou e eles...<br />
– TODO MUNDO APLAUDIU, MARIA LÚCIA! Quer dizer, teve alguém que jogou um gremista
de cerveja em mim. deve ter sido algum latinha que jogou.<br />
– Chega. Chega. Eu vou ter um troço. Alfredo, paga a conta. <br />
– Tá bom. Maria Helena, vê se suas amigas querem alguma coisa antes de eu
pagar.<br />
– ALFREDO, VOCÊ FICOU MALUCO? ESSA CONTA JÁ TÁ UMA FORTUNA!<br />
– Nada, Maria Lúcia. Vai dar uns 50 conto, 60 conto. Quer apostar?<br />
– Alfredo...<br />
– QUEM QUER APOSTAR QUE MINHA CONTA NÃO VAI PASSAR DE 60 REAIS?<br />
– Cuidado, Pai. Você quase caiu da mesa.<br />
– SE DER MAIS QUE ISSO EU COLOCO A CAMISA DO GRÊMIO!<br />
– Alfredo, eu estou esperando no carro. Você tem cinco minutos pra pagar essa
conta.<br />
– QUER APOSTAR, MARIA LÚCIA? 60 CONTO! VAI, 70 COM O ANÃO! QUER APOSTAR?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><span style="mso-spacerun: yes;"> <br /><br /></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2AvnRzqtwP3PXM03Zn-Hg6jL00NWHGBiSmr-JkWvqEg3xc6eqJLyDbAB8KqUXgEdnvG1PgVQgKQvVGloCd7k_VOlZjZ8vvy4yAoXXQA-Uf2LTov0j5oRUmInNkIq5tyqGCxYNYg-HfX5acR92uin-cNqk_hiVaw3iZm5KvKnWrjGo9_d-d7E/s960/FnujUJdXgAAVVk4.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="960" data-original-width="725" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2AvnRzqtwP3PXM03Zn-Hg6jL00NWHGBiSmr-JkWvqEg3xc6eqJLyDbAB8KqUXgEdnvG1PgVQgKQvVGloCd7k_VOlZjZ8vvy4yAoXXQA-Uf2LTov0j5oRUmInNkIq5tyqGCxYNYg-HfX5acR92uin-cNqk_hiVaw3iZm5KvKnWrjGo9_d-d7E/w485-h640/FnujUJdXgAAVVk4.jpg" width="485" /></a></div><br /><br /><b>Nota</b>: essa crônica foi feita em cima dessa imagem acima, que está rolando pelo Twitter numa <a href="https://twitter.com/bicmuller/status/1620068062262349827">postagem da Bic Müller</a>. Pesquisei qual foi o Grenal que aconteceu nesse dia (foi 2 x 0 para o Grêmio). Aí foi só deixar tudo por conta do Alfredo.<o:p></o:p><p></p>Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-27567896463015671932023-01-17T16:51:00.005-03:002023-01-17T17:09:04.133-03:00Alta Ansiedade<p>Começa como um vento um pouco mais forte que você não sabe
de onde vem e antes que você consiga descobrir o vento se transformou em um
tufão que pega todos seus pensamentos e joga para o alto e embaralha tudo e você
fica apenas olhando como se fosse um coelho paralisado olhando para os faróis
do carro que se aproxima e aí você leva as mãos ao rosto e tenta respirar fundo
mas parece que tem 30 pessoas dentro da sua cabeça falando ao mesmo tempo cada
um sobre um assunto cada um num idioma diferente e você não sabe qual deles
escuta ou se escuta todos ou não escuta nenhum e você pede por favor para cada
um falar de uma vez mas a confusão é tão grande que você se torna apenas mais
um falando então você começa a tentar identificar o que cada um está dizendo e
parece que todos eles estão lhe trazendo algum problema e tudo o que você quer
é um pouco de silêncio mas como eles não calam a boca você tenta apanhar
pedaços de conversas suas com você mesmo que passam pelo seu cérebro para ver o
que consegue fazer com aquilo mas o problema é que cada problema pede uma
resolução que mais se parece com outro problema então você volta a olhar os faróis
do carro que se aproxima e sabe que precisa se mexer mas não consegue e começa a
se sentir culpado porque não está se mexendo e parece que todo mundo consegue
se mexer menos você e isso é outro problema que deixa você ainda mais congelado
e você começa a pensar o que pode ter de errado com você e se pergunta se caso cinco
anos atrás você tivesse virado à esquerda ao invés da direita sua vida não
seria totalmente diferente e não estaria passando por isso mas aí você se sente culpado também por não ter feito
essa escolha mesmo sabendo que aquele cruzamento de direita e esquerda sequer
lembra que você existe então o problema deve ser outro e todas as outras
pessoas começam a falar novamente na verdade elas nunca tinham parado era você que
estava apenas ouvindo somente algumas delas e tudo se torna ainda mais confuso porque agora elas não estão apenas falando sobre problemas mas sim cobrando
que você tome uma decisão agora e resolva isso de uma vez por todas mas tudo o
que você consegue fazer é ver mais uma vez os faróis do carro se aproximando e sem conseguir se mexer pede para que o carro não seja tão grande assim
ou apenas pegue você de raspão porque aí você vai ter escapado dessa paulada e
poderá esperar pela próxima mas se sente culpado novamente por não ter
conseguido desviar do carro e se sente culpado até mesmo por estar na estrada
onde o carro passa porque isso não devia acontecer e só acontece porque é culpa
sua então você precisa fazer algo a respeito mas não consegue porque aquela
multidão dentro da sua cabeça não cala a boca e todos têm o seu rosto e todos
têm sua voz e todos esperam que você faça algo mas ninguém diz o que você
precisa fazer e por um lado isso começa a parecer bom porque você acha que talvez nem mesmo fosse
conseguir fazer nada e se fizesse ia criar outro problema novo e com isso ganharia uma nova voz que
ficaria azucrinando sua cabeça e não deixando você pensar e de repente você percebe
que pensar um pouco sobre tudo é exatamente o que você precisa, mas quanto mais você pensa
mais aquelas pessoas cobram algo de você então você respira fundo e você fecha os
olhos e você se pergunta quanto tempo demora para ficar noite e você poder dormir porque
quando você dorme todas aquelas pessoas dormem também e param de falar e o
mundo fica em silêncio e você tem um pouco de paz, e quando você tem um pouco
de paz as coisas voltam a ter o tamanho real.</p><p><br /></p><p>mas aí você abre os olhos e os faróis do carro estão se
aproximando e você olha os faróis do carro e todo mundo começa a gritar e você tem coisa para fazer e olha os faróis do carro</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-1237026798017946242022-08-26T16:21:00.004-03:002022-08-26T16:21:29.919-03:00Erros de Digitação<p> Eu não concordo com você!</p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Espera. Você falou comigo?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Claro. Não se faça de desentendido.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Então usa o travessão!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Como assim?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Como eu vou saber se você está falando comigo se você não
usa o travessão?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não muda de assunto. O . é que eu não concordo com você?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– O o quê que você não concorda comigo?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– O o que o quê?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Repete o que você disse.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Eu não concordo com você.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não. A frase inteira.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– O ponto é que eu não concordo com você.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Você não disse ponto! Você colocou um ponto! Como você
quer que eu entenda?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não. Você que escutou errado.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Você não sabe se expressar!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não sei me expressar uma ,!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Você não sabe se expressar o quê?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Eu sei me expressar! Você que não presta atenção.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">- Não dá para entender o que você fala! <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Ah, é! Olha quem diz! Ao invés de colocar travessão, você
colocou hífen!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Espera! Foi erro de digitação!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Depois sou eu que faço isso!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Foi erro de digitação!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Outro dia eu estava conversando com seu ~, ele disse que
você sempre faz isso! Você inverte a discussão.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Quem?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Seu tio.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não foi isso que você disse.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Foi sim! Presta atenção em mim!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Ou você começa a prestar atenção em mim, ou eu vou embora.
Eu não vou avisar +.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não vai avisar quem?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Mais, Marco Antônio! Mais! Eu não vou avisar mais!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Pelo amor de Deus. Você fala desse jeito e espera que...
Desisto. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Ah! - Marco Antônio! -!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Menos porra nenhuma. Eu não consigo acompanhar. É /
entender você.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Olha lá! Fez de novo! De novo! Fazendo o que você fala que
eu faço! Todas as x você faz isso!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– ...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– O que é que você disse?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Nada. Estou só pensando.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Pensando o quê?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– ...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Pensando o quê, Marco Antônio? Responde,<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Ah, é que você não usou o travessão, então achei que... Deixa.
Esquece.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Eu vou embora.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Tá. Depois a gente conversa.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Tchau.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– ...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Onde você colocou as {, Marco Antônio?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Sei lá. Estavam com você.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não mente, Marco Antônio!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Estavam com você, Juliana!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Eu desisto! Você é = seu pai. Tchau!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Não coloca meu pai no meio!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Tchau, Marco Antônio!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Você é > que isso, Juliana! Não se rebaixa e coloca meu pai no meu
meio!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Vou pro bar. Tchau.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– ...<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Responde, Marco Antônio!<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">– Espera. Você falou comigo?<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p>Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-38492952856727427982019-07-12T17:54:00.002-03:002019-07-13T01:31:02.556-03:00Síndrome de Impostor<br />
<div class="MsoNormal">
O bar era no centro da cidade e semelhante a dezenas de
outros bares que parecem existir apenas no centro de cidades espalhadas pelo
Brasil. Sua decoração variava entre fotos de times campeões a cartazes antigos
de cervejas e a maior parte das mesas de metal, todas envelhecidas e mal conservadas,
estava ocupada por casais ou turma de amigos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como sempre, a última mesa, perto de uma geladeira que parecia
ser mais velha que alguns dos garçons, estava ocupada pelos três. Marcavam
presença ali pelo menos uma vez por semana há anos. Eram escritores – ou, pelo
menos, era assim que costumavam se apresentar – e o encontro no bar havia se
tornado uma espécie de ritual em suas vidas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nenhum dos três lembrava qual deles havia dado a ideia de frequentarem
aquele bar, mas todos se lembravam o objetivo dos encontros: buscar ideias para
histórias observando as pessoas das outras mesas ou, principalmente, captando
fragmentos de conversas que se espalhavam pelo ambiente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, a bem da verdade, material para transformar o bar num
laboratório de escrita havia de sobra. Como acontece em qualquer bar lotado,
bastava prestar atenção durante alguns instantes para constatar que promessas
de amor, pedaços de brigas e lamúrias de saudade flutuavam pelo lugar a noite
inteira.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Às vezes, uma gargalhada escapava alta demais e enchia o
bar, assustando esses trechos de histórias que pareciam correr para a rua ou se
esconder atrás do balcão. Mas, logo depois, o som da risada se diluía entre as
mesas e as conversas voltavam a aparecer, olhando com cuidado para os lados em
busca de sinais da gargalhada até, por fim, se sentirem à vontade o suficiente para preencher
o bar mais uma vez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, naquela noite, eles não estavam prestando atenção em
conversa alguma, pois conversavam apenas sobre a profissão. Já haviam falado
sobre falta de ideias, sobre técnicas de revisão e até mesmo truques para batizar
personagens. A cada assunto, mais garrafas de cerveja enchiam a mesa e, quando
Tracy Chapman começou a cantar Fast Car, o Primeiro inaugurou um novo assunto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“O problema é a Síndrome de Escritor.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na verdade, ele não queria inaugurar assunto algum; apenas
jogou a frase na mesa como um desabafo, sem grandes pretensões. Mas existem
frases que você não pode jogar numa mesa com escritores, especialmente se ela
estiver repleta de garrafas de cerveja. Assim, o Segundo não perdeu tempo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Nem fale. Eu sofro o tempo inteiro com isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas você não tem motivo”, devolveu o Primeiro. Ele levantou
o copo para beber mais um pouco, mas desistiu no meio do caminho. “Seus textos
são bons. Aliás, você parece melhorar a cada história nova que cria”,
acrescentou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso não é verdade”, disse o Segundo. “Você leu a última
que fiz? Da menina que se apaixona por um garoto depois de ver sua foto numa revista,
no meio de uma reportagem sobre a Europa? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não, não li esse”, mentiu o Primeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu demorei dias para escrever aquela história, porque eu
não sabia como terminá-la”, o Segundo explicou, enchendo o próprio copo e
depois os dos companheiros. “Na verdade, eu quase desisti dela no meio, mas acabei
criando um final qualquer, apenas para não deixar o texto incompleto.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como ninguém falou nada, ele continuou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Muita gente veio me cumprimentar, dizendo que adorou a história
e coisas assim. Me falaram que eu construí um retrato do isolamento da
sociedade atual, que eu criei um romance que é a cara do século 21...” Ele
pareceu pensar um pouco antes de continuar. “E tudo o que eu consigo pensar é que
não imaginei nada isso e que eu só queria escrever uma história de amor.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu sei como é isso”, disse o Primeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E, claro”, emendou o Segundo. “Fico torcendo para as
pessoas não perceberem que o final é horrível e não funciona. Porque é claro
que ele é horrível e que eu não sabia como terminar a história, mas as pessoas
não enxergaram isso”. Ele bebeu mais um pouco e pousou o copo na mesa. “Quer
dizer, não perceberam isso ainda. Elas vão perceber. Mais cedo ou mais tarde,
alguém vai ler o texto e descobrir que ele é horrível. E pronto. Aí acabou-se
tudo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu tenho certeza que isso vai acontecer comigo a qualquer
minuto”, disse o Primeiro. “Sinto isso toda vez que lanço uma história nova. As
pessoas vão descobrir que ela não presta. Aí alguém vai inventar de vasculhar
meus textos antigos e descobrir que todos eles são ridículos e mal escritos e
que eu não deveria nunca ter publicado nada.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É exatamente isso”, rebateu o Segundo. “Não é essa história
que é ruim. São todas. Um dia desses peguei uma história que lancei quatro,
cinco anos atrás. Não consegui passar da primeira página, de tanta vergonha.
Como as pessoas não percebem que eu nunca aprendi como começar histórias?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Você, eu não sei”, devolveu o Primeiro, depois de uma nova
golada. “Mas a minha sorte vai acabar um dia. Aliás, eu nem sinto mais medo
quando lanço uma história nova. Apenas espero a primeira crítica. Aquela que
vai mostrar para o mundo que eu sou uma farsa. E ela nunca veio, mas é questão
de tempo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Exato”, o Primeiro disse, com ar resignado. “Essa crítica,
aquela que vai acabar com tudo, está apenas esperando para acontecer. E aí
vamos ver que era tudo mentira. Os prêmios, os elogios... O mundo vai perceber
que nada disso deveria ter acontecido.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tracy Chapman acabou de cantar e ambos ficaram em silêncio
junto com ela, cada um imaginando o seu próprio cenário apocalíptico e quanto
tempo – ou melhor, quantos textos – iria demorar até isso acontecer. O Segundo
já estava se imaginando na cadeia acusado de fraude quando o Terceiro, que
estava quieto até então, jogou a bomba.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu não sinto isso”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não?”, perguntou o Primeiro. “Você gosta dos textos que
escreve?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Gosto”, ele disse. “Eu leio e vejo que eles são bons. Eu
vejo ritmo, humor na medida certa... E acho que meus personagens são bem construídos.
Claro, eu tento melhorar o tempo todo, mas... Enfim, quando alguém vem me dar
os parabéns, eu agradeço. Me sinto como se eu merecesse”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Silêncio. Os pedaços de conversas de amor e brigas
continuavam passando ao redor da mesa mas ninguém prestava atenção neles. Os
primeiros acordes de uma nova música começaram a tocar no bar e o Primeiro achou
que era Cranberries, mas não teve certeza e deixou isso de lado, porque estava
mais concentrado prestando atenção no Terceiro, que abaixou os olhos em direção
à mesa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De repente, uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ele falou,
talvez mais alto do que planejara:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vocês têm noção do quanto isso é difícil? De ler meus
textos e não ver defeito nenhum? Vocês sabem como eu me sinto vendo que todo
escritor que eu conheço, inclusive vocês, sofre de Síndrome de Impostor e eu
não?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os outros não sabiam o que responder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu sou a maior mentira de todas!”, ele disse, ainda mais
alto e com uma nova lágrima molhando seu rosto. “Vocês começam a falar que suas
histórias são ruins, que vão ser desmascarados em breve... E eu morro de vergonha!
Vocês fazem ideia de quantas vezes eu reli meus textos para encontrar defeitos?
Eu já cheguei até mesmo a tentar produzir histórias mal escritas de
propósito... Mas não consegui!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E desatou a chorar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A música realmente era Cranberries. E quando a letra começou
a ser tocada, o Terceiro ainda deixou escapar, entre lágrimas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu queria muito sentir isso que vocês sentem. Eu queria, de
verdade, me achar um escritor de merda, para poder me sentir um escritor de verdade.
Mas eu não consigo. Eu simplesmente não consigo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Uma gargalhada explodiu em outro canto do bar, dominando
completamente o ambiente. Por isso quase ninguém ouviu quando o Terceiro finalmente
concluiu.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu sou um fracasso. Eu sou o maior fracasso de todos”.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<br />Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-47352572780526249582017-04-19T13:53:00.004-03:002017-04-19T14:08:37.086-03:00O Pedido do Cliente<div class="MsoNormal">
O redator bebeu um gole de café e olhou pela janela, vendo os
painéis estampados com o rosto do Líder Supremo na rua. Tudo indicava que seria
um dia normal na agência. Todos os trabalhos estavam entregues de acordo com o
briefing e ele poderia passar o dia colocando os e-mails em dia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele ainda não havia terminado seu café quando viu a executiva
de atendimento entrando na sala e caminhando apressada em sua direção. O
redator sabia que isso significava problemas. Mas decidiu não tentar adivinhar
qual seria o assunto e esperou que ela falasse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O cliente pediu algumas refações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O redator suspirou e olhou pela janela. Pelo menos nos painéis,
o cliente não parecia estar preocupado com refações. Estava olhando para o
alto, como quem olha para o futuro, de forma grandiosa e sorridente. Um sujeito
com um sorriso daqueles jamais pediria refações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por outro lado, um sujeito que sorria assim jamais pediria
aquele tipo de trabalho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Quais refações?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– A maior delas é no vídeo. O cliente adorou a peça, mas
acha que falta algo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não falta nada. O briefing era mostrar os Estados Unidos
destruídos. Isso está no vídeo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que tal a Casa Branca?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Nós conversamos sobre isso. Isso ia ficar parecido com
Independence Day. As pessoas iam fazer piadas e a ideia é fazer com que elas sintam
medo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Fale mais baixo. Ninguém pode saber que a gente viu esse
filme para fazer a pesquisa. A amiga da minha irmã que conseguiu o DVD está
desaparecida faz uma semana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mesmo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim. Olha, não precisa ser a Casa Branca, mas algum
monumento. Algo que as pessoas conheçam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Tem a bandeira pegando fogo. As pessoas não conhecem a
bandeira?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas ele quer mais destruição. Disse que pode aumentar o
orçamento, desde que tenha algo famoso sendo destruído.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom... A Casa Branca não ia funcionar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E Nova York?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O que tem Nova York?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Nova York não é conhecida?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Acho que sim. Mas Nova York não foi explodida pelo pessoal
do Oriente Médio?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu acho que não explodiram a cidade inteira. Só um bairro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha, assim fica difícil. Eu posso mostrar o que o cliente
quiser, mas eu preciso entrar na internet para pesquisar as coisas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. Nós não temos autorização.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu não posso explodir um país sem saber o que tem no país.
