Um dia ela mudou de cidade. Foi quase da noite para o dia. Juntou tudo o que possuía em duas malas e deixou todo o resto para trás. Partiu sem rumo, em direção ao Sol, buscando novas ruas e prédios, olhares e perfumes diferentes. Guardou sentimentos e esperanças no cantinho de uma gaveta, sabendo que um dia os encontraria de novo. E foi-se embora, sem sorriso e sem mapa.
Um dia ela mudou de cabelo. Foi no meio de uma tarde de sábado. Desistiu do penteado que emoldurava seus sonhos durante a noite e mudou formas e cores. Largou atitudes e poesias imaginadas no chão do cabelereiro, em busca de novas palavras e pontos de exclamação. Penteou-se empurrando amores fracassados e sonhos vencidos para trás. E foi-se embora, sem tristeza e sem franja.
Um dia ela mudou de emprego. Foi numa terça-feira chuvosa. Abandonou tudo o que sabia abrindo espaço para aprender novamente. Deixou para trás e-mails não respondidos e números de telefone abandonados em uma mesa. Esqueceu-se do talento e da força de vontade, em busca de novas tarefas, novos contatos, novos problemas. E foi-se embora, sem paixão e sem horário.
Um dia ela mudou de idioma. Foi num outono com vento forte. Esqueceu-se das palavras que sabia e que narravam sua rotina. Guardou pronúncias e regras de acentuação num livro velho e empoeirado, sentindo medo de ter medo de esquecê-los. Perdeu regras gramaticais e desistiu de escutar frases que esperou uma vida inteira para falar. E foi-se embora, sem medo e sem dicionário.
Um dia ela mudou de sonho. Foi assim, num dia qualquer. Livrou-se das vontades que haviam regido uma orquestra formada por anos de suspiros, tentando respirar novamente. Apagou reinos encantados, castelos flutuantes e cavalos brancos. Apagou o amarelo do Sol, o verde das árvores e alterou a canção que a fazia chorar por não ser tangível. E foi-se embora, sem brilho e sem príncipe.
Um dia ela mudou de rotina. Desistiu da cidade, do cabelo, do emprego, do idioma. E dos sonhos. E partiu em busca de si própria, sabendo que para isso não precisaria de mapa, príncipe ou dicionário. Convencida de que choraria e sorriria novamente, partiu em busca do futuro, certa de que o passado a estaria esperando em cada esquina. E foi-se em frente, sem medo e sem paixão.
Mas sentindo uma saudade que mal cabia no peito. Sem motivo e sem razão.
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5 leitores:
Eu estou aos prantos depois de ler duas vezes esse texto. Deve ser porque eu conheço essa menina, né? :p Mas o que mais me emocionou foi saber em como vc a conhece, talvez tão bem quanto eu!
Sabe, ela já fez tudo isso que você descreveu tantas vezes que ela até se perde no tempo e no espaço do texto. Ela se vê ali, em cada linha, em tantos momentos de uma mesma vida, que é difícil até pra respirar... Como se a vida dela despencasse em blocos, todos de uma vez, de tanta verdade junta.
Mas ela segue sempre, sem medo e sem paixão. Sem motivo e sem razão. Porque tentar entender sempre foi tudo que ela sempre quis, mas também o que ela nunca insistiu em conseguir! Um beijo! E muito obrigada pelo presente lindo. De verdade.
Um dia quero ser que nem ela, deixar tudo pra trás e mudar tudo, sem motivo e sem razão.
Mas antes vou partir na busca de mim, quem sabe eu me encontro ;)
Adorei o texto.
xx
Minha primeira vez aqui em seu blog e estou feliz com essa "viagem" que me levou de encontro as suas palavras. Confesso: quase me vi diante do espelho a olhar no fundo de minha essência. Grata
bacio
Texto mais foda que eu já li nesse blog.
Sem mais.
Já te pedi para parar de escrever sobre a minha vida, né? =]
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