18 de janeiro de 2015

Pipas

Ela flutuava sozinha, desafiando os prédios acinzentados com suas cores vivas. Flutuava no céu, ora dançando ao sabor do vento, ora lutando contra ele, como se ela e o sopro fossem duas crianças brincando de luta. Ia para lá e para cá, rodopiava e mergulhava fingindo cair, mas sempre se erguia novamente, olhando a cidade por cima.

Lá embaixo, as pessoas pareciam pequenos insetos. Cada uma delas era um mundo, repleto de sonhos abandonados e mágoas que há muito perderam a data de validade, e que passava o tempo andando pelas ruas e avenidas em busca de algo que jamais encontrariam.

Ela era livre. Seu lugar era o céu, seu amor era o vento. E o vento nunca passa.

Foi quando ouviu uma risada atrás de si. Deu meia volta, rodando bandeirinhas de plástico colorido apenas para dar de frente consigo mesma. Não, consigo mesma. Com outra pipa, maior e tão colorida quanto, que se aproximou e dançou ao seu redor, fazendo círculos ao redor de si mesmo. Agora, ela era o Sol, e a outra era um planeta.

O vento sorriu e carregou as duas por cima dos prédios. Presas por uma linha quase invisível, as duas estavam presas ao mundo abaixo delas, mas reinavam absolutas no céu, em meio às nuvens, desafiando os trovões que anunciavam a chegada da uma chuva forte e fria. Mas não se amedrontaram. Juntas, eram mais que raio e som. Juntas, eram mais que água e ar.

Juntas, eram uma.

E bailaram mais rápido que um sonho e mais suave que um abraço, cada uma girando ao redor de si mesma e ao redor da outra. Um balé colorido que somente crianças entenderiam e que, em meio às nuvens, fez muita gente pensar que a chuva que se aproximava era mais doce que as outras chuvas. E ainda arriscaram subir ainda mais, chegando próximo às nuvens com cara de algodão e perfume de anjos, antes de se quase se abraçarem.

Quase, pois não podiam se tocar.

Cada uma estava presa por uma linha que, mesmo difícil de ser vista, era afiada a ponto de cortar corações, e, ao menor contato, faria uma delas se perder no vento para sempre, interrompendo o balé. Assim, dançavam com cuidado, às vezes quase se tocando, rabiolas quase se beijando.

Mas logo foram chamadas de volta para o mundo de baixo. Desceram querendo ficar no alto,  dançando e resistindo, mas desceram, conforme a linha se encurtava cada vez mais, como se puxada por um pescador que cansou de ficar no bote e decidiu ir para casa.

E cada uma das pipas voltou para os braços do seu menino. E cada menino, sob os braços da sua mãe, voltou para sua casa. Cada um numa rua diferente de um bairro diferente.

Nunca haviam se visto e nunca se encontrariam. Ao menos, no mundo aqui embaixo.

Afinal, lá em cima, perto das nuvens, eram melhores amigos, ao menos na forma de suas pipas que dançavam juntas no céu de São Paulo - e, assim como os meninos, sem jamais se abraçarem.

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