Imagine que vergonha seria se o vídeo mostrasse os Estados Unidos sendo
destruídos, e aí tem uma imagem daquela torre na Itália.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– A torre fica na Itália? Eu achei que ficasse na França.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu não sei. E se eu abrir a internet para procurar isso,
eu sou morto. Ele não pode dizer especificamente o que ele quer que a gente
exploda no vídeo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. Ele disse só “uma cidade americana”. E se você
procurar algo no banco de imagens?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O banco de imagens só tem foto do Líder Supremo e da sua
família!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom, eu vou ver o que eu faço aqui.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo. Ah, ele também quer bombas maiores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Maiores? Mas as que eu coloquei têm quase cinquenta
metros!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ele quer uma de trezentos metros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Trezentos metros?!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas isso existe?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom, vai estar no vídeo. E se vai estar no vídeo, é porque
existe. Ou, pelo menos, o mundo vai achar que existe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo. Mas, e olha, desculpe eu ser chato, mas não adianta
nada a gente ter uma bomba desse tamanho no vídeo e mostrar a cidade errada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim. Eu concordo. Confio em você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Acho que a estátua da Liberdade fica lá.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Nos Estados Unidos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Ela fica perto de uma praia, mas acho que é ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Uma estátua perto da praia? Isso não é o Cristo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que Cristo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aquele Jesus com os braços abertos. Isso fica perto da
praia também.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não conheço isso. Mas, se é Jesus, deve ficar no Vaticano,
ali na França.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Na Itália.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Pode ser. Bom, vamos lá. Mostrar uma cidade. Bombas
maiores. Que mais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Acho que é só. Ah! Ele quer uma família sul-coreana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Oi?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É. No meio da explosão. Ele quer uma família sul-coreana
ali no meio da destruição.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas fazendo o quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sei lá. Pegando fogo. Morrendo. Essas coisas que as
pessoas fazem quando bombas caem em cima delas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas como eu vou colocar uma família sul-coreana no meio
dos Estados Unidos? Como as pessoas vão saber que eles são sul-coreanos? Isso
não tem como ser feito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom, se você não colocar um vídeo com os sul-coreanos, é
bem capaz de sermos eu e você vestidos como sul-coreanos no lugar que a bomba
explodir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas o problema é que... Espere! A bomba vai explodir
mesmo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– A bomba vai explodir no vídeo. E se ela vai explodir no
vídeo...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É porque vai explodir de verdade. Eu sei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então é bom você colocar alguns sul-coreanos ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo. Vou ver o que eu faço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Consegue o novo roteiro até a hora do almoço?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Acho que sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O redator jogou o copo de café no cesto do lixo ao lado da
mesa. Abriu o roteiro, pensando qual pedaço dos Estados Unidos poderia explodir
quando a Executiva de Atendimento, já perto da porta, olhou de volta para ele e
gritou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, quase esqueci! Ele quer encerrar mostrando as nossas
tropas marchando numa cidade americana! Mostrando as ruas e o povo americano completamente
entregue!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O redator olhou de volta para ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu não sei nem o lugar que vou explodir! Como eu vou
arrumar uma cidade inteira? Que cidade ele quer? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Vê se consegue algo até a hora do almoço?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O redator suspirou. Pensou em arrumar as coisas e ir embora,
mas mudou de ideia quando olhou para o lado e viu a cadeira vazia. Lembrou-se
do diretor de arte que se sentava ali. Havia desaparecido há dois anos, depois de ter afirmado que um briefing do cliente era irrealizável. A cadeira continuava
ali, na agência, como exemplo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Respirou fundo e olhou pela janela, em busca de inspiração.
O Líder Supremo continua ali, olhando para o futuro. E sorrindo.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://4.bp.blogspot.com/-aL370is3mlQ/WPeZI-mOObI/AAAAAAAABOs/nSQKKBhsFIsOOs_SWs5c-5lRPjihZ09gQCLcB/s1600/Inspiracao%2B-%2Bcapa%2Btitulo%2Bfinal%2B72dpi.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://4.bp.blogspot.com/-aL370is3mlQ/WPeZI-mOObI/AAAAAAAABOs/nSQKKBhsFIsOOs_SWs5c-5lRPjihZ09gQCLcB/s320/Inspiracao%2B-%2Bcapa%2Btitulo%2Bfinal%2B72dpi.jpg" width="200" /></a></div>
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</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-26184186474034453142017-02-17T00:59:00.000-03:002017-02-17T00:59:05.049-03:00Gravidade<div class="MsoNormal">
Sentiu um risco gelado escorregando pela lateral do seu
rosto e fechou os olhos para enxergar o que não via quando a pequena gota passou
pela sua têmpora no lugar que ela tocava seus cabelos quando estava prestes a
dormir e em vão tentou abrir os olhos quando descobriu que a gota estava agora em
seu rosto refazendo o mesmo caminho da lágrima que ele deixara cair na
madrugada em que ela mandou uma mensagem dizendo que não podia mais ir e em
suas memórias ainda estava esperando por ela quando a gota correu para o canto
da boca dançando no lugar que ela o beijara pela primeira vez e fazendo com que
ele pensasse durante quase uma hora se aquele beijo tinha sido um acidente ou
uma promessa e ainda não sabia ao certo a resposta quando a gota pendurou-se em
seu queixo ameaçando desafiar a gravidade eternamente e fazendo com que ele
sorrisse um sorriso amargo ao se lembrar de que um dia também havia pensado que
nunca cairia mas quando a gota escapou do seu queixo apenas para lhe mostrar
que o “para sempre” era sempre uma ilusão e flutuou no ar ele flutuou em seu
próprio céu de lembranças especialmente aquela do primeiro beijo roubado no canto
escondido atrás da porta mas não escondido o suficiente para que ele não
tivesse certeza naquele momento de que se afogaria de saudade antes mesmo do
primeiro beijo acabar e se tornar uma lembrança mas a memória finalmente se
dissolveu levando com ela o sabor daquele beijo quando ele abriu os olhos e viu
a gota de suor estatelada no chão esquecida como uma morte que vira estatística
no jornal e não conseguiu fugir da lembrança da primeira noite que haviam
passado juntos e que quando seu nome virou os gemidos que ela louvou a gota de
suor que havia descido pelo seu rosto naquela madrugada quente não havia
terminado no chão e sim se acolhido discretamente na pele dela deixando
tatuado em água e sal toda a felicidade que ele sentia mas agora ao olhar novamente
a gota de suor no chão decidiu que
talvez fosse hora de parar de pensar nisso porque a gota aos seus pés não
estava na pele dela o calor da noite não era mais deles e a gota que estava
diante de si perfeitamente redonda insistia em olhar para ele como um ponto final.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Respirou fundo e decidiu que era melhor transpirar dentro de
casa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Longe do calor.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Longe das memórias.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-77809232725164953752016-12-24T16:35:00.000-03:002016-12-24T18:31:25.353-03:00O Homem que Pulou o Natal<div class="MsoNormal">
Eram nove e pouco da manhã quando ele se sentou na cama e
esfregou os olhos para espantar o sono. Minutos depois, tomava café
na cozinha tipicamente silenciosa de uma casa onde não há ninguém com quem conversar.
Enquanto bebia seu café, pensou no dia que teria pela frente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era vinte e quatro de dezembro e ele, como sempre, havia
deixado o presente dos seus pais para a última hora. Ao pensar nas lojas
abarrotadas de gente, teve vontade de desistir. Poderia aparecer sem presentes,
inventando alguma desculpa para isso. Mas logo afastou essa ideia da sua
cabeça. Precisava dar presentes. Era o que se esperava dele. Era o que se
esperava de todo mundo num dia como aquele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enquanto trocava de roupa, seu humor piorou. Tentou se
convencer de que se sentia dessa forma por precisar enfrentar as lojas, mas
sabia que não era esse o motivo. Na verdade, ele apenas não gostava do Natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ou melhor, não via muito sentido no Natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando era criança, adorava o Natal. Assim que a folhinha da
cozinha da casa da sua mãe mostrava que estavam no mês de dezembro, ele
começava a sentir uma ansiedade que parecia ter se acumulado secretamente
durante o ano inteiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, no dia do Natal, essa ansiedade se transformava em amor e
explodia quando ele descobria a mesa arrumada, os enfeites pendurados na casa,
os embrulhos coloridos. Aos poucos, seus tios e primos e avós começariam a
chegar. E ele adorava as risadas e as brincadeiras que todos faziam entre si,
falando com a boca cheia, derrubando bebida...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, à meia noite todos se abraçavam. Ele não entendia direito
porque todo mundo começava a fazer isso ao mesmo tempo, e também não compreendia
porque sua avó ficava com os olhos molhados nessa hora. Mas ela parecia feliz e
ele adorava aquilo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Porém, isso tudo parecia ter se acabado junto com sua
infância. Conforme os anos foram mudando no calendário, ele também foi mudando.
Aos poucos, começou a perceber que toda essa magia existia apenas nos seus
olhos de criança. Agora, enxergando o mundo com olhos adultos, começou a ver aquilo
de outra forma.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos iriam trocar presentes que não precisavam. Todos iriam
jantar lembrando as mesmas histórias do passado. Todos iriam se abraçar à meia
noite, desejando feliz Natal por que... Bem, porque é isso que se faz à
meia-noite. Tinha a sensação que as pessoas desejavam feliz Natal para os
outros porque eram obrigadas a isso. Eram obrigadas a participar da ceia com
suas famílias. Eram obrigadas a trocar presentes.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Afinal, era isso que se esperava delas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E ele mesmo não se sentia diferente da forma que enxergava as
outras pessoas. Fazia tudo isso porque era o que esperavam que ele fizesse. Para
ele (e, como ele acreditava, para qualquer adulto normal), o Natal havia se
tornado apenas um dia como outro qualquer, cuja única diferença era ser repleto
de tarefas e protocolos. Era uma obrigação anual, uma espécie de burocracia que
precisava ser enfrentada. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo perdido escolhendo a roupa que usar na festa, a ceia
temperada com as mesmas conversas de sempre, os sorrisos de quem recebia
presentes que não precisava, o fingimento de quem dava presentes escolhidos
apenas para ir embora do shopping, os abraços de pessoas que mal se falavam
durante o ano inteiro... <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No que dependesse dele, todos poderiam ficar em suas casas.
Poderiam apenas trocar um telefonema desejando Feliz Natal. Seria mais fácil,
mais prático. E mais sincero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas tentou não pensar nisso quando saiu de casa planejando seu
dia. Passaria na padaria e compraria um maço de cigarros. Depois, rodaria as
lojas procurando os presentes para seus pais – de preferência coisas que não
custassem muito, mas que não aparentassem ser muito baratos. Por fim, voltaria
para a padaria e comeria qualquer coisa ali mesmo; ao final da tarde, criaria
coragem e rumaria para a casa dos pais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Entrou na padaria e comprou os cigarros. Ao lembrar que
pretendia almoçar ali, perguntou para o menino que estava no caixa que horas
eles iriam fechar as portas. Era um garoto de vinte e poucos anos.
Provavelmente filho de um dos donos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Hoje trabalhamos no horário normal”, respondeu o garoto,
estranhando a pergunta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas todo ano vocês fecham mais cedo”. Ele achou que o
menino não tinha entendido sua pergunta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Nós fechamos mais cedo nos dias vinte e quatro e trinta e
um, e não abrimos no dia vinte e cinco e no dia primeiro”, explicou o garoto.
“Hoje, nós fechamos no horário normal”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pensou em dizer ao menino que isso não fazia sentido, já que
estavam no dia vinte e quatro, mas viu a fila crescendo atrás de si e mudou de
ideia. Enquanto guardava o cigarro no bolso, perguntou, tentando – e não
conseguindo – soar o mais casual possível.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Desculpe... Que dia é hoje mesmo?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vinte e seis”, respondeu o menino, chamando o próximo da
fila.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele saiu da padaria achando que tinha entendido errado e
puxou o celular do bolso. Conferiu a data. Vinte e seis de dezembro. Algo devia
estar errado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Parou na banca ao lado da padaria e olhou os jornais
expostos. Todos eles traziam a data de vinte e seis de dezembro. Uma das
manchetes falava sobre como o trânsito das estradas devia aumentar agora que o Natal
passara.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não fazia sentido. Ele lembrava claramente do dia anterior,
e tinha certeza que o dia anterior tinha sido 23 de dezembro. Havia até mesmo
comprado alguns presentes durante a tarde. Não lembrava exatamente dos
presentes, porque ele nunca lembrava exatamente dos presentes que comprava, mas
tinha certeza de ter comprado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Voltou apressado para casa e foi até o quarto. Respirou,
aliviado, ao ver as sacolas ali. O garoto da padaria devia ter se confundido. O
seu celular... Bem, talvez algum defeito pudesse ter mudado a data. Sim, só podia
ser isso. Mas e os jornais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ligou o computador e conferiu a data. Vinte e seis de
dezembro. Abriu um portal de notícias e viu a mesma data e encontrou uma
reportagem com fotos mostrando a celebração do Natal nas principais cidades do
mundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E ele não havia visto nada disso. Aparentemente, os dias
vinte e quatro e vinte e cinco de dezembro existiram normalmente, menos
para ele. O mundo inteiro teve um Natal normal, e ele... Bem, ele não teve
nada. Foi dormir no dia vinte e três e acordou no dia vinte e seis. E sabia que
não havia dormido dois dias inteiros, porque, antes mesmo de pensar sobre essa
ideia, ela já lhe pareceu ridícula. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A única coisa que sabia é que perdera dois dias da sua
vida. Não os tinha “desperdiçado”, e sim “perdido”. Era como se eles não
existissem. Ou melhor, era como se ele não existisse nesses dias. Não tinha
recordações de nada das últimas quarenta e oito horas. Sabia apenas que não
tinha passado o Natal com sua família. Afinal, se tivesse ido até a casa dos
seus pais – mesmo sem se lembrar disso – as sacolas de presentes não estariam
mais ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O problema não era com sua memória. O problema é que dois
dias inteiros haviam desaparecido. E não eram dias comuns, mas sim o Natal e
sua véspera. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E isso tornava tudo ainda pior. Afinal, se isso acontecesse
em outra semana ou outro mês, talvez ninguém nem fosse reparar na sua ausência.
Mas o Natal? Como iria explicar seu sumiço para seus pais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Até onde ele conseguia entender, todos deveriam estar
achando que ele simplesmente não havia aparecido na festa de Natal da sua
família. E, pior, ele não saberia nem mesmo explicar o motivo. Metade dos seus
parentes devia estar morrendo de preocupação, e a outra metade ofendida. Mas
por que não tinha nenhuma mensagem no seu celular? Nenhuma ligação? Ninguém
teria ficado preocupado com ele? O que tinha acontecido nos dois últimos dias?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Só existia um jeito de saber. Respirou fundo e ligou para a
casa dos pais. Quando ouviu a voz da mãe, se preparou para pedir desculpas e
pensou que encontrar alguma forma de enrolá-la até achar um meio de justificar
sua ausência. Mas ela foi mais rápida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como você foi de viagem?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Oi? Viagem?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sua viagem. Foi tudo bem?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele não se lembrava de viagem alguma, e isso poderia ser
acrescentado à lista de coisas que ele não conseguia explicar. Assim, sem muita
escolha, resolveu dançar conforme a música e disse que tudo correra como
planejado. Afinal, algo lhe dizia que a única alternativa faria com que fosse
chamado louco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Que horas você chega aqui? Lá pelo meio-dia?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele disse que sim, tentando usar um tom de voz que não
mostrasse que algo estava errado com ele. Ao mesmo tempo, decidiu que não iria
falar nada até entender o mistério. Com sorte, na casa dos seus pais, algo lhe
daria alguma pista do que havia acontecido nos últimos dias. Assim pegou um
táxi e, na hora marcada, entrou na casa dos pais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi imediatamente beijado pela mãe, abraçado pelo pai e
levado a uma mesa com sobras e mais sobras de uma enorme ceia. Logo, tinha com
um prato enorme na frente. Ele comia junto com seus pais, que perguntaram mais
uma vez sobre sua viagem. Ele respondeu qualquer coisa e ficou aliviado quando
eles mudaram de assunto. Na verdade, ele queria falar mais sobre a viagem para
descobrir alguma coisa, mas seus pais pareciam querer falar mesmo sobre o Natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E contaram para ele como havia sido a festa. Falaram o que
tinham comido e bebido, riram ao se lembrar das piadas e brincadeiras e das
gargalhadas. Pelo que ele podia ouvir, tinha sido um Natal exatamente igual ao
dos anos anteriores. Mas sua mãe não conseguiu disfarçar que, em nesse mar de
felicidade, existia uma pequena ilha de tristeza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não foi a mesma coisa sem você aqui”, ela disse, segurando
sua mão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mãe, eu...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Todos nós nos lembramos de você o tempo inteiro”, seu pai interrompeu.
“O Natal não é o Natal sem você aqui.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele olhou para o pai, de volta para a mãe e de volta para o
pai.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu sei, mas é que... Olhem... Eu não sei direito como falar
isso, mas...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Meu filho, você não precisa explicar”, seu pai interrompeu.
“Nós sabemos que essa viagem não foi escolha sua, foi coisa do seu trabalho, e
que você preferia estar aqui junto com a gente”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele nunca viajava a trabalho. E nunca ouviu falar de
alguém que viajasse a trabalho no Natal. Pensou em perguntar ao pai com o que
ele trabalhava, mesmo que fosse para ver que isso continuava inalterado, mas achou
melhor ficar quieto, e esperou eles continuarem. Mas nenhum dos dois falou algo.
Ao invés disso, sua mãe se levantou e caminhou em sua direção. E, sorrindo, o
abraçou como se não o visse há anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<o:p> </o:p> </div>
<div class="MsoNormal">
“O Natal está começando de verdade agora que você está
aqui”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sem saber o que dizer, ele abraçou a mãe de volta ao mesmo
tempo em que ouviu a campainha tocar. Fez menção de escapar do abraço, mas sua
mãe resistiu. E ele desistiu ao ouvir seu pai sair da mesa dizendo que “deixem
que eu atendo”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ainda estava preso nos braços e no sorriso da mãe quando
ouviu os gritos. Reconheceu a voz de um dos seus tios. Depois, a risada do
primo. Antes que entendesse o que estava acontecendo, sua cozinha foi invadida
por todos os parentes, que gritavam seu nome e vinham abraçá-lo, fazendo festa
para ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sua mãe beijou seu rosto e abriu espaço para ele.
Levantou-se e abraçou todos, sem entender direito o que faziam ali. Logo
ficou claro que o Natal na casa dos seus pais não havia sido o mesmo Natal de
sempre. Pois ele não estava ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Nós fizemos a ceia para a data não passar em branco”,
explicou sua mãe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E para a comida não estragar”, gritou seu tio, fazendo
todos rirem. Sua mãe continuou: “Mas não trocamos presentes nem desejamos feliz
Natal uns aos outros na meia-noite.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele olhou para todos genuinamente intrigado. E não encontrou
nenhuma reposta. Apenas sorrisos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como assim?”,
finalmente perguntou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não seria a mesma coisa sem você”, respondeu seu pai.
“Então nós decidimos transferir o Natal da nossa família para hoje. E fizemos
essa surpresa para você”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele se levantou, ainda tentando entender aquilo. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas o Natal é dia vinte e quatro. Não sei se alguém pode simplesmente
mudar...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Bobagem”, sua mãe respondeu. “O Natal não é dia vinte e
quatro, nem dia vinte e cinco”. Então, o olhou diretamente nos olhos. “O Natal
é quando estamos todos juntos. O Natal é quando estamos felizes por termos uns
aos outros”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele sentiu seu peito apertar, ao perceber que sua mãe ainda
enxergava o Natal da mesma forma que ele fazia quando era criança e não sabia
definir porque gostava tanto daquele dia. Na verdade, percebeu que todos seus
parentes ainda enxergavam o Natal assim. Sim, trocar presentes, reunir a
família, desejar Feliz Natal... Tudo isso era o que se esperava deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas eles não faziam isso porque era o que se esperava. Eles
faziam isso porque queriam. Porque era a forma deles demonstrarem “que mais um
ano se passou, e estaremos juntos mais um ano. E somos felizes com isso”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Para ele, aquele foi o melhor Natal em anos. Não o deixaram
explicar que estava sem presentes e logo a casa foi tomada por risadas e gritos
e abraços e copos de bebida derrubados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele logo parou de se preocupar com o que havia acontecido
com os últimos dias ou com a suposta viagem tinha feito. Mas não porque esquecera o assunto ou se convencido de que nunca encontraria uma explicação, e
sim porque ficou tão envolvido em ficar junto com sua família que não encontrava espaço para mais nada. E na terceira vez que ele riu gostoso ao ouvir seu tio
relembrando uma história de sua avó que ele conhecia de cor, desistiu de tentar
entender.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A família inteira se abraçou, com todos desejando Feliz Natal
para todos, no meio da tarde. E, pela primeira vez em anos, ele entregou cada
abraço o mais forte que conseguiu, realmente desejando que cada uma daquelas
pessoas tivesse um Natal feliz. Mas, ao se livrar do último abraço, teve a
sensação de ver algo diferente ao lado da árvore. Olhou rapidamente nessa
direção. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E lá estava ele mesmo. Ainda era menino e não tinha mais que
cinco anos. Seus olhos brilhavam enquanto observava sua família inteira se
abraçando. O garoto parecia encantado, e sorria como se percebesse, pela primeira
vez, que aquelas pessoas emanavam amor. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assustado, piscou os olhos e o menininho não estava mais ali.
