O redator bebeu um gole de café e olhou pela janela, vendo os
painéis estampados com o rosto do Líder Supremo na rua. Tudo indicava que seria
um dia normal na agência. Todos os trabalhos estavam entregues de acordo com o
briefing e ele poderia passar o dia colocando os e-mails em dia.
Ele ainda não havia terminado seu café quando viu a executiva
de atendimento entrando na sala e caminhando apressada em sua direção. O
redator sabia que isso significava problemas. Mas decidiu não tentar adivinhar
qual seria o assunto e esperou que ela falasse.
– O cliente pediu algumas refações.
O redator suspirou e olhou pela janela. Pelo menos nos painéis,
o cliente não parecia estar preocupado com refações. Estava olhando para o
alto, como quem olha para o futuro, de forma grandiosa e sorridente. Um sujeito
com um sorriso daqueles jamais pediria refações.
Por outro lado, um sujeito que sorria assim jamais pediria
aquele tipo de trabalho.
– Quais refações?
– A maior delas é no vídeo. O cliente adorou a peça, mas
acha que falta algo.
– Não falta nada. O briefing era mostrar os Estados Unidos
destruídos. Isso está no vídeo.
– Que tal a Casa Branca?
– Nós conversamos sobre isso. Isso ia ficar parecido com
Independence Day. As pessoas iam fazer piadas e a ideia é fazer com que elas sintam
medo.
– Fale mais baixo. Ninguém pode saber que a gente viu esse
filme para fazer a pesquisa. A amiga da minha irmã que conseguiu o DVD está
desaparecida faz uma semana.
– Mesmo?
– Sim. Olha, não precisa ser a Casa Branca, mas algum
monumento. Algo que as pessoas conheçam.
– Tem a bandeira pegando fogo. As pessoas não conhecem a
bandeira?
– Mas ele quer mais destruição. Disse que pode aumentar o
orçamento, desde que tenha algo famoso sendo destruído.
– Bom... A Casa Branca não ia funcionar.
– E Nova York?
– O que tem Nova York?
– Nova York não é conhecida?
– Acho que sim. Mas Nova York não foi explodida pelo pessoal
do Oriente Médio?
– Eu acho que não explodiram a cidade inteira. Só um bairro.
– Olha, assim fica difícil. Eu posso mostrar o que o cliente
quiser, mas eu preciso entrar na internet para pesquisar as coisas.
– Não. Nós não temos autorização.
– Eu não posso explodir um país sem saber o que tem no país.
Imagine que vergonha seria se o vídeo mostrasse os Estados Unidos sendo
destruídos, e aí tem uma imagem daquela torre na Itália.
– A torre fica na Itália? Eu achei que ficasse na França.
– Eu não sei. E se eu abrir a internet para procurar isso,
eu sou morto. Ele não pode dizer especificamente o que ele quer que a gente
exploda no vídeo?
– Não. Ele disse só “uma cidade americana”. E se você
procurar algo no banco de imagens?
– O banco de imagens só tem foto do Líder Supremo e da sua
família!
– Bom, eu vou ver o que eu faço aqui.
– Certo. Ah, ele também quer bombas maiores.
– Maiores? Mas as que eu coloquei têm quase cinquenta
metros!
– Ele quer uma de trezentos metros.
– Trezentos metros?!
– Isso.
– Mas isso existe?
– Bom, vai estar no vídeo. E se vai estar no vídeo, é porque
existe. Ou, pelo menos, o mundo vai achar que existe.
– Certo. Mas, e olha, desculpe eu ser chato, mas não adianta
nada a gente ter uma bomba desse tamanho no vídeo e mostrar a cidade errada.
– Sim. Eu concordo. Confio em você.
– Acho que a estátua da Liberdade fica lá.
– Nos Estados Unidos?
– Isso. Ela fica perto de uma praia, mas acho que é ali.
– Uma estátua perto da praia? Isso não é o Cristo?
– Que Cristo?
– Aquele Jesus com os braços abertos. Isso fica perto da
praia também.
– Não conheço isso. Mas, se é Jesus, deve ficar no Vaticano,
ali na França.
– Na Itália.
– Pode ser. Bom, vamos lá. Mostrar uma cidade. Bombas
maiores. Que mais?
– Acho que é só. Ah! Ele quer uma família sul-coreana.
– Oi?
– É. No meio da explosão. Ele quer uma família sul-coreana
ali no meio da destruição.
– Mas fazendo o quê?
– Sei lá. Pegando fogo. Morrendo. Essas coisas que as
pessoas fazem quando bombas caem em cima delas.
– Mas como eu vou colocar uma família sul-coreana no meio
dos Estados Unidos? Como as pessoas vão saber que eles são sul-coreanos? Isso
não tem como ser feito.
– Bom, se você não colocar um vídeo com os sul-coreanos, é
bem capaz de sermos eu e você vestidos como sul-coreanos no lugar que a bomba
explodir.
– Mas o problema é que... Espere! A bomba vai explodir
mesmo?
– A bomba vai explodir no vídeo. E se ela vai explodir no
vídeo...
– É porque vai explodir de verdade. Eu sei.
– Então é bom você colocar alguns sul-coreanos ali.
– Certo. Vou ver o que eu faço.
– Consegue o novo roteiro até a hora do almoço?
– Acho que sim.
O redator jogou o copo de café no cesto do lixo ao lado da
mesa. Abriu o roteiro, pensando qual pedaço dos Estados Unidos poderia explodir
quando a Executiva de Atendimento, já perto da porta, olhou de volta para ele e
gritou.
– Ah, quase esqueci! Ele quer encerrar mostrando as nossas
tropas marchando numa cidade americana! Mostrando as ruas e o povo americano completamente
entregue!
O redator olhou de volta para ela.
– Eu não sei nem o lugar que vou explodir! Como eu vou
arrumar uma cidade inteira? Que cidade ele quer?
– Vê se consegue algo até a hora do almoço?
O redator suspirou. Pensou em arrumar as coisas e ir embora,
mas mudou de ideia quando olhou para o lado e viu a cadeira vazia. Lembrou-se
do diretor de arte que se sentava ali. Havia desaparecido há dois anos, depois de ter afirmado que um briefing do cliente era irrealizável. A cadeira continuava
ali, na agência, como exemplo.
Respirou fundo e olhou pela janela, em busca de inspiração.
O Líder Supremo continua ali, olhando para o futuro. E sorrindo.
Clique aqui para comprar meu conto na Amazon.
6 leitores:
Se dá para tirar alguma coisa dessa desgraça é que já rendeu um roteiro e um belo conto.
Muito bom cara =)
Bom dialogo, hilário e triste quando me lembro da inspiração dele.
Será que essa crônica é uma professia?
Me deu até medo.
Gostei do texto. Intrigante e tem um “Q” de Stálin no Lider Supremo. Ele fazia esse tipo de coisas em Moscow.
Que diálogo sensacional, cara! Eu ri de fato!
Postar um comentário