2 de julho de 2011

Sem Fim e Sem Começo

Um dia ela mudou de cidade. Foi quase da noite para o dia. Juntou tudo o que possuía em duas malas e deixou todo o resto para trás. Partiu sem rumo, em direção ao Sol, buscando novas ruas e prédios, olhares e perfumes diferentes. Guardou sentimentos e esperanças no cantinho de uma gaveta, sabendo que um dia os encontraria de novo. E foi-se embora, sem sorriso e sem mapa.

Um dia ela mudou de cabelo. Foi no meio de uma tarde de sábado. Desistiu do penteado que emoldurava seus sonhos durante a noite e mudou formas e cores. Largou atitudes e poesias imaginadas no chão do cabelereiro, em busca de novas palavras e pontos de exclamação. Penteou-se empurrando amores fracassados e sonhos vencidos para trás. E foi-se embora, sem tristeza e sem franja.

Um dia ela mudou de emprego. Foi numa terça-feira chuvosa. Abandonou tudo o que sabia abrindo espaço para aprender novamente. Deixou para trás e-mails não respondidos e números de telefone abandonados em uma mesa. Esqueceu-se do talento e da força de vontade, em busca de novas tarefas, novos contatos, novos problemas. E foi-se embora, sem paixão e sem horário.

Um dia ela mudou de idioma. Foi num outono com vento forte. Esqueceu-se das palavras que sabia e que narravam sua rotina. Guardou pronúncias e regras de acentuação num livro velho e empoeirado, sentindo medo de ter medo de esquecê-los. Perdeu regras gramaticais e desistiu de escutar frases que esperou uma vida inteira para falar. E foi-se embora, sem medo e sem dicionário.

Um dia ela mudou de sonho. Foi assim, num dia qualquer. Livrou-se das vontades que haviam regido uma orquestra formada por anos de suspiros, tentando respirar novamente. Apagou reinos encantados, castelos flutuantes e cavalos brancos. Apagou o amarelo do Sol, o verde das árvores e alterou a canção que a fazia chorar por não ser tangível. E foi-se embora, sem brilho e sem príncipe.

Um dia ela mudou de rotina. Desistiu da cidade, do cabelo, do emprego, do idioma. E dos sonhos. E partiu em busca de si própria, sabendo que para isso não precisaria de mapa, príncipe ou dicionário. Convencida de que choraria e sorriria novamente, partiu em busca do futuro, certa de que o passado a estaria esperando em cada esquina. E foi-se em frente, sem medo e sem paixão.

Mas sentindo uma saudade que mal cabia no peito. Sem motivo e sem razão.

5 leitores:

Mari Hauer disse...

Eu estou aos prantos depois de ler duas vezes esse texto. Deve ser porque eu conheço essa menina, né? :p Mas o que mais me emocionou foi saber em como vc a conhece, talvez tão bem quanto eu!
Sabe, ela já fez tudo isso que você descreveu tantas vezes que ela até se perde no tempo e no espaço do texto. Ela se vê ali, em cada linha, em tantos momentos de uma mesma vida, que é difícil até pra respirar... Como se a vida dela despencasse em blocos, todos de uma vez, de tanta verdade junta.
Mas ela segue sempre, sem medo e sem paixão. Sem motivo e sem razão. Porque tentar entender sempre foi tudo que ela sempre quis, mas também o que ela nunca insistiu em conseguir! Um beijo! E muito obrigada pelo presente lindo. De verdade.

Alessandra Rocha disse...

Um dia quero ser que nem ela, deixar tudo pra trás e mudar tudo, sem motivo e sem razão.

Mas antes vou partir na busca de mim, quem sabe eu me encontro ;)
Adorei o texto.

xx

Menina no Sotão disse...

Minha primeira vez aqui em seu blog e estou feliz com essa "viagem" que me levou de encontro as suas palavras. Confesso: quase me vi diante do espelho a olhar no fundo de minha essência. Grata

bacio

.a que congemina disse...

Texto mais foda que eu já li nesse blog.

Sem mais.

Camis disse...

Já te pedi para parar de escrever sobre a minha vida, né? =]

 

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