Passou a mão pelo rosto e descobriu seus olhos molhados, exatamente
como ficavam os olhos da sua avó quando todos se abraçavam na noite de Natal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando a noite caiu, ele, já em casa, não lembrava mais dos
dias que haviam sumido. Pensava apenas na tarde que tinha vivido. E assim, caiu
num sono profundo e, apesar de não se lembrar disso quando acordou, sonhou com
a avó e com o menininho ao lado da árvore.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: center;">
---------<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
No dia seguinte, acordou e decidiu dar uma volta. A cidade devia
estar começando a ficar vazia para o Ano Novo, talvez ele arriscasse um cinema.
Mas, antes, precisava de cigarros. Assim, foi até a padaria e pediu um maço. Tirou
o dinheiro do bolso e entregou ao menino da padaria, que o agradeceu e disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Caso você precise de algo mais, lembre-se que hoje fechamos
às dezoito horas.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“OI?”, ele disse, sem disfarçar seu espanto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Hoje, dia vinte e quatro, nós fechamos no fim da tarde.
Amanhã, dia vinte e cinco, nós não abriremos”, o garoto respondeu casualmente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele virou-se para a porta da rua, como se fosse sair da
padaria, mas parou no meio do caminho. Estava
de novo no dia vinte e quatro. Ainda não entendia o que havia acontecido, e
provavelmente nunca iria entender. Sabia que não tinha sonhado aquilo, pois usava a camiseta que sua tia lhe dera de presente no dia
anterior... Mas, de alguma forma, os dois dias perdidos estavam de
volta. Ou talvez nunca tivesse perdido dia nenhum. Não sabia. Não sabia e
desistiu de entender.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Apenas respirou fundo e, com um sorriso nos lábios, concluiu
para si mesmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Hoje é Natal”, falou baixinho. Não percebeu que usou o mesmo tom de voz de quando tinha cinco anos de idade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“O Natal não é um dia”, ouviu o menino do caixa da padaria
falando para ele. “O Natal é um espírito. Se você carrega verdadeiramente esse
espírito dentro de você, todo dia é Natal”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assustado, ele olhou de volta para o caixa, apenas para
encontrar o menino ocupado, conversando com outro cliente. O garoto claramente nem
percebia mais sua presença ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele sorriu de novo ao perceber que certas coisas não se
compreendem. Elas apenas se vivem. E o Natal é uma delas. E saiu pela rua, para
comprar os presentes dos seus pais, disposto a comprar alguma coisa que
mostrasse a eles o quanto ele os amava. E mesmo se não encontrasse nada, não
tinha problema. Ele queria apenas ir para a casa dos seus pais e ver sua família. Ele queria apenas que o Natal chegasse logo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, feito
criança, queria que o Natal não acabasse nunca.</div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
<b><br /></b></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div style="text-align: right;">
<b><br /></b></div>
<div style="text-align: right;">
<b>(Que você e sua
família tenham um excelente Natal...</b></div>
<b></b><br />
<div style="text-align: right;">
<b><b>Um Natal daqueles que não acabam nunca.)</b></b></div>
<b>
</b>Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com27tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-37386124060720779162016-11-09T23:26:00.000-03:002016-11-09T23:26:09.054-03:00Gritos<div class="MsoNormal">
Era um saguão de aeroporto. E como todo lugar onde pessoas
partem, era recheado de despedidas impossíveis de ser adiadas e abraçados de
reencontro desejados. Eles eram os únicos que se reencontraram por acaso. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A mala dele bateu nas pernas dela – ou as pernas dela
dançaram com sua mala – e um pediu desculpa para o outro. E se viram pela
primeira vez em anos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Haviam crescido no mesmo prédio, em meio a uma enorme turma
que, como toda turma de amigos, deveria ser para sempre. Mas não foi. As
brincadeiras de infância que se tornaram paixões adolescentes acabaram sumindo
na poeira de caminhos que não se escolhem. Dos amigos eternos, sobraram apenas lembranças
doces de um tempo em que os dias eram maiores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele, solitário, havia desembarcado tentando ignorar que não
tinha para quem ligar e dizer que havia chegado bem. Tinha a impressão que esse
vazio o acompanharia em todas as viagens, num canto da mala. Ela, anestesiada,
tinha se despedido do marido que viajou a trabalho tentando driblar da sensação
de que se sentia mais feliz quando estava sozinha. Não era a primeira vez que sentia
isso, mas não queria pensar a respeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas não pensaram nisso quando se abraçaram de forma
desajeitada. Muito do abraço era saudade, mas havia pitadas de impulso e um
pouco de vontade de voltar para as noites de verão do prédio, quando sentiam
que ainda tinham muitos caminhos pela frente. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os cabelos dela estavam mais curtos do que ele lembrava. O
rosto dele tinha linhas que ela não conhecia. Mas com a proximidade o sorriso logo voltou a
ser o mesmo de anos antes. Depois do como você está e o que está fazendo aqui,
a sugestão: vamos tomar um café. Ainda não jantei. Novo sorriso. Podemos ir
comer algo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Depois de dezessete anos e vinte e um minutos, estavam no
bar do hotel ao lado do aeroporto. O primeiro gole teve sabor de me conta como
anda sua vida, o segundo desceu confortável com você tem visto as pessoas do
prédio e o terceiro, mais ardido, deixou a sensação de como o tempo passa. A
cada gole, os sorrisos se abriam em busca de um passado. E de esquecer o presente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu era apaixonado por você”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A frase saiu exatamente entre a brincadeira e o desabafo,
sem saber para qual lado seguir. Ele tentou se convencer que ela havia escapado
sem querer, mas não era verdade. Desde o segundo gole estava pensando nisso.
Torceu para ela levar na brincadeira, mas ela apenas o olhou. E, fitando os
olhos dele em busca do garoto do sexto andar, ela pensou que se ainda fosse
menina, seus olhos teriam imediatamente fugido dos dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu nunca soube disso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sempre fui. Apenas não tive coragem de falar”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O bar estava quase vazio. Numa mesa perto da janela, um casal
tentava se conhecer. No balcão, um homem tentava esquecer que se conhecia. Eles
eram sortudos. Conheciam um ao outro e, ao mesmo tempo, tudo parecia novo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Exatamente como nas noites de verão do prédio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Acho que nunca deixei de ser.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ela odiava a palavra “nunca”, mas não comentou isso. Na
verdade, não disse nada. Apenas deixou seus olhos explodirem em sorriso – e ele
sorriu de volta ao perceber que ela ainda os apertava quando estava feliz,
exatamente como ele se lembrava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sorrindo, refugiaram-se no passado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sorrindo, se esconderam do apartamento vazio e do casamento
que foi um erro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sorrindo, estavam no quarto do hotel. Ele sentado na cama
aninhado no cheiro dela. Ela sentada sobre ele, dançando ao redor de sonhos e
memórias. Os beijos funcionavam como pontes entre as memórias dele – aquela tarde
na sorveteria, o dia em que a viu beijar outro sujeito numa festa, a ocasião em
que conversaram até de madrugada – e para os devaneios dela – e se ainda fosse
solteira, e se nunca tivesse se casado, e se tivesse se casado com ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele gemia de saudade e ela de libertação. A mulher abraçava
um garoto que sonhava com ela há anos, e ele abraçava a mulher que o tornaria o
garoto que ele havia sido em homem. Os beijos rodopiavam ao redor da paixão de adolescência
dele e o prazer de ser a mulher mais desejada do mundo naquele momento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Em um determinado momento, a ponta do seio dela deslizou
pelo seu rosto e ele imediatamente soube que jamais esqueceria aquele pequeno momento.
E estava certo. Ela, porém, quando abriu os olhos rapidamente e encontrou uma
gota de suor descendo pelo ombro dele, achou poético, mas perdeu essa memória
dois gemidos depois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Na estrada, os carros passavam sem imaginar o que acontecia
na janela do terceiro andar do hotel que estava acesa. Mal olhavam para ela, na
verdade. E, se olhassem, jamais imaginariam que um menino estava concretizando
sua paixão e se transformando em homem, e que uma mulher havia sido promovida,
pelo acaso, ao posto de rainha de um homem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, se tivessem prestado atenção, algum motorista teria
ouvido o grito. Afinal, foi um grito de décadas esperando para berrar o nome
dela, e o grito de prazer de uma mulher que tinha a certeza que seu nome nunca
mais seria gritado e descobriu estar errada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foram gritos de dezessete anos. Foram gritos de uma vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E aconteceu ali ao lado do aeroporto, num hotel daqueles que
a gente não guarda o nome. Mas foi numa noite de verão. Isso, nenhum dos dois
esqueceria.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(E sim, eles ainda estão lá. Caso você passe pela estrada,
procure a janela acesa no terceiro andar.)</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-90487408204203518152016-08-18T02:18:00.004-03:002016-08-18T21:13:43.828-03:00Aguaceiro<div class="MsoNormal">
Sentado ao lado da janela, ele contou as lágrimas que caíam
do céu inundando a rua de tristeza. Sentiu o cheiro da água que inundou o
espaço entre prédios com poucas luzes acesas e viu o semblante de memórias iluminado
rapidamente por um relâmpago. E fechou os olhos ao som do trovão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ela havia voltado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Seu corpo dançava sobre o dele feito tempestade, mudando de direção
com o vento de sua respiração. Seus olhos precipitaram-se sobre os dele
deixando garoar um sorriso que parecia encharcá-lo sem que ele percebesse. Molhado,
ouviu o sussurro de seu nome num som distante que parecia cair nos telhados
atrapalhando o sono dos vizinhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O cheiro de suor invadiu o espaço entre passado e presente,
misturando recordações com desejos. Um relâmpago mostrou a silhueta dela sobre
seu corpo, outro entregou que a sala estava vazia de amor. Com medo, fechou os
olhos e segurou a lembrança pela cintura, pedindo para que aquilo nunca
acabasse – exatamente como havia feito pouco antes de acabar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não entendia mais se os raios estavam no mundo ou dentro
dele. A cada facho de luz, era como se pudesse olhar para dentro de si mesmo e
descobrir que a chuva o havia deixado alagado dela. Dela e sua voz que gemia
garoas. Dela e seu corpo que dançava tempestade. Dela e de suas promessas que o
arrastaram feito dilúvio.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E de repente um trovão gritou com dor e saudade o nome dela,
exatamente como havia gritado num passado distante, ao lado da mesma janela.
Gritou seu nome e o pedido de que a chuva fosse para sempre e não durasse
apenas quarenta minutos ou quarenta noites. E, tremendo de frio, encolheu-se
nela apertando-a com força.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E quando seu lábio ofegante roçou a pele delicada dela, o
Sol brilhou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Abriu os olhos e viu que ela não estava ali. Encolheu-se na poltrona
ao lado da janela, decidido a dormir o resto da madrugada ali mesmo, em busca
de um cheiro há muito desaparecido.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E a chuva continuava a cair. </div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-53627955668572574852016-06-23T03:10:00.003-03:002016-06-23T03:10:46.548-03:00O Rei Embriagado <div class="MsoNormal">
O chão saindo de foco a cada passo não significava nada. Era
o maior homem do mundo e seu terno amassado mostrava isso. Achava que estava
andando rápido demais, mas quando tentava diminuir o ritmo perdia a paciência e
voltava a acelerar, tropeçando em sonhos esquecidos na calçada, exigindo que as
árvores abrissem caminho para ele. Sacou a garrafa de vodca barata já e deu um
gole no cheiro forte que havia sobrado dela. Vazia. Não precisava mais dela.
Queria, mas não precisava. Nem da vodca, nem dela. Tinha um terno que, mesmo
amassado, era um terno. E tinha a calçada toda para seu poder de fazer o chão
sair de foco. Suspirou e cantarolou baixinho uma canção de sua terra. Não sabia
o nome. Sabia apenas aquele trecho e não fazia ideia porque ela havia surgido
em sua mente. Talvez estivesse bêbado? Já havia reparado nisso: sempre que
cantava sozinho era porque havia bebido uma a mais. Mas nunca seria a mais,
porque era o maior homem do mundo. Com graça etílica, desviava de amores
frustrados e paixões não consumidas. Com a leveza que somente o álcool traz, equilibrava-se
numa corda bamba imaginária, tomando cuidado para não escorregar na saudade e
mergulhar no fosso de tristeza fria que chamava seu nome, metros abaixo. Fora
de foco. Igual ao chão. Mas chegaria ao outro lado da corda. Sentia-se vivo
demais para morrer. Sentia-se vivo demais para não ser. Mas, ao mesmo tempo,
queria apenas sentar um pouco. Sentar e descansar os pés de um dia que terminou
tarde demais, de um dia que não devia ter começado prometendo que seria apenas
igual ao outro. Novo gole no ar quente da garrafa. Vazia. Vazia como sua mente,
incapaz de segurar cada pensamento por mais de um instante. Mas não queria
pensar. Não precisa. Queria apenas se arrepender de ter bebido a última dose.
Não. O problema não era a última dose e sim o fato dela não ser a penúltima.
Queria apenas mais uma. Dois dedos. Dois dedos e um chorinho porque seria a
última. E chorou o fato da bebida ter acabado, não porque dependia dela, mas
sim do torpor feliz que ela escondia. A garganta ardia mas as memórias
suavizavam. Era o maior homem do mundo e queria ser homem. Queria se apaixonar
feito príncipe e amar feito rei, fazendo castelos tremerem com os gritos.
Queria ter a força de um animal ferido e fazer sexo furiosamente até ficar tão
saciado que a felicidade seria um detalhe. Era o maior homem do mundo e estava
indo para sua casa velha, com armários vazios e fogão quebrado. Era o maior
homem do mundo e tinha um terno surrado que detestava por usar em entrevistas
de emprego. Novo gole no ar quente da garrafa vazia. Não precisava mais dela.
Não hoje. Amanhã sim, mas não hoje. Hoje, ele era o maior homem do mundo. E
logo o chão entenderia isso e pararia de sair do foco. Pois a bebida o
transformava numa espécie de deus. O mundo era dele e o chão precisaria
entender isso. Queria também que seus pés parassem de doer. Queria entrar em
casa e tirar um pouco os sapatos. Deitar. Só um pouco. Um último gole, apenas
para matar a sede e estender sua divindade. Queria cochilar um pouco e sonhar só
um pouquinho com um mundo onde ele pudesse sonhar. Um mundo onde ele seria rei e
a garrafa estaria sempre cheia. Não de cheiro quente, mas de calor. Do calor dos
gritos dela. Para sempre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
(Uma pequena homenagem ao sujeito que passou em frente a
minha casa às três horas da manhã, cambaleando e com um garrafa de vodca barata
nas mãos).<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-79000502411297241122016-06-18T15:28:00.001-03:002016-06-18T15:50:30.040-03:00Velhoeaputaquepariu.com<div class="MsoNormal">
Eram quatro e estavam em algum lugar entre a quinta e a
sétima cerveja – exatamente no lugar onde nascem as conversas que poderiam
transformar o mundo caso alguém se lembrasse delas no dia seguinte. Mas a
conversa não nasceu querendo mudar o mundo e sim como um desabafo, quando um
deles aproveitou um momento de silêncio para suspirar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu não tenho mais saco para redes sociais”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos concordaram com a cabeça – menos um que, ao pressentir
que o assunto iria ganhar força para virar conversa, decidiu pedir mais
cervejas. O autor da frase deu os últimos goles no copo e continuou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Hoje em dia, tudo o que se fala é política. Política e
ativismo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Essa geração acha que adianta falar alguma coisa”, um deles
resmungou enchendo a boca de amendoins.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eles são jovens. Nós já fomos assim também”, um deles
lembrou. “Como falava aquela música mesmo? Fomos tão jovens? Somos todos
jovens? Como é mesmo?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Era algo assim. É Capital Inicial, não é?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Acho que é Barão Vermelho. Não lembro.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas o negócio do ativismo é verdade. Eles transformam tudo
no grande problema do mundo. E às vezes eles até estão certos. Mas aí aparece
uma coisa nova e eles inventam outro maior problema do mundo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E esquecem o primeiro problema.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso. E não resolvem nenhum deles.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O garçom chegou com as cervejas, interrompendo os devaneios
musicais. Um deles aproveitou o silêncio para colocar o assunto no rumo certo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Outro dia eu estava olhando o Facebook e vi duas pessoas
debatendo. Uma delas colocava a culpa da crise do país no governo que entrou. A
outra dizia que a culpa era do governo que saiu.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos riram na mesa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Na mesa ao lado, uma garota de vinte e poucos anos que
estava com o celular na mão olhou feio para eles, mas eles não perceberam.
Assim, resignada, ela voltou sua atenção para o celular, e continuou a escrever
seu texto problematizando a caça predatória de focas no polo Sul e como isso é
uma consequência nefasta do capitalismo. Ela ainda estava em dúvida se iria
usar a tag #JeSuisFocas no final do texto, mas não estava certa disso. Queria
algo com mais impacto.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Quantos governos nós já vimos entrar e sair? Uns dez?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Uns dez. E todos eles colocam a culpa no governo que saiu.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Essa é a verdadeira democracia”, um deles disse, erguendo o
copo. “No Brasil, a culpa é de todos.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E de ninguém ao mesmo tempo”, um deles respondeu,
completando o brinde.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas é sério”, o primeiro disse. Como qualquer pessoa da sua
idade era teimoso (e como qualquer pessoa da sua idade, já havia desistido de
romantizar sua teimosia com a palavra “determinado”) e queria falar sobre as
redes sociais. “Eu não aguento mais. Eu lembro quando começaram as redes
sociais. Falávamos sobre música, sobre filmes. Sobre a vida. Hoje, só se fala
sobre política e sobre causas sociais”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, é verdade. É o dia inteiro isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E eu acho importante. Porra, quando a gente era moleque, a
gente também lutava por essas coisas. Mas o jeito que as coisas estão hoje...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ninguém quer defender nada. As pessoas escrevem apenas
porque elas querem trancar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Trancar? Trancar o quê?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não sei. Eu já vi esse termo antes. Fulano trancou a
internet.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ah, acho que é quando tem aquele cadeadinho do lado do
perfil? É pra todo mundo saber que aquela pessoa trancou a internet?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não, não é trancar. É lacrar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Lacrar?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O primeiro encheu os copos de todos, com seus olhos
brilhando. Seu argumento havia encontrado ainda mais força.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Estão vendo? Esse é meu ponto. Hoje em dia, todo mundo
quer... Lacrar, é isso? Lacrar a internet. Vou escrever sobre essa professora
do Piauí que foi agredida com um apagador para lacrar a internet. Vou responder
esse sujeito que é religioso para lacrar a internet. Vou postar meu cardápio de
comida vegetariana para lacrar a internet. E a gente nem sabe direito o que é
lacrar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“As pessoas fazem isso? Lacram a internet com cenouras e
beterrabas e coisas assim? Aposto que meu médico está por trás disso. Ele
parece um maníaco com essa história de salada.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Silêncio. Todos pensavam no assunto – menos no paciente do
médico obcecado por saladas, que começou a pensar em pedir uma porção de
calabresa. Sempre que pensava no médico, sentia vontade de comer porcarias. Era
o seu jeito de mostrar que quem mandava na sua vida era ele. Ao concluir isso,
fez um sinal chamando o garçom pensando que “vou pedir para ele encher de
azeite que eu quero lacrar essa porra dessa calabresa também.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Estamos velhos demais para as redes sociais”, um deles
suspirou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Na verdade, nós precisamos de uma nova rede social. Uma que
seja feita para nós.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A declaração saiu despretensiosa, mas caiu como uma bomba na
mesa. Por que não haviam pensado isso antes? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Uma rede social onde só seriam discutidos os assuntos das
redes sociais de dez anos atrás.”, continuou um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Música. Cinema. Quadrinhos. Relacionamentos...”,
exemplificou o outro<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Uma rede social para pessoas normais”, sintetizou um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Livros!”, um deles gritou, batendo a mão na mesa. “Faz anos
que não consigo conversar sobre livros com alguém nas redes sociais!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mesmo?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, a última vez foi quando um militante político disse
que eu devia ler um livro sobre a União Soviética. Mas acho que isso não conta,
porque ele falou isso, disse que eu sou manipulado e me bloqueou logo em
seguida. Então não foi bem uma conversa.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Esse tipo de pessoa será banida na nossa rede social!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Boa! Já estou gostando da ideia!”, celebrou um deles,
enchendo novos copos. “A cerveja acabou, hein?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Toda pessoa que problematizar um problema que não é um
problema não terá espaço. Ela que vá problematizar os problemas em outro
lugar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Os problemas problematizados não são problemas nossos!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Cara, que puta frase”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Obrigado. Mas é verdade. Vamos ter uma rede social para
bater papo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não vai dar certo”, um deles disse. “Não vai dar certo”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como assim?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Toda rede social começa assim. Mas depois ela começa a se
emporcalhar com esses assuntos. Aí você entra um dia querendo conversar sobre
jazz, mas não pode, porque um garoto foi chamado de gay numa escola de Moscou e
todo mundo está falando sobre isso.” <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É verdade. Nossa rede social só funcionaria se ela não
pudesse ter pessoas dentro dela. Aí sim seria bom.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E se filtrássemos por idade?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como assim?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Só quem tem mais de trinta anos pode entrar na rede. Porque,
sejamos sinceros. Com trinta anos, a pessoa já aprendeu como as coisas
funcionam. Ela sabe que fazer escândalo e textos enormes e campanhas disso ou
daquilo não mudam nada.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu, com trinta anos, era assim.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu também.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Então é isso. Somente pessoas com mais de trinta anos podem
entrar. E para provar a idade, a pessoa precisa colocar o CIC dela.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não é mais CIC, é CPF.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Foda-se. Para mim vai ser sempre CIC. Passei a vida inteira
falando CIC.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Olha, eu acho a ideia boa. Mas precisamos de mais regras.
Uma coisa que precisa ser proibida são aquelas crianças assustadoras.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Que crianças?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Aquelas crianças politizadas que falam como se fossem
alunos de pós-graduação. Já viu essas histórias? Outro dia eu li sobre uma
criança que tinha três anos de idade e começou a bater boca com a professora
sobre direitos das mulheres. E explicou para a professora que era hora de
começar a quebrarmos paradigmas.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É sério isso? Com três anos?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu com três anos não sabia nem comer direito.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Meu médico foi uma criança assim, tenho certeza. Eu não
estou exagerando, vocês precisam ver o imbecil falando sobre vegetais. Ele
começa a falar sobre o valor nutricional do alecrim e é como se estivesse
falando da descoberta de um novo planeta.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Bem, essas crianças não estarão na nossa rede. Muito menos
as pessoas que conhecem essas crianças.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Meu médico deve ser uma pessoa muito infeliz.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Certo. Somente assuntos saudáveis. Nada de histórias com
crianças destinadas a quebrar paradigmas no pré-primário. Nada de
problematizações. E, claro, acima dos trinta anos.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Na mesa ao lado, a garota do texto sobre as focas virou a
cabeça para começar a brigar com eles, dizendo que essa rede social seria
excludente e que esse é o tipo de atitude que faz com que o mundo se torne um
lugar menos humano e que beneficia apenas as elites e
#JeSuisCriançasdeFanfics.)<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Porque é hora de termos um lugar nosso. Não somos mais
respeitados nas redes sociais.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
(Ao ouvir a expressão “não somos mais respeitados”, a garota
desistiu da briga e imediatamente simpatizou com eles. Era mais forte que ela:
não podia identificar uma minoria sem imediatamente procurar uma bandeira para
erguer. Abriu o celular e começou a digitar um novo texto sobre a falta de
espaço que as pessoas de meia-idade tinham nas redes sociais, e como isso era
culpa de corporações como a Apple e a Samsung e do consumismo selvagem. Ia
lacrar a internet.).<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Então estamos combinados. Vamos criar a nossa rede social.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Podemos chamar de Paraíso.com? Ou é pedante demais?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Que tal Paradise City? E aí já conversa direto com o
público dos anos 80”, disse um deles, que sempre ouvia o filho que estudava
marketing usar a expressão “conversar com o público”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Melhoridade.com?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Melhor Idade? Não! Velho é a puta que pariu!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Foi só uma ideia. Minha calabresa está chegando, vamos
pedir mais cerveja?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ei, esse nome é bom.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Qual?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Velho é a puta que pariu.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tipo... velhoeaputaquepariu.com?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Silêncio. Não era um nome fácil de digerir. Mas era um
nome...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Forte. Eu gosto.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso. Já mostra que ali é nosso lugar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Imagine as pessoas da nossa idade conversando? Depois me
adicione lá no velhoeaputaquepariu. Dá até orgulho de falar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As cervejas chegaram e, com elas o plano.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Bem, senhores, temos um projeto. Vamos fundar nossa rede
social.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Perfeito!”, continuou um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ótimo! Não vejo a hora de fazer meu cadastro”, celebrou
outro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E como fazemos isso?”, perguntou um, trazendo todos de
volta à realidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Novo silêncio. Mas, desta vez, a resposta era óbvia demais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Precisamos de alguém que saiba programar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, eu não entendo nada disso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Precisa ser alguém que entenda do assunto. Das
funcionalidades e tal.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Funcionalidade é aquele negócio de ter a coisa no celular?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, também.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu odeio rede social no celular. Fica apitando o dia
inteiro, aí você vai abrir e abre o e-mail, você tenta fechar o e-mail e acaba
ligando para sua irmã... É um inferno.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Fora que não dá para ler. Eu tenho três óculos hoje. O de
perto, o de longe, e o de notificações no celular. Não consigo ler nada.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Bom, a velhoeaputaquepariu não precisa ter no celular. Mas
precisa ter um site. Precisamos de um programador.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E de repente, um deles engasgou com a cerveja.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ele será um jovem!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como assim?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ninguém da nossa idade sabe fazer isso! Vamos ter que
contratar um jovem!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos olharam horrorizados. Era verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ele vai ficar usando aqueles termos que ninguém conhece.
Vocês já viram uma criatura dessas? É horrível!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Minha filha namorou um cara que mexia com isso. Eu não
entendia nada do que ele dizia.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É sério isso? Eu nunca vi um cara assim.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É horrível. Você não entende nada do que ele fala. E tudo o
que você pergunta ele simplesmente olha como se você fosse um homem das selvas.
Eu lembro que perguntei um dia para o menino da firma se o site que ele estava
fazendo ia funcionar com mouse e ele respondeu que... Não entendi o que ele
respondeu, mas tenho certeza que ele me xingou de algum jeito.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu não vou falar com uma pessoa dessas.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu também não. Mal consigo entender o que meu filho fala,
não vou passar por isso com um estranho”. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu vou pedir mais cerveja.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Aproveita para pedir para fechar essa janela aqui, está
frio.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vocês vão querer mais calabresa? Essa aqui acabou.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E assim, entre o prato vazio de calabresas e o vento que
entrava pela janela, o assunto morreu. E essa foi a maior demonstração de que o
velhoéaputaquepariu seria um sucesso: lá, as pessoas saberiam naturalmente
quando um assunto acabou. Logo, estavam conversando sobre outra coisa... Até
que um deles lembrou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É Legião Urbana!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Oi?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“A música! É Legião Urbana.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Que música?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Somos tão jovens... Tão jovens...”, ele cantarolou um
pedaço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Talvez o Legião Urbana seja tão jovem”, respondeu um deles.
“Nós não somos faz tempo.”</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E fizeram novo silêncio, até a hora de pedir mais cerveja.<br /><br /><b><br />(Um agradecimento a <a href="https://twitter.com/danieladavisp">@danieladavisp</a>, <a href="https://twitter.com/vuintrieri">@vuintrieri</a>, <a href="https://twitter.com/willianifanger">@willianifanger</a> e <a href="https://twitter.com/judamasceno">@judamasceno</a> por muitas das ideias desse texto.)</b></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-66335137731231957232016-06-18T01:47:00.000-03:002016-06-18T01:47:19.263-03:00Sobe-Desce<div class="MsoNormal">
Ela vida.<br />
descia sua<br />
as da <br />
escadas mulher<br />
degrau a<br />
por encontrar<br />
degrau poderia<br />
pensando onde<br />
que perguntando<br />
queria se<br />
mesmo elevador<br />
se pelo<br />
apaixonar subia<br />
para ele<br />
sempre........................................................................enquanto<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-60021259624955617412016-06-17T01:17:00.003-03:002016-06-17T01:17:41.732-03:00Sabores que Rimam<div class="MsoNormal">
Suas madrugadas começavam com sabor de adolescência. Admirava-se
em espelhos de olhos diferentes, sorrindo vinhos baratos que fingiam ser Porto.
Onipotente, exigia ação imediata, por precaução de desaparecer na luz da manhã.
E não se satisfazia com gritos, apenas com aqueles que carregassem seu nome
janela afora. Suas madrugadas terminavam
com sabor de incoerência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas manhãs começavam com sabor de velhice. Não reconhecia a
garota do espelho, e cuspia a pasta de dentes prometendo nunca mais. Tímida,
saía de casa com medo de que a luz da manhã a revelasse. E naufragava em meio aos
ruídos da cidade, tentando esquecer o prazer vazio de ver seu nome gritado por
um estranho. Para ela, era hora de parar. Suas manhãs terminavam com sabor de tolice.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas tardes começavam sabor de infância. Os pecados pareciam
residir no passado, e a ausência deles a tornava mais leve. Sua vontade de uma
noite com ela mesma tornava-se fácil de ser driblada. A aventura de se esconder
em amores desconhecidos surgia como a brincadeira ideal. E todo o resto podia
esperar, pois tinha a vida pela frente. Suas tardes terminavam com sabor de
ganância.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas noites começavam com sabor de maturidade. Mulher,
escolhia seu alvo sem se preocupar com paixões que pudesse despertar. Prometia
mais que amor eterno, e sim idolatria e admiração, atraindo suas presas. Vendia fantasias com a certeza de que desviaria os olhos sempre que quisesse.
E ressoava convites até abrir a porta para um desconhecido. Suas noites terminavam
com sabor de celebridade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas madrugadas começavam com sabor de adolescência. Beijos
desesperados faziam com que ela esquecesse o amor perdido. Ouvir seu
nome ser entoado fazia sentir-se melhor comigo mesma. Suas mãos
causavam suspiros, seus beijos despertavam sonhos, seu corpo ordenava gemidos. E
ela sorria. Para ela, era apenas um jogo de poder. Suas madrugadas terminavam
com sabor de urgência.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Sua vida começava e terminava com um sabor de dependência.<br /><b><br /><br />(Obrigado a <a href="https://twitter.com/elise_garcia">Elise Garcia</a> por jogar, no Twitter, duas frases dessa crônica)</b><o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-22839732004176987852016-06-09T00:29:00.000-03:002016-06-09T10:48:36.071-03:00Making-Of<div class="MsoNormal">
Sentindo-se triste sem saber o motivo, o Escritor abriu o
processador de texto e começou a digitar sem sequer pensar em uma história
inteira.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. O
Sol forte fazia o suor escorrer pelo seu rosto, encharcando suas roupas,
enquanto ele desviava das pessoas</i>.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não. Não era o que precisava. Queria algo mais sombrio. Mais
sombrio e mais solitário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Escritor gostou do que viu. Sem saber para onde levar a
história, pensou que um dos carros poderia parar ao seu lado. Dentro desse
carro, estaria alguém que mudaria a vida do homem naquela calçada. Mas mudaria
como? Tentou escrever para descobrir a resposta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.
Menos para ela, que estacionou o carro ao lado do homem e o chamou pelo nome.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não. Não era isso. A mulher, no texto, não justificaria o
homem estar correndo. O acaso não iria funcionar aqui, pois ele precisava estar
correndo atrás de algo. Esta mulher, nesse carro – o Escritor sabia que eles
terminariam fazendo sexo dentro do carro com o barulho da tempestade
disfarçando os gritos – não se encaixava na crônica. Assim, sem saber o que
fazer com o homem que corria nas ruas, o escritor resolveu ganhar tempo
investigando o que o sujeito sentia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seus passos tentavam correr
no ritmo do seu coração acelerado. Não conseguiam, pois é muito difícil acompanhar
um coração vazio. A cada metro que avançava, retornava ao passado. Ia da
calçada para o beijo dela, da chuva para o suor que escorria dos cabelos dourados
dela. A cada passo, suas roupas molhadas davam lugar aos braços dela.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Escritor pensou onde ela poderia estar. Não queria saber
quem era ela. Uma amante. Uma antiga amante. Um amor platônico que uma noite,
piedosa, desceu dos céus e criou a memória mais doce na vida daquele sujeito.
Não importa sua identidade, e sim onde ela estava. Saber onde ela estava resolveria
o motivo do homem correr. Talvez ela estivesse no seu apartamento, esperando
por ele? Talvez.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seus passos tentavam correr
no ritmo do seu coração acelerado. Não conseguiam, pois é muito difícil acompanhar
um coração vazio. A cada metro que avançava, retornava ao passado. Ia da
calçada para o beijo dela, da chuva para o suor que escorria dos cabelos dourados
dela. A cada passo, suas roupas molhadas davam lugar aos braços dela.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Encontravam-se uma vez
por ano, e isso por mais anos do que ele se lembrava – mentira, ele se lembrava
de todos. Haviam sido amantes rapidamente, mas não podiam ficar juntos. Eram
ingênuos demais para saber conviver e resolveram ir cada um para seu lado.
Porém, eram famintos demais para não conviver e resolveram que mereciam uma
trégua. Uma noite por ano.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Não era saudade, era
mais que isso. Era a noite que desafiavam o tempo e voltavam ao passado, quando
ainda podiam ficar juntos. E, entre gritos e gemidos, mostravam que num mundo
em que tudo se transforma, eles nunca mudariam. Toda noite – no aniversário do
primeiro beijo – seriam um. Seriam tudo.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Escritor gostou disso, mas gostou ainda mais de perceber
que sua tristeza começava a dar lugar para a curiosidade que sentia. Era hora de fazer o homem correr mais um pouco pela chuva. Era hora de avançar o texto
com movimento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seus passos tentavam correr
no ritmo do seu coração acelerado. Não conseguiam, pois é muito difícil acompanhar
um coração vazio. A cada metro que avançava, retornava ao passado. Ia da
calçada para o beijo dela, da chuva para o suor que escorria dos cabelos dourados
dela. A cada passo, suas roupas molhadas davam lugar aos braços dela.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Encontravam-se uma vez
por ano, e isso por mais anos do que ele se lembrava – mentira, ele se lembrava
de todos. Haviam sido amantes rapidamente, mas não podiam ficar juntos. Eram
ingênuos demais para saber conviver e resolveram ir cada um para seu lado.
Porém, eram famintos demais para não conviver e resolveram que mereciam uma
trégua. Uma noite por ano.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Não era saudade, era
mais que isso. Era a noite que desafiavam o tempo e voltavam ao passado, quando
ainda podiam ficar juntos. E, entre gritos e gemidos, mostravam que num mundo
em que tudo se transforma, eles nunca mudariam. Toda noite – no aniversário do
primeiro beijo – seriam um. Seriam tudo.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Afastou a água dos
olhos enquanto entrava no seu prédio. Havia avisado o porteiro que ela chegaria
antes dele e que ela tinha a chave. Apertou freneticamente o botão do elevador
e, ao lembrar que estava a alguns segundos de distância do cheiro dela sentiu
suas pernas tremerem.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Fingiu que não se
lembrava da voz dela para poder se surpreender quando abrisse a porta, mas as
recordações da primeira vez que ela gemeu seu nome baixinho invadiram sua mente
e ele teve receio de explodir de ansiedade.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Amargo, talvez até um pouco sádico, o Escritor teve uma
ideia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seus passos tentavam correr
no ritmo do seu coração acelerado. Não conseguiam, pois é muito difícil acompanhar
um coração vazio. A cada metro que avançava, retornava ao passado. Ia da
calçada para o beijo dela, da chuva para o suor que escorria dos cabelos dourados
dela. A cada passo, suas roupas molhadas davam lugar aos braços dela.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Encontravam-se uma vez
por ano, e isso por mais anos do que ele se lembrava – mentira, ele se lembrava
de todos. Haviam sido amantes rapidamente, mas não podiam ficar juntos. Eram
ingênuos demais para saber conviver e resolveram ir cada um para seu lado.
Porém, eram famintos demais para não conviver e resolveram que mereciam uma
trégua. Uma noite por ano.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Não era saudade, era
mais que isso. Era a noite que desafiavam o tempo e voltavam ao passado, quando
ainda podiam ficar juntos. E, entre gritos e gemidos, mostravam que num mundo
em que tudo se transforma, eles nunca mudariam. Toda noite – no aniversário do
primeiro beijo – seriam um. Seriam tudo.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Afastou a água dos
olhos enquanto entrava no seu prédio. Havia avisado o porteiro que ela chegaria
antes dele e que ela tinha a chave. Apertou freneticamente o botão do elevador
e, ao lembrar que estava a alguns segundos de distância do cheiro dela sentiu
suas pernas tremerem.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Fingiu que não se
lembrava da voz dela para poder se surpreender quando abrisse a porta, mas as
recordações da primeira vez que ela gemeu seu nome baixinho invadiram sua mente
e ele teve receio de explodir de ansiedade.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mas sua ansiedade desapareceu
quando saiu do elevador e encontrou o apartamento vazio. No sofá, apenas um
bilhete, explicando sem explicações que ela não conseguia mais. E pedia
desculpas desesperadamente como pediu na primeira briga. A diferença é que
agora ele tinha as desculpas por escrito para carregar a vida inteira.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Amassou o bilhete e
sentou-se no chão da sala. Não queria desculpas, queria ela. E, enquanto as
lágrimas escorriam do seu rosto, ela surgiu em sua mente. Estava nua, sentada
em seu colo e acariciando seus cabelos enquanto abraçava seu rosto forte contra
os seios. As batidas do coração dela se confundiam com os beijos deles, que
emolduravam a frase “vai ser para sempre” que ela sussurrou em seus ouvidos.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>E ele passou a noite
ali, no chão e com os olhos fechados. No momento que os abrisse, veria que ela
não estava ali. Encontraria apenas aquele bilhete e saberia que, agora sim,
tudo estava acabado.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não. O Escritor sentia-se amargo, mas não queria que o homem
que corria na chuva sentisse o mesmo. Uma pessoa que corre na chuva atrás de um
amor precisa ser recompensada. Sabia que seus leitores gostariam de ter um amor
que os fizesse correr na chuva no meio da madrugada, numa questão de vida ou
morte, porque todos querem isso em algum momento da vida. Assim, decidiu que a
mulher estaria lá. Mordeu os lábios ao enxergar os dois fazendo sexo
desesperado no chão da sala por um parágrafo inteiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sabia da força que o sexo tinha, em suas crônicas, como forma
de desabafo. Por isso que muitos dos seus personagens gritavam enquanto faziam sexo,
algo que talvez seus leitores nunca tivessem percebido. Para seus personagens,
o sexo não era paixão. Era uma maneira de enfrentar a solidão. Um modo de não
ser apenas mais uma pessoa andando nas ruas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Corria pela calçada. Seus
olhos estavam molhados de chuva, enquanto a cidade dormia ignorando sua
existência. Para os motoristas dos poucos carros que desafiavam a tempestade,
era apenas uma pessoa qualquer, sem passado ou futuro, correndo pelas ruas.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seus passos tentavam correr
no ritmo do seu coração acelerado. Não conseguiam, pois é muito difícil acompanhar
um coração vazio. A cada metro que avançava, retornava ao passado. Ia da
calçada para o beijo dela, da chuva para o suor que escorria dos cabelos dourados
dela. A cada passo, suas roupas molhadas davam lugar aos braços dela.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Encontravam-se uma vez
por ano, e isso por mais anos do que ele se lembrava – mentira, ele se lembrava
de todos. Haviam sido amantes rapidamente, mas não podiam ficar juntos. Eram
ingênuos demais para saber conviver e resolveram ir cada um para seu lado.
Porém, eram famintos demais para não conviver e resolveram que mereciam uma
trégua. Uma noite por ano.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Não era saudade, era
mais que isso. Era a noite que desafiavam o tempo e voltavam ao passado, quando
ainda podiam ficar juntos. E, entre gritos e gemidos, mostravam que num mundo
em que tudo se transforma, eles nunca mudariam. Toda noite – no aniversário do
primeiro beijo – seriam um. Seriam tudo.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Afastou a água dos
olhos enquanto entrava no seu prédio. Havia avisado o porteiro que ela chegaria
antes dele e que ela tinha a chave. Apertou freneticamente o botão do elevador
e, ao lembrar que estava a alguns segundos de distância do cheiro dela sentiu
suas pernas tremerem.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Fingiu que não se
lembrava da voz dela para poder se surpreender quando abrisse a porta, mas as
recordações da primeira vez que ela gemeu seu nome baixinho invadiram sua mente
e ele teve receio de explodir de ansiedade.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mas explodiu, não de
ansiedade, mas de paixão, ao encontrá-la sentada no sofá assim que abriu a
porta do apartamento.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Beijou o sorriso que
ela tentou lhe entregar e, antes do beijo terminar, estavam nus, deitados no
tapete, repetindo a valsa faminta de todo ano. As pernas dela entrelaçavam-se
ao seu corpo, as mãos dele enamoravam-se do corpo dela e as bocas existiam como
se o mundo pertencesse a elas. E, minutos depois, urrou o nome dela enquanto
ela recitava o nome dele, a saudade em cada sílaba que saía pela janela e se
dissolvia na chuva que molhava a cidade.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mas, desta vez, ele
olhou nos olhos dela e disse, sem dizer uma palavra, que existir um dia por ano
era suficiente, desde que tivesse todos os anos do mundo</i>. <i>E aninhou-se no pescoço dela, a chuva de sua
pele se misturando ao suor dos cabelos dela e pediu para que o ano passasse
rápido.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Escritor gostou. E postou, querendo que essa história fosse
conhecida e que alguém, ao terminá-la, sentisse vontade de gritar. Não sentia
mais tristeza por saber que alguma pessoa no mundo estava vivendo uma paixão
daquela – e o fato dessa pessoa existir somente nas telas de computadores não
fazia diferença.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, na metade do cigarro, ele percebeu que estava sendo
injusto. Naquela madrugada de chuva, uma mulher que nem ele nem seus leitores
conheciam não teve o direito à felicidade. Precisava reparar esse erro. Assim,
voltou ao computador, pensando na mulher que passou de carro e acabou ficando
de fora da crônica e começou a escrever.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Encostou o carro na
chuva sem saber direito onde estava. O susto havia sido grande demais. Estava tentando
enxergar algo através da tempestade quando a chuva pareceu dar uma trégua
apenas para que ela o visse na calçada. Duvidou de si mesma, mas logo teve
certeza. Era ele mesmo. Estava um pouco mais velho, mas era ele – e já havia
ido embora.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Seu coração estava
disparado. Havia passado anos pensando no primeiro namorado. Relacionamentos
inteiros jogados fora porque ela tinha certeza de que, um dia, se encontrariam
novamente. E de repente, ele estava ali, correndo pela chuva, como um
personagem de uma crônica, ao lado dela. Era o destino tentando dizer que ela sempre
teve razão: eles ficariam juntos.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>E seria para sempre,
como ela sempre acreditou.</i><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O Escritor salvou o arquivo e reclinou-se na cadeira. Pensou
em continuar a história, mas desistiu. Eram gritos demais para uma noite só e
cada chuva pode trazer somente uma redenção.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhou pela janela. Bastava esperar outra tempestade.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-25062508098662550712016-06-07T02:25:00.000-03:002016-06-07T02:25:01.586-03:00Climática<div class="MsoNormal">
A mulher debruçou-se velha na janela<br />
De costas para o quarto vazio e obsceno.<br />
Sua chama era fraca, quase pequena vela.<br />
E observou o mundo, lacrimejando sereno.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Lembrou-se de tantos beijos perdidos<br />
De uma época em que a vida era à toa.<br />
Sem sorrisos que desapareceram fugidos,<br />
E observou o mundo, desfazendo-se garoa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tentou enxergar felicidade no desfecho <br />
De uma vida na qual somente coadjuva.<br />
Mas presa eternamente no mesmo trecho<br />
E observou o mundo, lastimando-se chuva.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Inspirou em busca de perfumes antigos<br />
Expirou em busca de ser mais que metade.<br />
Confusa, desistiu de decorar seus castigos<br />
E observou o mundo, soluçando tempestade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas a mulher observou-se jovem no espelho<br />Cantarolando um sorriso, sorrindo em bemol<br />Lembrou-se que era seu próprio evangelho<br />E completou a si mesma, explodindo em Sol.</div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-13310847637754257822016-06-03T00:41:00.001-03:002016-06-03T00:41:01.656-03:00Pequena Dança Subterrânea<div class="MsoNormal">
Distraídos, os olhos dele vagaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E ela existia. Tudo o que ele via era apenas um pedaço do
seu queixo e seus lábios, pois os cabelos loiros e lisos escondiam seu rosto. Mas
ele se assustou tanto que não teria coragem de pedir por mais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Alheios, os olhos dela corresponderam. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Teve tempo de ver aqueles olhos que pareciam ter acabado de descobrir
o mundo pela primeira vez. Não soube dizer se brilhavam por ela ou para ela. Com
mais tempo, entenderia que os olhos dele brilhavam nela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Encabulados, os olhos dele fugiram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Teve medo de olhar e descobrir que ela estava olhando de
volta. Teve medo de olhar e descobrir que ela não estava olhando de volta. Mas,
pela primeira vez, teve medo de nunca mais olhar e não descobrir a resposta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Prevenidos, os olhos dela estudaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quis fugir. Mesmo sorrindo nas fotos, ainda estava
machucada. A tinta das brigas ainda estava fresca e borravam sua memória. A mágoa
ainda existia. E os cortes do sonho estilhaçado ainda eram afiados.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Corajosos, os olhos dele encararam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quis ficar. Não se lembrava da última vez que seu coração
havia disparado. Sempre que pensava sobre isso, se convencia de que talvez não fosse
feito para o amor. E certamente não havia sido feito para a paixão.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Bobos, os olhos dela correram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pela primeira vez em meses, seu coração disparava sem o
gosto amargo da raiva invadir sua boca. Não entendeu porque sentiu isso, apenas
que não precisava entender. Queria olhar de volta e descobrir que ele estava
ali.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Atenciosos, os olhos dele obedeceram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quis decorar o desenho dos seus lábios, mas estava preso no
olhar. E ainda aprisionado nos olhos entendeu que a boca dela era a única que
existia. E que seus lábios eram os únicos que poderiam lhe sorrir.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Temerosos, os olhos dela abaixaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ela havia passado meses ganhando discussões imaginárias com
a cabeça no travesseiro. Vivia reconciliações que nunca existiram, e que serviam
apenas para molhar o lençol com lágrimas escondidas. Não queria isso tudo de
novo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Esperançosos, os olhos dele chamaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Percebeu que nunca havia se apaixonado antes, pois sempre
havia sido dela. De repente, ele ganhou sentido, e descobriu que toda sua vida
até então havia o preparado para aquele momento. E para que ele fosse dela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Receosos, os olhos dela voltaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sentiu a mágoa se dissipar como se nunca tivesse existido. E
subitamente conseguiu algo pelo qual acordava todos os dias esperando por uma
chance: querer. Mordeu os lábios sem perceber.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Famintos, os olhos dele brilharam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não era mais um espectador. Desfilava pelo palco sem
controlar o que sentia e percebeu que a falta de controle fazia com que se
sentisse vivo. E, pela primeira vez, não sentiu medo disso. Sorriu sem medo de esconder.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Entregues, os olhos dela sorriram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez pudesse novamente. Talvez ele fosse diferente e
saberia ouvir quando ela precisava. Talvez As dúvidas e inseguranças não fizessem
dela uma pessoa menor, e tudo o que ela precisava era pensar um pouco menos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Convencidos, os olhos dele quiseram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Talvez ele apenas não tivesse encontrado alguém que soubesse
se apaixonar. Talvez nem todas as pessoas gostassem apenas dos jogos e se
preocupassem em construir algo. Talvez pudesse ser sempre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Delicados, os olhos dela assumiram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Imaginou como seria segurar a mão dele. E percebeu que não
queria mais viver no passado, e era hora de planejar o futuro. Queria estar perto
dele e poder conversar sobre o que sentia, falar sobre o que ele queria e dividir
os sonhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Envolvidos, os olhos dele desejaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Imaginou como seria envolvê-la com os braços. E poder contar
seus planos e segredos, buscando seu sorriso a cada frase. E percebeu que mais
que falar sobre, queria ouvir sobre ela, saber quem era ela e ajudando-a a
atingir seus sonhos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Desesperados, os olhos dela idealizaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Estavam no chão do quarto quente e somente as poucas luzes
da rua entravam pelas frestas da veneziana. As mãos dele eram tão fortes quanto
os gritos de alívio que ela dava por saber ser amada. Inspirou fundo em busca
de ar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Seduzidos, os olhos dele viveram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Suas pernas entrelaçadas com as delas tremiam ao perceber os
lábios que, colados em seu ouvido, diziam que seria para sempre porque sempre
tinha sido para sempre desde aquele dia no metrô. Expirou fundo em busca dela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Surpresos, os olhos dela molharam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O trem começou a se afastar lentamente, ganhando velocidade
aos poucos. Viu a dor nos olhos dele, que ficavam cada vez mais distantes,
levando consigo os gritos e o calor, o alívio e a sensação de eternidade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Amargos, os olhos dele choraram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Observou enquanto ela se afastava e tentou sorrir, mas mudou
de ideia ao perceber que aquela história não poderia acabar de forma tão banal.
Mas, quando percebeu, era tarde e as promessas haviam sumido no túnel.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Tristes, os olhos nunca mais dançaram e tentaram esquecer
que teria sido para sempre.<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-65191962143714267462016-05-31T01:47:00.003-03:002016-05-31T01:47:24.616-03:00Dedos<div class="MsoNormal">
Era seu lar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando percorria o corpo dela com a ponta dos dedos,
desenhando contornos imaginários, esquecia-se de respirar. Seu tato sempre
precisava de uns minutos para recordar os contornos e a textura, pois, na sua
cabeça, sempre era a primeira vez que se encontravam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas em algum momento que ele nunca soube precisar a
velocidade aumentava. Seus dedos não obedeciam mais aos seus comandos: tinham
vidas próprias e agiam ao limite do controle, sem jamais se desordenarem. E todo
o ar que ele havia se esquecido de inspirar vinha, agora, em lufadas de vento
que prenunciavam a tempestade dentro dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Logo não sabia mais quem era. Era príncipe e herói, era criança
e sábio, era quem nunca sonhou ser. A cada toque, um choque quase imperceptível
corria pelo seu corpo, praticamente obrigando-o a nunca parar. E ele sorria, às
vezes mexendo a cabeça numa espécie de dança que somente eles conheciam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todo seu poder estava na ponta dos dedos. Era assim que a
dominava e fazia com que ela se entregasse. Era assim que ele conseguia
derrotar o olhar desafiador que ela havia lhe dirigido durante o dia inteiro,
provocando-o, instigando-o, convidando-o, ordenando-o. Às vezes ele se atirava
nela em faíscas, mas às vezes fingia fugir em música. Mas de qualquer jeito
sempre respondia, acatava, aceitava, permitia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sempre estava percorrendo os dedos por ela, criando mundos que
só podiam ser vistos de madrugada. Todos eles com sua história. Toda história
com seus amores. Todo amor correndo por ela. Toda ela. Todo ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não eram seios ou nuca, não era coxa ou lábios. Era toda ela,
e todo ele na ponta dos seus dedos. Tudo o que sonhava e o queria, tudo o que pensava
e sentia... Nada mais importava. Tudo desaparecia a cada som que ela emitia
respondendo ao seu toque que se tornava cada vez mais feroz e faminto. Os sons
se multiplicavam por toques que ganhavam força e vida e criavam uma memória que
seria vista por mais ninguém. Apenas por ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por toda ela. Todo ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, de repente, explodiam. Ele todo de ansiedade, ela toda de
satisfação. Seus sons diminuíam até o silêncio completo e ele, ofegante, sentia-se
finalmente livre, respirando fundo tentando fazer seu coração perder as batidas
dela. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E seus dedos eram seus novamente. Passava pelos olhos para
afastar o suor e voltar ao mundo real, sabendo que ela ficaria ali, imóvel,
esperando o momento certo. Aí o desafiaria novamente. E ele cairia na
armadilha. Porque ele sempre caía na armadilha, até mesmo quando queria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele era todo dela. Mas ela era todo ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Porque ela era seu lar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<i>Sim, pode ser sexo. Mas também pode ser alguém escrevendo
uma crônica em uma máquina de escrever. Fica a critério do leitor.</i><o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-43098533870339684502016-05-06T18:29:00.004-03:002016-05-06T19:54:02.122-03:00Anjo da Madrugada<div class="MsoNormal">
Abaixou a cabeça para se proteger das gotas que caíam do céu
feito notas musicais que não encontraram seu lugar na partitura. As roupas
molhadas carregavam o peso de um dia cercado de prédios cinzentos e janelas fechadas
que escondiam sorrisos privados de casais que ele não compreendia. Mas ignorava
o frio e o vento graças ao som de trovão que seu coração ansioso disparava a
cada passo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Um carro atravessou na sua frente pela rua molhada,
espirrando água em seus pés e iluminando seu rosto. Despenteado, não se sabia
mais onde terminava a chuva e onde começava o suor, da mesma forma que não
conseguia mais diferenciar a saudade do passado e a vontade do futuro. Outro
carro, outa poça, outra janela fechada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas respirou fundo sabendo que os prédios cinzentos
terminariam em breve.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Lembrou-se de quando a conheceu, num bar esfumaçado e barulhento.
Apaixonou-se em algum momento entre ela sorrir e se apresentar. Mais de uma vez, quis voltar no tempo e mudar tudo. Na briga mais feia. Na sensação de que não
ia dar certo. Nos dias que ficaram sem falar. Na certeza de que era um erro.
Mas sempre perdia a vontade de mudar o passado quando ela se tornava presente
fazendo promessas de futuro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele sabia que o futuro nunca viria. Sabia que todos os
planos começavam a se desfazer no momento em que ela terminava de gritar na cama,
e que eles desapareciam feito lembranças de um sonho que escapa no ar conforme
ela se vestia. Quando a porta se fechava, o futuro havia se tornado futuro do
pretérito, preso a condicionais que não dependiam dele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E ele jurava que era a última vez. Jurava para si mesmo que
hora de parar com aquela paixão regada a encontros aleatórios que aconteciam ao
prazer dela. Ela ainda devia estar no elevador quando ele decidia que aquilo
nunca mais aconteceria, que ele era uma pessoa para ser amada durante o dia,
e não apenas escondido de madrugada. Também queria beijos de café, não apenas
sexo de uísque.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E, como se percebendo isso, ela sumia, levando consigo qualquer
resquício de paixão que ele pudesse experimentar. Carregava na bolsa qualquer
possibilidade do seu coração disparar, bem como uma mescla de todas as paixões
adolescentes que ele idealizou sem concretizar. E assim ele voltava a ser tornar
um mundo de prédios cinzentos e uma garoa fina que não convoca a eletricidade
do ar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas de vez em quando ela reaparecia e ele esquecia completamente
do que não teria, sentindo apenas a fome do que precisava. E de repente nada
mais existia, a não ela e a vontade dela, ela e o sabor dela, ela e os gritos
abafados dela que temperavam a madrugada da cidade que dormia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando entrou no apartamento, estava encharcado e com frio.
E ela estava em pé, esperando nua. Ele caminhou até ela em silêncio. Ela
deslizou até ele em música. O celular dele ainda apitava no bolso, indicando a
mensagem “estou te esperando” que ele não teve tempo de responder antes de
correr para ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ela o envolveu com suas asas, fazendo com que ele
desaparecesse completamente. Não existia mais nada... Nem ele. Ele sorriu,
lembrando-se que tinha um pequeno anjo doce que o alimentaria naquela noite.
Mas, aquecido embaixo das asas dela, chorou por lembrar-se que uma hora o Sol iria
raiar espantando seu anjo para longe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas no momento que ela deu o primeiro grito, ele não pensou
mais nisso. No momento que ela deu o primeiro grito, ele não sabia mais nada. A
não ser quem ele era.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Isso ele sempre sabia quando estava com ela. Só quando
estava com ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: right;">
<o:p>(Vagamente inspirado nessa <b><a href="https://www.youtube.com/watch?v=kJjztFsP3x0">canção</a></b>)</o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-58939369064153571112016-03-29T13:04:00.001-03:002016-03-29T13:04:55.322-03:00Valendo Nota<div class="MsoNormal">
– Marcela! O que você está fazendo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O exercício que você passou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas por que você está com a língua de fora?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, porque eu queria fazer uma selfie diferente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas o exercício não é esse. Você leu o enunciado?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Enunciado?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Está aqui. "Tire agora uma selfie mandando beijo para
a câmera."<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, mas todo mundo está fazendo isso. Eu quero ser
diferente.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas todo mundo está fazendo isso porque é isso que o
exercício pede.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas eu gosto de mostrar a língua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Só que essa matéria é de selfie sensual! Se você quer
mostrar a língua, primeiro você precisa se formar aqui. Aí depois você faz a
especialização em selfie descontraída.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas eu não posso mostrar a língua agora?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. O exercício é fazer a selfie mandando beijo. É
importante você saber como fazer isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, isso nunca vai servir para nada. Eu não vou trabalhar
com selfie assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas você precisa saber. Por exemplo... Imagine aquele dia
que você está se sentindo mal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aquele dia que você está meio carente, meio sozinha...
Ficou stalkeando as pessoas no Facebook mais do que devia e agora acha que sua
vida é uma merda perto da vida dos outros.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sei.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aí você faz uma selfie mandando um beijo. Assim, olha,
empresta o celular. Assim, você abaixa desse jeito para mostrar os peitos e faz
uma selfie mandando um beijo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E daí?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aí eu te garanto que você vai receber provavelmente 30
curtidas em menos de uma hora. E você vai começar a se sentir melhor. Você vai
se achar uma pessoa melhor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Será?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro. E vão ser likes de meninos e das suas amigas. E aí
você também vai ver quem são suas amigas verdadeiras. Aquelas que não postarem
um comentário dizendo o quanto você está gata, ou frases como “aff, eu pegava”,
“linda demais”... Essas pessoas você pode bloquear. Essas pessoas são aquelas
que querem nosso mal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas... Eu não saberia o que escrever como legenda numa
foto dessas mandando beijos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha, Marcela... Precisa ser sempre uma legenda que não
tenha nada a ver com o fato de você estar naquela posição. Porque senão fica
over. Então você nunca pode falar dos seus peitos... Você abaixa assim com o
decote e deixe que os peitos falem por eles mesmos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas como eu faço essa legenda, então?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom... Frases motivacionais sempre funcionam. RENATA!
RENATA! SEU MAMILO ESTÁ APARECENDO, FLOR! AÍ SUA FOTO VAI SER APAGADA DO
FACEBOOK E A GENTE NÃO QUER ISSO, NÉ? ENDIREITA ESSA COLUNA E ARRUMA A BLUSA!
ISSO! Desculpa, querida. O que a gente estava falando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Da legenda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Você pode usar frases motivacionais. Sempre
funcionam, as pessoas gostam. Agora, tem uma sacada que é ainda melhor que é se
autodepreciar, mas sempre com um pouco de humor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você coloca algo assim... “A dieta não está funcionando”,
ou “beijos pra quem acordou se sentindo feia hoje”. É uma maneira que você tem
de praticamente pedir o like ou pedir pra ser chamada de gostosa sem pedir nada
disso diretamente. Sempre funciona, mas é difícil fazer.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E como eu faço?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, aí você tem que falar com seu professor de redação de
legenda, ele te ajuda.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E a selfie mostrando a língua? Com uma legenda boa ela não
funciona?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Funciona, flor, mas não é a mesma coisa. Por isso você tem
que saber todos os tipos de selfie. Por exemplo, aquele dia que você vê que
todo mundo está comentando um livro, e você lembra que o último livro que leu
foi na terceira série. Você não quer ficar de fora do assunto, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Deus me livre.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então. Aí você faz a selfie intelectual. Você coloca a
roupa mais sóbria, nunca tira a selfie olhando para o celular, porque a foto
intelectual sempre funciona melhor com aquele ar distraído, de quem está
pensando.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E óculos, né?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro. Sempre grandes ou numa cor chamativa para ser a
primeira coisa que a pessoa olha... Tudo isso é técnica. Por isso que você
precisa aprender a dominar todas as selfies. Cada uma é diferente. LUCIA!
LUCIA, MENINA, VOCÊ ESTÁ MANDANDO BEIJO OU SE AFOGANDO? E VAI TROCAR ESSE
BATOM, TÁ APAGADINHO DEMAIS! VOCÊ JÁ TIROU NOTA VERMELHA EM SELFIE NA ACADEMIA,
VOCÊ NÃO PODE IR MAL AQUI! <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu não aguento essa menina. Ela tirou uma foto linda na academia...
Luz, ângulo, tudo perfeito. Só que ela tirou logo depois de fazer o exercício,
então tá com o cabelo grudado na cara, entrando na boca. Eu disse mais de uma
vez: vai se lavar, se pentear, se maquiar, coloca uma blusa seca e joga a água
assim, com cuidado, para formar aquela mancha de suor ficar simétrica e
destacar o peito... Ela não me ouve. Tirou ali toda suada, parece que veio da
guerra. Ela devia estar no módulo básico ainda, tirando foto do pé. Mas enfim,
menina. Preciso ver as outras alunas. Não esquece, você precisa aprender todos
os tipos básicos de selfie pra depois ir pras especializações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Tá bom.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então abaixa aqui. Não, mais um pouco. Isso. Aqui, o peito
tá certo. Agora manda o beijo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Affim? Deffe jeito?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Trabalha nisso. Tira umas quatro. FABÍOLA! FABÍOLA!
É PRA MOSTRAR O PEITO, NÃO PRA FICAR CORCUNDA! AQUI É CURSO DE SELFIE, MENINA,
NÃO É NOTRE DAME! ARRUMA ESSA COLUNA!</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-78729737266456856482016-03-21T13:34:00.000-03:002016-03-21T13:34:20.474-03:00O Diretor e o Roteirista<div class="MsoNormal">
– Alô?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sou eu. Pode falar cinco minutos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Posso. Estou escrevendo o próximo episódio aqui, mas
posso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É sobre isso que eu quero falar com você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sobre o próximo episódio?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. Quer dizer, também. Quero falar sobre o que vem
acontecendo de forma geral.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você tem lido as críticas sobre os últimos episódios?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, eu não leio críticas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bem, você deveria ler. Todo mundo está metendo o pau no
seriado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mesmo? O que eles dizem?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você deixa o seriado se arrastando por uma temporada inteira
e nada acontece... Aí, chega no final da tem...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Espere, eu não deixei nada se arrastando. Eu fui
construindo o clima.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Construindo o clima? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Eu colocava um protesto aqui, outro ali. Uma decisão
de ministério ali. Ia criando o cenário para o clímax do final da temporada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom, não é o que pareceu. Todo mundo diz que a série
enrolou uma temporada inteira e agora está tudo confuso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não tem nada confuso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como não? Como não? Eu recebo seus roteiros aqui e não
entendo nada! Você está fazendo dez coisas acontecerem por episódio!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não seja exagerado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Exagerado? Olha só: episódio 13. Mandam prender o
ex-presidente. Aí ele vira ministro. Na cena seguinte... Veja bem, não é nem no
bloco seguinte, é NA CENA SEGUINTE, você resgata aquele juiz que não aparecia
desde a terceira temporada e joga ele soltando uma liminar impedindo o
ex-presidente de ser ministro. Você não esperou nem trocar de bloco, você fez
na cena seguinte!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É pra mostrar a loucura do momento!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Se isso mostra uma loucura, não é do momento, é a sua!
Ninguém está entendendo nada! E as escutas?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Gostou das escutas? Como ferramenta narrativa, elas
funcionam bem demais, não acha?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha, pode até ser. Mas você não acha que está exagerando?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha só, eu tenho anotado aqui. Episódio treze. Teve duas
escutas. Beleza, elas eram importantes para a história. Episódio catorze.
Dezessete escutas. Já começou o exagero.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas elas também são imp...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Espere, eu não terminei. Episódio quinze. Você lembra
quantas foram?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. Acho que umas vinte. Talvez vinte e cinco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– SETENTA E TRÊS!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah. Achei que fosse um pouco menos. Mas elas são
essenciais. E eu sei que o povo está gostando isso. Eu li na internet que isso incendiou
a série.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim, eu concordo. Mas... Aliás, você chegou a ver se essas
escutas são legais antes de escrever?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É... Bom...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Lembra quando você me falou sobre essa ideia das escutas? Eu
disse claramente para você: pesquise isso antes de escrever, para não ter
nenhum advogado dizendo que o roteiro não é realista. Lembra?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim, sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E você não viu? <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, vi sim. Pode ficar tranquilo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mesmo? Você não parece muito seguro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Vi sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E elas são legais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah... Acho que sim. Quer dizer, sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu conheço você. Você está mentindo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, eu pesquisei sim. Eu tenho anotado aqui em algum
lugar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ok. Manda essa pesquisa depois que eu quero ver.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas enfim, independente disso, você está exagerando. Tem coisas
nessas escutas que nem mesmo os atores sabem do que se trata! Parece que cada episódio
você inventa uma empreiteira nova!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, está tudo conectado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim, mas não adianta você me dizer isso. Você precisa
mostrar. E não para mim, mas para os espectadores. Ontem mesmo os executivos do
canal me ligaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, é?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim. Eles estão inconformados com a série.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro. Eles são executivos, não entendem de arte. Para
eles, tudo é ruim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então, esse é o ponto. Eles não falaram que está ruim.
Eles falaram que a coisa está tão confusa que eles não conseguem nem mesmo
entender se a série está ruim ou não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bobagem. É só acompanhar com atenção.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você realmente acha isso? Acha que o roteiro está
completamente sem furos?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então vamos lá. Episódio doze. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aquele que o líder do governo faz a delação premiada?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. O episódio começa com ele fazendo a delação
premiada. Aí você tem o jornalista tendo acesso ao material. Beleza. Até aí,
tudo bem. Só que na cena seguinte mostra um ministro falando que o sujeito não
é confiável e a delação não pode ser levada a sério.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não ficou genial?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– GENIAL? O cara era o líder do governo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aí ele faz uma delação premiada e o governo simplesmente diz
que ele não é confiável?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas qual governo no mundo colocaria um cara que não é
confiável como líder no Senado? Quer dizer que o cara era confiável duas horas
antes e agora não é mais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então, mas você tem que entender a sutileza. Quando eles
dizem que o cara não é confiável, é porque estão mentindo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo, eu concordo. Mas é uma mentira tão imbecil que
ninguém vai acreditar nisso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas essa é a graça.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então faz a coisa de forma satírica! Faz engraçada, sei
lá. Agora, você fez sério! Não funciona!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas nesse país onde a série se passa o povo acredita
nisso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas eu não estou preocupado com o povo que mora nesse
país, eu estou preocupado com o povo que assiste ao seriado! E esse povo não é
imbecil! A emissora fez pesquisas, e todo mundo detestou esse episódio!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom, sei lá. Que tal se eu fizer o líder do governo no
senado ser amante da mulher do ministro? E o ministro sempre soube disso, então
por isso ele sabia que o cara não era confiável.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não. Não. Não. Esquece isso. Vamos em frente. A bobagem já
está feita, se tentar arrumar isso vai só piorar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você quem sabe.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas, sério, eu preciso que você dê um direcionamento na série.
Dois atores vieram reclamar comigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Quais?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O que faz o ex-presidente e o que faz o Senador da
oposição. Eles não entendem mais os personagens.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– O cara que fez o ex-presidente veio reclamar comigo que
ele não sabe mais se é honesto ou não, então não consegue mais interpretar
direito. Ele não sabe mais se está lutando por justiça ou para escapar da
cadeia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Entendi.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E então...?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E então o quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ele é ladrão ou não é? Ou nem você sabe?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, eu sei sim. Tenho marcado aqui nas minhas anotações.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então, me fala.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu preciso ver com calma aqui. Minha mesa está uma
bagunça. E o cara que faz o senador de oposição reclamou de quê? Porque esse personagem
é corrupto e se o ator não sabe disso é ele é idiota. Isso está claro desde o
começo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então, mas é justamente sobre isso que ele veio reclamar.
Ele acha que o personagem dele está abandonado, porque todo mundo sabe que ele
é corrupto e nunca acontece nada com ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso não é verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ele é acusado e a acusação some. Sempre! Desde a primeira
temporada!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, não é sempre assim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É sempre assim, sim! A acusação some. O cara é acusado e
de repente ninguém mais fala nada. E você nem se dá ao trabalho de explicar! Parece
que você tem preguiça de resolver esse personagem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, não.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aliás, tem um monte de coisa que você está deixando em
aberto por causa disso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Imagina. Não tem nada em aberto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Beleza. Então vamos lá: como você abriu a temporada atual?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Hum... Acho que foi com o desastre ambiental.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. E cadê a solução disso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– É... Bem...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E a epidemia?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que epidemia?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– A do mosquito!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, sim. Nossa, nem lembrava mais. Bom...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha, me parece que você trabalha assim. Você tem a ideia
de fazer um desastre ambiental e escreve isso. Aí você tem a ideia de fazer o
negócio do mosquito, se empolga e larga o desastre ambiental de lado. Você
simplesmente abandona o negócio e foda-se.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu posso fazer o mosquito ser consequência do desastre
ambiental. Tipo, a lama criou outro tipo de mosquito que quando pica as pes...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não! Não! E não estamos discutindo esse caso, mas sim que
você sempre faz isso! Quando você teve a ideia das delações premiadas, você
abandonou o negócio do mosquito! E você nunca explica nada! Sabe do que eu
tenho medo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– De quê?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você está todo empolgado com esse negócio de delação
premiada, escutas telefônicas... Só que eu sei que você vai começar a nova
temporada com as Olimpíadas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como você sabe isso?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você me disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, é? Não lembrava.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E aí você vai simplesmente pegar esse negócio da crise no
governo e não vai resolver! Vai largar de lado e começar a mostrar as Olimpíadas!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, não. Eu vou resolver essa crise política sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não, não vai. Você não planeja nada antes de escrever. Aliás,
você nem revisa seus textos!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro que reviso!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Ah, é? Todos eles?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Claro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Todos? Inclusive os pronunciamentos da presidente?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bem, eu preciso ver aqui, mas acho que...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Os textos dela não fazem sentido! Ela começa falando sobre
o ministério e de repente está falando de cachorro, de farinha...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Farinha? Eu nunca escrevi isso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Farinha, mandioca, eu não lembro agora. Mas era algo que
não tinha nada a ver. Os pronunciamentos dela têm pensamentos incompletos,
palavras soltas... Teve um dia que tivemos que mexer aqui... Tinha uma frase
sem verbo! Uma frase de dez ou doze palavras sem um verbo!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Olha, eu realmente preciso ver...<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– A atriz chorou nesse dia! Ela quase abandonou a série
porque não consegue decorar suas falas. Parece que você abre o dicionário e vai
escolhendo palavras aleatórias e jogando ali!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso não é verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não me importa. Revisa isso, por favor. Não é um
personagem qualquer, é uma chefe de estado. Ela precisa ao menor ter frases com
sujeito e predicado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Tudo bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas enfim... Eu acho que você devia vir aqui para gente
poder planejar os próximos episódios com calma. Quero fazer isso junto com
você. E quero saber o que você vai fazer com aquele presidente da Câmara.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Esse personagem já deu o que tinha que dar, né? Eu sei
disso, e aposto que você sabe também. Mas você simplesmente se recusa a tirar
ele da série.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso não é verdade.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Esse personagem não dá mais. Ele é processado todo dia e
você simplesmente ignora isso, no episódio seguinte ele está lá e faz de conta
que não aconteceu. Olha, vamos abrir o
jogo. Eu sei que o ator é seu amigo e precisa do trabalho. Mas a gente precisa
conversar sobre isso. A gente precisa de uma reunião.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Bom... Tudo bem.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que dia você pode vir aqui essa semana?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Não pode ser na próxima?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Por que não nessa?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Porque eu tive uma ideia que estou desenvolvendo aqui essa
semana. Acho que pode virar algo bacana.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que ideia?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu vou te falar, mas ainda é segredo. Ok?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Certo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Só entre nós dois.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Fala logo. Qual ideia?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sabe o personagem de extrema direita?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aquele homofóbico? Aquele que defende golpe militar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Isso. Você viu que ele tem ganhado cada vez mais
importância?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim. E não entendo o motivo, porque... Olha, esse
personagem é caricato demais.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu estou imaginando uma série só dele. Um spin-off. Não
tenho nome ainda, mas estou pensando em batizar essa série de Mito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– VOCÊ ENLOUQUECEU?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu acho que pode render coisa boa. Mas nem é para agora, é
mais para frente. Esto pensando em 2018.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– VOCÊ VAI VIR PARA CÁ AGORA! VOCÊ ENLOUQUECEU
COMPLETAMENTE!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Então, hoje eu não pos...</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– AGORA! PEGA TODOS SEUS PAPEIS E VEM PRA CÁ! EU QUERO VOCÊ
AQUI EM MEIA HORA! ESSA LOUCURA PRECISA ACABAR! </div>
<div class="MsoNormal">
<br /><br /></div>
<div style="text-align: right;">
<i>(Obrigado a leitora <a href="https://twitter.com/senhoran">Nadia Nagel</a> pela ideia.)</i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-30312158275367177792016-02-10T12:12:00.006-03:002016-02-10T12:12:56.930-03:00Petúnias<div class="MsoNormal">
Alguns minutos depois do meio-dia, a equipe de demolição
sentou-se para almoçar. Eram três, mas poderiam ser seis, já que todos eram
mais altos e mais largos que qualquer outra pessoa no pequeno restaurante. Seus
músculos eram grandes para desespero das camisetas brancas apertadas que
usavam. Todos com a barba por fazer e cara de poucos amigos. Se alguém
decidisse organizar um campeonato de clichês no restaurante, os três teriam
grande chance de conseguir o primeiro prêmio na categoria “grupo”.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Estavam sentados numa mesa próxima à janela, comendo e
conversando sobre o dia. Na verdade, apenas dois falavam. O terceiro mastigava
a comida lentamente olhando para a janela, na direção dos tratores
estacionados. De tempos em tempos, empurrava a comida garganta abaixo com um
gole de cerveja.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Os dois que falavam pareciam se esforçar para agirem como
clichês também nas conversas. Assim que sentaram no restaurante, estavam
conversando sobre UFC, mas o assunto logo mudou para a manutenção dos tratores.
Era sobre isso que estavam falando quando o garçom veio anotar o pedido.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“O parmegiana é grande?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Olha”, respondeu o garçom, com um ar de quem já havia
escutado essa pergunta mais vezes do que poderia contar. “Ele serve fácil duas
pessoas. Talvez até três.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Então eu quero um.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Outro para mim.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Um para mim também. Com bastante batata.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Aliás, o próprio garçom era um clichê. Arrastava os pés
entre as mesas com a animação de quem já se conformou que passará o resto da
vida entre ali, anotando pedidos, servindo bandejas e respondendo se o
parmegiana é grande. No mesmo campeonato de clichês, ele teria grandes chances
na prova individual.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando a comida chegou, estavam conversando sobre o jogo de
domingo. Os três jogavam no mesmo time de futebol do bairro, mas nunca juntos.
Não havia vaga para os três, já que o técnico sempre os escalava como
zagueiros. Assim, enquanto dois estavam no campo testando quantos chutes as
tíbias dos adversários suportavam antes de virar pó, o outro ficava no banco.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Comeram conversando sobre aqueles assuntos que todos esperam
que uma equipe de demolição converse. Você viu o trator novo que foi lançado
este ano? Move três toneladas sem ranger. Os caras da empresa falaram que
sábado o Alemão derrubou um pedaço de uma parede com uma cabeçada. Acho que vou
pedir mais batata, veio pouca. Aproveita e pede mais uma cerveja. Cara, assisti
aquele filme do Stallone ontem. Rocky? Não, aquele que ele é soldado. Rambo?
Não, porra, aqueles novos, que tem um monte de gente, tem o russo que lutou com
ele no Rocky. Ah, Mercenários! Isso. Filmaço! Como um filme desses não ganha
Oscar?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Uma hora depois, não sobrava assunto, nem parmegiana – as
batatas já tinham acabado faz tempo. E só então os dois perceberam que o
companheiro mal havia aberto a boca durante o almoço.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Cara, tá tudo legal?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Oi?”, ele respondeu, afastando os olhos da janela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Você não falou nada no almoço?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ah, tô cansado só. Puxei ferro o domingo inteiro. Aí à
noite treinei boxe.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ah, então tá certo.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
As palavras “puxando ferro” fizeram com que se esquecessem
do amigo e começaram a conversar sobre isso. Pediram a conta falando sobre
exercícios, pagaram conversando sobre baldes de suplementos e foram embora
sonhando com a menina da recepção da academia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas isso, claro, apenas os dois que falavam. Porque o
terceiro continuou quieto, pensando sobre aquilo que havia passado o almoço
inteiro. Quando voltou para o trator, certificou-se que os amigos não estavam
olhando e puxou um pequeno bloco de papel do bolso. Algumas linhas estavam
escritas com letra feia numa das páginas, e ele releu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Era um poema não terminado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Fez as contas. Estava há pelo menos doze horas tentando
arrumar alguma palavra que rimasse com petúnia. Empacou nesse trecho pouco
depois da meia-noite, e não conseguia encontrar uma maldita palavra. Pensou até
em escolher outra flor e deixar aquele trecho com o vasinho de petúnias de
lado. Rosa rimava com pecaminosa, mas ele já havia usado em outro trecho.
Margarida e acolhida combinavam perfeitamente, porém ele queria guardar para o
final. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E como não conhecia muitas outras flores, tinha que usar as
petúnias no meio do poema. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
CALÚNIA!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sorriu vitorioso. Sim, seria difícil encaixar essa palavra
no poema, mas era algo que ele conseguiria resolver. Afinal, era experiente
nisso, tinha cadernos e cadernos de poemas em casa, todos muito bem escondidos
no fundo de uma gaveta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Guardou o caderno no bolso da calça, ligou o trator.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Partiu em direção à obra, mais animado. Passaria a tarde
conversando sobre flexões e abdominais. Talvez até tentasse derrubar um pedaço
de uma parede com uma cabeçada, como o Alemão. Seu dia já estava ganho.<br /><br /><br /><br /><i>(Este texto faz parte do desafio do podcast Gente que Escreve, que tenho a honra de ser co-apresentador - clique <b><a href="http://www.fabiombarreto.com/gqe/">aqui</a></b> para conhecer. A ideia era criar uma crônica com os elementos "cerveja", "trator" e "vasinho de petúnias").</i><o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-39821823277874887022015-12-26T12:57:00.002-03:002015-12-26T12:57:43.961-03:00Patrulhas Natalinas<div class="MsoNormal">
Aconteceu agora neste Natal, em alguma cidade grande do
Brasil. Três jovens estavam bebendo cerveja na frente da casa de um deles
quando, entre uma foto no Instagram e um post raivoso no Facebook, perceberam alguma
coisa estranha do outro lado da rua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Alguém estava tentando invadir uma casa pelo telhado. Ou,
pelo menos, era isso que parecia, já que as sombras não permitiam ver muita
coisa. Estavam pensando em chamar a polícia torcendo para que o vagabundo fosse
fuzilado quando o ladrão desapareceu. Antes que decidissem o que fazer, o
sujeito subitamente apareceu no quintal da casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tinha barba branca e carregava um saco de brinquedos. Mas
ele usava vermelho e isso era tudo o que os jovens precisavam saber.
Imediatamente, foram correndo em sua direção e o cercaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Seu merda!”, gritou um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tá usando vermelho por quê? Aposto que você ganha sanduíche
de mortadela para apoiar o governo!”, emendou o segundo, dando uma peitada no sujeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É por sua culpa que o país está assim! Fica defendendo esse
governo de ladrão! Desgraçado! Comunista!”, concluiu o terceiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assustado, o homem de barbas brancas deu um passo para trás,
tentando mostrar que não queria briga. “Olhem”, ele disse, levantando as mãos. “Eu
não quero problemas. Estou apenas entregando brinquedos...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Dando brinquedo? Aposto que é a gente que paga por esses
brinquedos!”, disse o primeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É! A gente fica pagando imposto para você ficar aí vestindo
roupa vermelha e dando brinquedo para filho de vagabundo!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É fácil para caralho apoiar o governo e morar no Polo
Norte, certo?”, disse o terceiro. Mas imediatamente percebeu que podia estar
falando bobagem. Talvez fosse Polo Sul. Então, resolveu perguntar, apenas por
garantia: “Você mora no Polo Norte, não mora?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A discussão continuou. O sujeito de vermelho explicou que
não apoiava partido político nenhum, mas isso irritou ainda mais os agressores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Se não apoia ninguém, por que está usando vermelho?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Volta pra Cuba! Mensaleiro!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Se você não está do nosso lado, é por que está contra o
Brasil!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A coisa quase descambou para a violência, mas o velho
conseguiu correr até seu trenó e saiu voando, deixando os jovens para trás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vamos fazer um post no Facebook. Isso não pode ficar assim”,
um deles disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Minutos depois, o velho pousou em outra rua, onde três
jovens estavam bebendo cerveja na frente da casa de um deles. Entre uma foto no
Instagram e um post raivoso no Facebook, perceberam alguma coisa estranha do
outro lado da rua.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Alguém estava tentando invadir uma casa pelo telhado. Ou,
pelo menos, era isso que parecia, já que as sombras não permitiam ver muita
coisa. Estavam pensando no que fazer, pois não podiam chamar um órgão de
repressão do governo para impedir o assalto. Antes que decidissem o que fazer, o
sujeito subitamente apareceu no quintal da casa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tinha barba branca e carregava um saco de brinquedos. Mas
ele estava cercado por três anões e isso era tudo o que os jovens precisavam saber.
Imediatamente, foram correndo em sua direção e o cercaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Seu merda!”, gritou um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Obrigando seus funcionários a usarem esses uniformes com chapéu
pontudo! Vai postar fotinho deles no Instagram?”, emendou o segundo, dando uma
peitada no sujeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Pleno século 21 e você aí explorando seus empregados na
noite de Natal! Desgraçado! Reacionário!”, concluiu o terceiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Assustado, o homem de barbas brancas deu um passo para trás,
tentando mostrar que não queria briga. “Olhem”, ele disse, levantando as mãos. “Eu
não quero problemas. Estou apenas entregando brinquedos...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Aposto que esses brinquedos são feitos com trabalho
escravo!”, disse o primeiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim! Agora que você está fora do seu trenó não é tão
valente, né? Quantos ciclistas você atropelou com esse trenó?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Quantos processos trabalhistas você tem no Polo Norte?”,
disse o terceiro. Mas imediatamente percebeu que podia estar falando bobagem.
Talvez fosse Polo Sul. Então, resolveu perguntar, apenas por garantia: “Você
mora no Polo Norte, não mora?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A discussão continuou. O sujeito de vermelho explicou que
não apoiava partido político nenhum, mas isso irritou ainda mais os agressores.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Claro que não! A elite só apoia partido que tem dinheiro!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tira essa roupa vermelha! Vai colocar camisa da CBF e bater
foto com PM!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Se você não está do nosso lado, é por que está contra o
Brasil!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A coisa quase descambou para a violência, mas o velho
conseguiu correr até seu trenó e saiu voando, deixando os jovens para trás.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vamos ali pichar ‘Mais amor, por favor’ naquele muro. Isso
não pode ficar assim”, um deles disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Agora seguro nos céus, o velho de vermelho decidiu que aquele
era o último Natal que ele distribuiria brinquedos para as crianças. A partir
do ano seguinte, entregaria livros para os adultos. Talvez fosse melhor.<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-68490170982846085032015-12-24T15:10:00.003-03:002015-12-24T15:10:50.988-03:00O Primeiro Natal de Laís<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: large;">I.</span></b><i><o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>O café era tão pequeno
que eu quase decidi procurar outro lugar. Tinha apenas meia dúzia de mesas e
estavam todas ocupadas. Além disso, elas ficavam tão perto uma das outras que
eu achei que jamais conseguiria entrar com todas as sacolas que estava carregando.
Precisei fazer malabarismos, pedindo licença aqui e desculpas ali, mas
finalmente consegui chegar ao balcão e pedi um café.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Enquanto esperava, puxei
a lista de presentes do bolso da calça. Eram quase trinta ou um pouco mais de
trinta pessoas. Não lembro mais. Pedi uma caneta para a garota do café e
risquei os últimos nomes. Depois de quase oito horas andando no shopping, todos
os presentes estavam comprados.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>E, eu lembro que ali,
esperando meu café, eu me senti feliz com isso.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Sabe, até esse ano,
comprar presentes de natal era algo que eu fazia por obrigação. Para mim, era
algo que todo mundo fazia e que as pessoas esperavam que você fizesse. Isso não
quer dizer que eu não gostava, mas acho que eu pensava mais em mim que em
qualquer outra coisa. Tentava não deixar para a última hora por minha causa.
Tentava não entrar em lojas que estivessem cheias por minha causa. Tentava não
gastar demais por minha causa. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mas esse ano foi o
primeiro Natal que eu tinha decidido dar um presente para todas as pessoas que
eu gostava. Não só para família, mas para os amigos. Os colegas de trabalho que
eram mais próximos. Vizinhos com quem eu gostava de conversas. Nesse ano, eu
tinha decidido dar presentes para todos eles.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Durante muito tempo,
eu achei que tive essa vontade porque eu tinha ganhado um bom dinheiro naquela
época e estava me sentindo generoso. Mas hoje eu sei que não. Mesmo porque eu
não comprei nada muito caro, porque assim eu tinha certeza que todo mundo iria
ganhar algo. Uma caneta, uma agenda, um disco... Naquele tempo ainda existiam
discos, eram bons presentes.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Hoje eu sei que não
teve nada a ver com dinheiro. Eu gosto de pensar que toda pessoa percebe que um
presente é muito mais que um presente... Acho que todo mundo percebe isso mais
cedo ou mais tarde. Eu percebi isso aquele ano.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mas eu não estava
pensando nada disso ali no café. Estava pensando só em tomar meu café, ir
embora e me preparar para a festa. Então, comecei a beber meu café ali no balcão
mesmo... Engraçado, eu lembro que queimei a boca quando dei o primeiro gole.
Não é importante, mas nunca me esqueci disso. Mas, enfim, quando eu dei o
primeiro gole ouvi uma pessoa me chamando da mesa do canto.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Olhei e vi um sujeito
de barbas brancas, fazendo sinal para que eu me sentasse com ele, indicando que
o outro lugar na mesa estava vago. Agradeci e disse que não, mas ele insistiu,
argumentando que eu não ia conseguir tomar café com todas aquelas sacolas ali
comigo. Ele tinha razão. Assim fui tomar meu café ali.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Só quando eu me sentei
na frente dele percebi que a barba branca não era por acaso. Ele usava uma capa
de chuva marrom, mas eu vi que sua roupa era uma fantasia de Papai Noel. Imaginei
que ele fosse um dos cinco ou seis velhinhos fantasiados que ficavam andando
pelos corredores do shopping ou sentados tirando fotos com as crianças.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Como se adivinhasse o
que eu estava pensando, ele sorriu e explicou que tinha apenas quine minutos de
intervalo, então era mais fácil colocar uma capa por cima da fantasia do que ir
até o vestiário e colocar outra roupa apenas para tomar um café.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Sorri concordando. Ele
deu um gole no copo de leite... Eu me lembro disso, ele estava tomando leite. E
olhou para as minhas sacolas, sorrindo.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“O Natal vai ser bom
esse ano”, ele disse.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu dei mais um gole no
café, fazendo que sim com a cabeça. “Mas acho que vai ser bom para muita gente”,
eu disse, depois de colocar a xícara de volta na mesa. “O shopping está
lotado”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não”, ele devolveu,
ainda com os olhos nas sacolas. “Muitas pessoas estão aqui pensando apenas no
que elas mesmas vão ganhar. Para essas pessoas, o Natal nunca é bom.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ao dizer isso, ele
olhou para mim pela primeira vez. Seus olhos azuis passavam uma bondade imensa,
algo que ficava ainda mais evidente com sua barba impecavelmente branca. Eu já
havia visto muitos sujeitos fantasiados de Papai Noel na vida, mas aquele
sujeito parecia ter nascido para isso. Mas havia algo nos olhos dele...<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu não sabia se era
uma ponta de cansaço. Ou de tristeza.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“E você? O que você
quer ganhar?”, ele perguntou.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Olhando hoje, a
situação seria até engraçada. Lá estava eu, um homem adulto, tomando café com um
Papai Noel que queria saber o que eu queria de presente. Mas eu não ri disso na
hora, porque quando ele fez essa pergunta, eu percebi que nem havia pensado
nisso. Estava tão preocupado com os presentes, querendo não me esquecer de
ninguém, que nem havia me passado pela cabeça que eu também ganharia presentes.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não sei. Não pensei
nisso”, respondi um pouco encabulado, achando que a resposta pareceria boazinha
demais para ser verdade. Mas ele acreditou.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“É por isso que eu
convidei você para se sentar aqui”, ele disse, sorrindo. Agora não havia mais
cansaço em seus olhos. Apenas bondade. “Porque você é uma das poucas pessoas
que estava tão ocupada pensando nas outras, que esqueceu completamente de si
mesmo. Você não é o único, mas pouca gente faz isso. Aqui no shopping devem
ter...”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele deixou o resto da
frase no ar e fechou os olhos. Parecia que ele estava tentando se lembrar de algo,
ou fazendo alguma conta de cabeça. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Três”, ele disparou,
antes que eu pudesse falar qualquer coisa. “Sim, apenas três pessoas que pensam
dessa forma estão no shopping agora. Você é uma delas.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Como você sabe
disso?”, eu disse, segurando a risada. Aquilo parecia irreal demais.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Eu apenas sei”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Então apenas eu e
mais duas pessoas no shopping inteiro entendemos o Natal?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sim. Na verdade,
quatro, contando comigo. Mas não seria justo eu entrar na lista. Afinal,
entender o Natal é o meu trabalho”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Dei um novo gole no
café para ganhar tempo e pensar no que responder. Mas tudo o que eu conseguia
pensar é que se isso tivesse acontecido no ano anterior, eu teria me levantado
e ido embora, achando que o sujeito era louco. Mas ali, naquele ano, naquele café...
Não sei. Eu queria apenas ouvir um pouco mais. Porém, ele apenas deu um novo
gole no leite, indicando que era a minha vez de falar. E foi o que eu fiz.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Mas o fato de eu nem
ter pensado no meu presente não me torna uma pessoa melhor que as outras”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não”, ele devolveu,
limpando a boca com um guardanapo de papel. “Não é você ter esquecido o seu
presente, mas sim o motivo de você ter feito isso.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Eu estar ocupado
demais?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Você não estava
ocupado comprando presentes para todo mundo, e sim realmente pensando nas
pessoas que receberiam os presentes. Cada coisa que você comprou... Você
realmente tentou imaginar como a pessoa se sentiria ao receber aquele
presente.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Mas todo mundo faz
isso.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Tem certeza?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Não. Era algo que eu
nunca tinha pensado a respeito. Era uma daquelas coisas que a gente tem certeza
apenas porque imagina que seja assim, e não porque realmente acontece.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Quanto tempo você
demorou até escolher a caneta?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Como você sabe que eu
comprei uma caneta?”, eu perguntei, batendo os olhos na sacola e procurando
algum indício de que a caneta que eu tinha comprado para o meu irmão estava à
mostra. Mas não vi nem sinal dela. Horas depois, quando voltei para casa, fui
procurar a caneta e ela estava no fundo de uma sacola. Não havia como ele ter
visto aquilo.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Quanto tempo?”, ele
insistiu.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Uns vinte minutos.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“E você quase levou a
preta.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Como você sabe disso?
Você estava na loja?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Porque decidiu levar
a azul?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Porque eu lembrei que
meu irmão sempre gostou mais de azul”, eu respondi, tentando avançar a
conversa.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sim. Você pensou no
seu irmão. Você fez isso com todos os presentes. Com o disco da sua mãe. O
sapato da sua esposa. O livro do seu amigo de trabalho, então, você demorou
quase uma hora.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Eu queria encontrar
algo que ele gostasse... Algo que deixasse...”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Algo que deixasse ele
feliz. Justamente o meu ponto. Você não queria apenas dar um presente. Você
queria deixar a pessoa feliz.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não é a mesma coisa?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele deu mais um gole
no leite e apanhou outro guardanapo de papel. Só quando colocou o guardanapo na
mesa é que perguntou.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sabe por que as
pessoas chamam presentes de Natal de lembrancinhas?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Porque não são caros?”,
brinquei.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não. Quer dizer, sim,
as pessoas sempre dizem que é uma lembrancinha por esse motivo. Mas os
presentes têm esse nome porque é a forma que as pessoas encontraram de mostrar
para as outras que ‘eu me lembrei de você neste Natal’.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu nunca havia pensado
nisso, mas fazia sentido. E eu disse isso a ele.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Mas a maior parte das
pessoas”, ele continuou, “não compra uma lembrancinha por causa disso, e sim
por obrigação. Elas sabem que como vão ganhar presentes, precisam dar
presentes. Acham que é assim que o Natal funciona”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sim”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Mas você fez o
contrário”, ele devolveu. “Você realmente quis mostrar que se lembrou das
pessoas. Você escolheu cada presente como se fosse o único que daria. Ou como
se fosse o único que a pessoa ganharia. Seu café está esfriando”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Só então eu percebi
que havia esquecido a xícara na mesa. Dei um gole e fiz uma careta ao perceber
que a bebida já estava morna.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Acho”, eu disse, “que
isso é o espírito do Natal. As pessoas se sentem mais generosas nessa época.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele pareceu pensar por
um momento, antes de voltar a falar.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sabe por que o Natal
é especial?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu sabia. Mas não
tinha ideia de como colocar isso em palavras. E também achei que minha resposta
seria um pouco ridícula. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sim, por causa do
Espírito de Natal”, ele interrompeu meus pensamentos, adivinhando o que eu
queria dizer e não sabia como. “Mas muita gente não entende isso. O Espírito de
Natal não é algo que existe por causa do Natal. Na verdade, é justamente o
contrário.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i> “Como assim?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“A maior parte das
pessoas quer que o Espírito de Natal apareça e faça com que a noite delas seja
feliz. Mas existem algumas poucas pessoas que, ao invés de se preocupar com
isso, preferem levar felicidade ao Natal dos outros”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele ficou em silêncio,
como se quisesse ter certeza que eu havia entendido aquilo. Só então ele disse:<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Essas pessoas são o
Espírito de Natal”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Abri a boca para falar
algo, mas ele fez um gesto para que eu esperasse. Foi quando ele fez algo que
eu nunca entendi. Ele disse para eu olhar para as mesas. Ele disse... E isso eu
lembro perfeitamente... Que eu devia olhar para o casal de namorados, para o
velho que sorria na mesa do canto e para a mulher com o bebê no colo. Mas ele
não tinha como saber que aquelas pessoas estavam ali. Elas estavam atrás dele e
ele ficou com os olhos em mim o tempo inteiro. Ele não se virou para olhar as
mesas em momento algum.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu obedeci. E vi o casal
abraçado. O homem sorrindo com o olhar distante. A mulher que brincava com o
bebê.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Antes de você
chegar”, ele disse, “o casal estava brigando. Alguma coisa envolvendo a mãe
dela. O velho ali perto da porta estava amargurado. Ele fica assim todo ano,
porque não vê mais graça no Natal desde que sua esposa morreu. E a mulher estava
distraída, pensando somente em tudo o que ainda tinha que fazer hoje, sem
sequer se lembrar do seu bebê. E o Desde que você chegou, as coisas mudaram.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Como assim?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Assim que você
colocou os pés no café”, ele disse, ainda sem olhar para as mesas, “os
namorados lembraram porque estão apaixonados. A mulher se lembrou do quanto ama
seu bebê e o pegou no colo. E o homem se lembrou de todos os Natais felizes que
passou ao lado da esposa. Ele nunca esqueceu isso, mas pela primeira vez, teve
a coragem de dar mais importância para essas memórias que para a saudade que sente
dela”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu olhei para cada uma
das mesas procurando por algum indício disso, mas não encontrei nenhum... Até
que olhei para o velho e vi que, por trás do sorriso, seus olhos ainda estavam
molhados. Sim, ele havia chorado minutos antes.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Todas essas pessoas”,
ele disse, “lembraram o que o Natal significa de verdade no minuto que você
colocou os pés aqui. Você fez isso com elas.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Isso é coincidência”,
eu disse. “Não tem nada a ver comigo.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Coincidência é como as
pessoas que não querem acreditar em nada chamam as coisas que elas não
conseguem explicar”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele deu o último gole
no copo de leite e limpou a boca novamente. Achei que ele fosse embora, mas ele
permaneceu sentado, olhando para mim.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Por isso as pessoas
no café estão mais calmas... Ou mais felizes, se você quiser chamar assim,
desde que você entrou aqui. Você disse que isso acontece por causa do Espírito
de Natal. E eu digo que é por sua causa. E eu e você estaríamos certos. São
maneiras diferentes de dizer a mesma coisa.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Você...”, eu disse,
procurando as palavras exatas. “Você não pode estar falando sério. Tudo o que
eu fiz foi comprar presentes para todo mundo. Qualquer pessoa com dinheiro
poderia fazer o que eu fiz.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Não, não são os
presentes”, ele disse, se levantando. “Sabe por que você não pensou em ganhar
nada?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu não respondi.
Apenas olhei para ele em pé ao lado da mesa.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Porque para você”,
ele explicou, “o Natal já estava completo no momento que você resolveu pensar
nas outras pessoas. Você não precisava de mais nada. Para você, o Natal é feliz
porque você conseguiu fazer o Natal dos outros mais felizes. E esse é um sentimento
que não está ao alcance de qualquer pessoa.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Uma última pergunta
passou pela minha cabeça, e eu não podia deixar com que ele partisse sem essa
resposta.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Você disse que
existiam mais pessoas assim no shopping?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“Sim. Três pessoas”.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“E por que você está
aqui comigo? Eu não sou tão especial assim. Por que você está falando isso comigo,
e não com elas?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Ele apenas sorriu o
sorriso mais bondoso que eu vi na vida.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>“E como você pode ter
certeza que eu não estou falando também com elas enquanto falo com você?”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Eu queria responder
algo, mas ele já havia ido embora. Era como se nunca estivesse ali. Eu terminei
meu café pensando em tudo aquilo e levantei sem fazer ideia do que havia
acontecido. Mas, quando estava indo embora, olhei para a cadeira agora vazia à
minha frente e vi algo branco nela.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Coloquei a mão no
negócio e descobri que era molhado. Molhado e gelado.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Era neve.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: large;">II.</span></b><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Vô... Você não pode estar falando sério.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Estou. Essa história aconteceu há mais de trinta anos. E
eu nunca contei isso para ninguém. Você é a primeira pessoa que ouve.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Vô... Você está me dizendo que era o Papai Noel? Assim, o
Papai Noel de verdade?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Laís... Eu não sei. Se eu estivesse contando essa história
para o seu priminho, eu diria que sim, é claro que era o Papai Noel. Mas ele
tem seis anos. Você tem quinze. Para você, eu posso ser sincero. Eu não faço
ideia se era o Papai Noel ou não. Eu penso nisso todo Natal, e nunca consegui tirar
conclusão nenhuma.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Mas você pegou a neve? Era neve mesmo?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Era. Tenho certeza.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– E ele parecia o Papai Noel?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim. Mas ele também podia ser alguém fantasiado. Não sei.
De verdade. Mas, na verdade, eu já desisti de procurar uma resposta. É por isso
que eu estou contando essa história para você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Aquilo que ele disse sobre as coincidências. Sobre as pessoas
que não querem acreditar em nada... Você se lembra dessa parte?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Sim.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Depois de anos pensando sobre isso e sem enxergar resposta
alguma, eu decidi esse ano que quero acreditar. Este ano, eu vou me dar um
presente de Natal. E o presente é acreditar nessa história, que é o meu
presente para você.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Como assim?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Eu não quero que essa história desapareça comigo, porque
depois que eu não estiver mais aqui, você ainda vai ter muitos natais. Com seus
pais, depois com seu marido, com seus filhos, e daqui a muito tempo, com seus
netos. Essa história... Eu gosto de me lembrar dela como se fosse o meu
primeiro Natal. O meu primeiro Natal de verdade... E ela não pode acabar comigo. É por isso que estou
dando essa história para você, minha neta mais velha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Você acha verdade isso, vô? Que a gente é o Espírito de Natal?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Acho. Mas acho que isso não é só no Natal. Acho que todo
mundo tem uma coisa aqui dentro, e que no Natal chama Espírito de Natal. Mas
existe com a gente o ano todo, só que com outro nome.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Que nome?<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
– Amor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: large;">III.</span></b><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Décadas depois do Natal em que essa história foi escrita, a
Laís ainda se lembra dela. Mas ainda não contou para ninguém. É uma história
que está dentro dela, escondida do mundo, e que um dia seria passada para o seu
neto mais velho.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas ela ainda pensa na história. Todo ano, na época de
Natal, ela vai a um café depois de comprar os presentes. Escolhe uma mesa no
canto e fica tomando seu café em silêncio, observando as pessoas das outras mesas
e torcendo baixinho para que elas tenham um Natal feliz.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
E sempre se lembrando do seu primeiro Natal, que aconteceu quando ela tinha quinze anos e ficou conhecendo a história do primeiro Natal do seu avô.</div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-64666346661903579692015-12-20T16:45:00.001-03:002015-12-20T16:45:27.154-03:00Certezas e Certezas Absolutas<div class="MsoNormal">
Ele saiu do cinema calado, completamente diferente dos amigos,
que ainda viviam cada cena do filme como crianças na porta de um cinema que se
recusou a envelhecer e fincou os pés em 1977. Todos eram garotos novamente.
Queriam um sabre de luz ou pilotar um caça, viajando de um planeta para o outro.
Acima de tudo, queriam livrar a galáxia do mal.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos, menos ele, que continuou em silêncio quando entraram
no bar e permaneceu assim quando pediram as primeiras cervejas. Foi só no
segundo copo que um dos amigos, ao ver que ele apenas encarava o copo, cutucou seu
braço:<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Você não gostou do filme?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Adorei”, respondeu, ainda com os olhos baixos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas você não está falando nada! O que achou do filme?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ele observou uma bolinha de gás se desprender do fundo do
copo e flutuar até a superfície.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“É maravilhoso. É melhor que eu esperava.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Seu tom de voz era preocupado. Completamente diferente de horas
atrás. Na fila para entrar no cinema, ele estava tão empolgado quanto os
companheiros e falava pelos cotovelos, conversando sobre os filmes anteriores
para disfarçar a ansiedade, sem perceber que isso o deixava ainda mais nervoso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Havia comprado o ingresso dois meses antes, mas não era um
filme que ele esperava para assistir desde o dia que os ingressos começaram a ser
vendidos, nem desde que o primeiro trailer foi lançado. Era mais que isso. Estava
esperando esse filme desde garoto. Foram décadas imaginando como esse filme
poderia ser e, muitas vezes, se perguntando se ele seria feito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Agora, com a história e cada cena frescas em sua cabeça, tudo
o que ele conseguia fazer era fitar o próprio copo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas por que você está desse jeito?”, um deles perguntou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Já sei”, outro concluiu. “É por causa daquela cena em
que...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não! Sem spoilers”, o terceiro gritou, batendo na mesa.
“Isso aqui é uma crônica e não sabemos se todos os leitores já assistiram ao
filme!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tem razão, desculpe”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ficaram alguns segundos em silêncio, esperando o amigo entregar
o motivo de estar amuado daquele jeito. Finalmente, mas ainda sem erguer os
olhos, murmurou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Estou apenas um pouco preocupado. Só isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Preocupado com o
quê? O filme é maravilhoso!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, eu sei. É justamente por causa disso”, disse, olhando os
amigos nos olhos pela primeira vez desde que as luzes do cinema se acenderam.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nenhum deles soube ao certo o que dizer. Se ele tivesse dito
que estava preocupado antes de ver o filme, na fila do cinema, seria
compreensível. Mas ali, no bar, com os olhos ainda inchados das lágrimas derramadas
a cada cena mais emocionante... Não fazia sentido. Sabendo disso, ele deu um
gole na cerveja e resolveu explicar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Qual o melhor filme da saga?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Império...”, disse um deles.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Contra”, emendou o segundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Ataca”, concluiu o terceiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Isso”, ele concordou, ignorando o momento Huguinho, Zezinho
e Luisinho cavado pelos amigos. “Vocês nem precisaram pensar antes de
responder. Esse é meu ponto”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Mas o que há para se
pensar?”, disse um deles. “Império é o melhor filme da saga!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Império é o melhor filme da história”, disse o segundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Cadê o garçom?”, disse o terceiro, o único a perceber que
as garrafas estavam vazias.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Como se procurasse a melhor forma de colocar sua preocupação
em palavras, ele ficou em silêncio alguns segundos, com o rosto apontado na
direção do balcão do bar, mas sem olhar nada específico. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vocês se lembram de 1999? Episódio Um?”, ele finalmente
disse.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, claro”, um deles respondeu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“O que vocês acharam do filme?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Bem, eu saí maravilhado. Só na quarta ou quinta vez que fui
ao cinema que comecei a perceber que ele era ruim”, um deles disse – e não faz
diferença qual, já que todos concordaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Vocês acharam em algum momento que ele era melhor que
Império?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Claro que não! Nada é melhor que Império!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E ao ver Episódio Um”, ele perguntou, agora olhando diretamente
para cada um dos amigos, “vocês acharam que Episódio Dois poderia ser melhor
que Império?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Imagine! Império é o melhor filme da história!”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim”, ele concordou. “Eu também acho isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Nunca teremos um novo Império Contra-Ataca!”, declarou um deles,
de forma definitiva.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Hoth! A cena dos asteroides! Boba Fett!”, emendou o
segundo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Posso comentar spoilers desse, certo? O filme é de 1980, os
leitores da crônica sabem o que rola no filme”, pediu o terceiro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Claro”, todos emendaram.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“I AM YOUR FATHER!”, ele gritou, erguendo o copo, e sendo
aplaudido pelos outros dois. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Quando os aplausos e gritos cessaram, o amigo parecia ainda
mais fatalista.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como eu disse, esse é o meu ponto. Vou tentar explicar
aqui”, ele disse, dando um gole na cerveja. “O Império Contra-Ataca é mais que
um filme. Ele é uma das poucas certezas absolutas da vida.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Como assim?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“A gente sempre teve certeza não só que Império Contra-Ataca
é o melhor filme de Star Wars, como nunca mais outro Império Contra-Ataca seria
feito. Pergunte a um fã se ele gostaria que outro O Império Contra-Ataca fosse
feito. Ele vai falar que sim. Mas pergunte se ele acha que isso é possível e
ele vai rir da sua cara.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim, tem razão.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Império Contra-Ataca é uma certeza. É uma daquelas coisas
que acontece apenas uma vez na vida, e que mostra que a perfeição é possível.
Aliás, um dos motivos dele ser tão bom é que sabemos que nunca mais haverá
outro igual.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tipo o Brasil de 70”, disse aquele que gostava de futebol.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tipo a Bianca”, disse aquele nunca havia se recuperado da
primeira namorada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nova rodada de cervejas. Quando o garçom terminou de encher
os copos, ele continuou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Enfim, eu sempre pensei isso. Por mais que eu mentisse para
mim dizendo que adoraria que outro Império Contra-Ataca surgisse, eu sempre
soube que isso não iria acontecer. E eu nem precisei dos outros filmes para
saber isso, soube disso quanto assisti pela primeira vez. A primeira vez que
assisti Império, eu tive certeza que aquilo era o auge. Quando fui assistir O Retorno
de Jedi, eu vi que estava certo assim que os ewoks apareceram”.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu também”, um concordou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Aí veio a nova trilogia...”, disse outro.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E a gente teve mais certeza ainda. Aliás, não vamos nos
esquecer das edições especiais. O Império Contra-Ataca é tão imbatível que nem
mesmo a nova versão do próprio Império Contra-Ataca consegue ser do mesmo
nível. É o que eu estou falando, ele é uma certeza. É algo que a gente cresceu
sabendo que era verdade indiscutível.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Sim.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Pelo menos, até hoje”.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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Todos pararam de beber ao mesmo tempo. Mas apenas um deles
teve coragem de transformar o espanto em palavras.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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“Espere aí! Você está dizendo que Episódio Sete é melhor que
Império?”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Não, claro que não. Na verdade, não estou comparando.
Afinal, lembre-se que Império é o segundo filme da Trilogia Clássica. E esse
filme que acabamos de assistir é o primeiro de uma nova trilogia.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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“E daí?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E você realmente acha”, ele indagou, “que pelo que vimos
hoje... Pelo filme que vimos agora... Que essa nova trilogia não tem chances de
ter um segundo filme melhor que Império?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Você acha?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Não estou dizendo que sim, mas... Pense. Pense nas
trilogias. Uma Nova Esperança virou O Império Contra-Ataca. Certo. Agora, Episódio
Um a gente sempre soube, desde o primeiro dia, que ele jamais daria origem a um
novo Império Contra-Ataca. Com sorte... Com muita sorte, ele teria uma
continuação que chegaria perto de O Retorno de Jedi. Agora, se o Despertar da
Força, que é o primeiro filme dessa trilogia, já foi tudo isso...”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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Deixou o resto da frase no ar, esperando que um dos amigos a
pescasse. E não demorou muito até que um deles mordeu a isca.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Meu Deus. Você tem razão. Se Episódio Sete já foi tudo
isso... Episódio Oito pode ser melhor.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Pode ser melhor que Império.”, ele corrigiu.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Será? Mas Império é perfeito!”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Mas agora esse risco agora existe. E eu não sei se estou
pronto para isso”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Silêncio na mesa. Desta vez, não porque as cervejas tinham
acabado ou porque tinham receio de comentar spoilers no meio da crônica. Era um
silêncio mais profundo, típico de pessoas que veem suas vidas inteiras sendo
questionadas. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Você tem razão”, um deles finalmente disse. “Eu não saberia
viver direito sabendo que Império Contra-Ataca não é o melhor filme da saga. Acho
que eu nem mesmo me reconheceria mais.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Sim”, outro emendou. “Agora que você está falando... Existem
dias que você acha que não entende nada sobre a vida. Seu casamento termina e
você não sabe o motivo, seu colega incompetente é promovido e você não... Aqueles
dias em que você sabe que está fazendo tudo errado, mas não entende ao certo o
que exatamente está fazendo de errado, sabem?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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“Sim.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Mas aí você para e pensa que Império Contra-Ataca é o
melhor Star Wars e sente um pouco de conforto, porque sabe que existe pelo
menos um assunto que você entende. Sabe que existe algo que você sabe e que
nunca vai mudar.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Exato. Eu sequer me lembro da pessoa que eu era antes de achar
que Império Contra-Ataca era o melhor filme da saga! Eu não conseguiria mudar
agora, estou velho para isso.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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“Eu também não.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Vocês fazem ideia”, disse um deles, “que se Episódio Oito
for melhor que Império... Nada mais faria sentido? Amor. Vida. Morte. Não vão
mais existir verdades absolutas. Porque se Episódio Oito for o melhor Star
Wars, é porque a única certeza que nós tínhamos... Deixaria de ser verdade.”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
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“E se isso acontecesse, tudo o que sabemos sobre a vida...
Sobre o mundo... Sobre nós mesmos...”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Até mesmo sobre o Brasil de 70”, um deles acrescentou.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Ou sobre a Bianca”, outro concluiu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Tudo. Tudo poderia estar errado”, alguém finalizou.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Eu não estou pronto para isso. Eu não estou pronto para
jogar décadas da minha vida fora assim.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Não. Esse filme não pode ser melhor que Império.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Sim! Se um dia fizerem um Star Wars melhor que Império, no
que nós vamos acreditar? Vou estar com quase cinquenta anos e de repente descobrir
que nunca soube nada sobre a vida?”<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Meu Deus”, disse um deles, escondendo o rosto nas mãos.
“Tantos anos... Tudo o que sou... E isso pode terminar em apenas um filme? Não
é justo.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Vamos torcer. Quem sabe as coisas dão errado...”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Quem sabe o roteiro é ruim?”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Quem sabe trazem o Jar Jar de volta?”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Isso. Aí iríamos para casa e passaríamos a noite bebendo e
conversando sobre Império Contra-Ataca.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“E nos perguntando se um dia alguém conseguiria fazer um
filme tão bom quanto ele. Ou melhor.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“E tendo certeza que a resposta era ‘não’”.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Certeza absoluta.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Verdade. Bons tempos em que a gente entendia o mundo...”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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Novo silêncio. Desta vez, por aquele medo típico que
sentimos quando vemos uma verdade absoluta se esfarelar como um castelo de
areia, que é a maneira que a vida encontra, às vezes, de mostrar quem manda
ali. Mas ele foi quebrado pro uma voz. Era outro amigo, que havia ido a outro
cinema e combinado de aparecer no bar depois. Entrou vestindo um manto Jedi e
gritando sobre o filme.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Que filmaço!”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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Todos olharam para ele com cara de enterro.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“O que aconteceu?”, ele perguntou, puxando uma cadeira.
“Vocês não gostaram do filme?”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Adoramos.”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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“Por que essas caras?”<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
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Todos pensaram se era justo estragar a vida do amigo, mas decidiram
que não. Ele podia esperar mais uns anos e descobrir por conta própria se
Episódio Oito era melhor que Império Contra-Ataca. Assim, ficaram em silêncio.
O único que falou, falou mais para si mesmo que para os outros.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
“Saudade da Bianca. Nunca mais vou achar uma mulher como ela...”,
resmungou.</div>
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<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-38632612.post-16565393257891777742015-11-10T18:32:00.000-03:002015-11-10T18:32:20.192-03:00Odisseia<div class="MsoNormal">
Chovia e a História corria, tomando cuidado para não
tropeças nas próprias palavras.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Olhando de longe, parecia ser uma história como outra
qualquer. Tinha um personagem simpático, daqueles que a gente se identifica com
facilidade. Também possuía diálogos bem construídos e certa dose de humor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, se olhássemos mais de perto, veríamos que ela era uma
história diferente, e não porque ela corria como se estivesse viva – afinal há
quem diga que, na verdade, toda história é viva. Ela era especial porque era
uma história de amor e, sendo uma história de amor, era repleta de dúvidas. E,
numa época em que todos têm receitas infalíveis sobre o amor, é preciso coragem
para expor incertezas como a História fazia.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sim, a História era viva e corajosa. Isso ficava claro em
cada passo que ela dava enquanto corria na calçada. Olhava sempre para frente –
pois o amor sempre caminha orgulhoso de si mesmo e com a cabeça erguida, algo
que as imagens com mensagens de autoajuda parecem não entender – e dava passos
largos, pulando poças e pequenas corredeiras que desciam pela sarjeta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas seus obstáculos não eram apenas as poças de água. A História
era obrigada a desviar de tudo o que aparecia em seu caminho. Gifs animados
passavam girando pela calçada fazendo piada com uma situação de trabalho ou com
falta de dinheiro. Selfies de pessoas que perderam a vergonha na mesma
proporção da autoestima lotavam a calçada, implorando por elogios. Casais
felizes andavam abraçados, impedindo a passagem – mas bastava esperar até que
ninguém estivesse olhando para que começassem a brigar, tomando cuidado para
não macular a imagem de casal perfeito.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Esbaforida, a História sabia que o tempo estava acabando e
apertou o passo.<o:p></o:p></div>
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<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas, conforme sua velocidade aumentava, os obstáculos
cresciam. Perdeu tempo desviando de uma enorme multidão vestida de azul que
fazia coro contra pessoas que se vestiam de vermelho. Precisou quase se jogar
no chão para não ser atingida por uma mensagem de homofobia que veio voando
pelo ar a esmo, tentando acertar qualquer coisa que encontrasse pelo caminho.
Outra frase de ódio – esta contra pessoas de outras classes sociais – veio logo
atrás e acertou uma crônica escrita por um aluno de escola pública, matando não
apenas a história como os sonhos do garoto de se tornar escritor.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A História começou a perder o fôlego. Mas não podia
desistir. Ela sabia isso desde que ganharia sua primeira linha. Precisava
chegar ao seu objetivo, que ia muito além do seu final.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mas as coisas começavam a ficar cada vez mais e mais
difíceis. Uma nova multidão – esta vestindo vermelho e atacando aqueles que
usam roupa azul – apareceu em sua frente. Novo desvio, nova perda de tempo,
especialmente porque a História, sem perceber, caiu no meio das pessoas que
seguiam as modas.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Foi obrigada a desviar de vegetarianos que ainda limpavam a
gordura do hambúrguer da boca – e que na semana que vem estarão comendo carne
mais uma vez – de especialistas de cervejas que deram o primeiro gole duas
semanas atrás e de escritores que sempre sonharam em escrever, mas que se
tornaram fotógrafos porque sempre sonharam em fotografar e que no fim viraram
chefs porque sempre sonharam em cozinhar. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Também presenciou algumas brigas. Na verdade, discussões
levantadas por pessoas mais preocupadas em mostrar que defendem uma bandeira –
e que, como qualquer pessoa que recém descobriu uma bandeira, enxerga todas
outras bandeiras como inimigas – e de especialistas que explicam tudo para quem
quiser ouvir. Também atravessou o discurso de uma pessoa que dava uma
verdadeira aula sobre um caso de corrupção, mais preocupado em mostrar o quanto
era bem informado que em impedir o novo escândalo que apareceria no dia
seguinte. Saltou sobre dois fãs de um filme que trocavam socos, cada um
exigindo que o outro reconhecesse que o adversário gostava mais do filme que
ele.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo estava curto. Nova multidão. Um corpo de uma
celebridade esquecida jazia na calçada. Ao redor dele, diversas pessoas se
juntaram. Algumas alegavam que sempre foram fãs dela, outros diziam que bastava
alguém morrer para todos se tornarem fãs e um terceiro grupo argumentando que
não aguentava mais as pessoas reclamando daquelas que se diziam fãs. A História
viu quando o estranho velório foi interrompido por um abaixo assinado impedindo
que o bar que ninguém ia não fosse fechado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todos ignorando a chuva. Todos tirando fotos. Fotos de si
mesma e de momentos esquecíveis, que apenas desviam a atenção da vida.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Finalmente, a história atingiu seu objetivo. Faltavam poucos
minutos para a garota sair do trabalho quando ela encontrou o texto na sua
linha do tempo. A História se tornou a última coisa que ela leu antes de
desligar o computador. Parecia ter sido escrito para ela, que vivia os
primeiros dias de uma grande paixão e não dava atenção a mais nada – pois o
amor faz a gente prestar atenção em tudo, mas a paixão faz a gente esquecer até
de nós mesmos – e ela sorriu.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Sorriu com aquela História de amor e levou o sorriso com
ela, no ônibus. Foi um sorriso discreto, mais preocupado em existir que em ser
visto. Afinal, essa sempre foi a missão da História: fazer a menina sorrir de
uma forma só sua, e que ela jamais esquecesse.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Todo o resto seria esquecido e repetido e esquecido e
repetido no dia seguinte.</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
Rob Gordonhttp://www.blogger.com/profile/12347089709289451113noreply@blogger.com6