Mas não era. Pelo menos ainda não. Era menino.
E, como todo menino, cresceu brincando. Brincava em casa, com os pais, com o irmão, na frente da televisão. Era pequeno demais para ir à rua, que parecia enorme dali da janela. E brincava com brinquedos, com jogos. Imaginava mundos fantásticos, onde ele era o herói e derrotava todos os inimigos vendo desenho animado antes da hora do jantar.
E foi dormir cercado de cafuné.
E, um dia, acordou moleque. E aí sim foi para a rua. Brincava de jogar bola na rua, brincava de correr, brincava de pegar, de se esconder. Foi ali que aprendeu a cair, a não chorar quando se cortava (“homem não chora”, diziam para o moleque). Foi no futebol que começou a aprender a ganhar e a perder, e aprendeu a não ir muito longe de casa.
E foi dormir cercado de brinquedos.
E, um dia, acordou adolescente. Aí não parava mais em casa, mas as brincadeiras mudaram. Agora, sua diversão era beber mais que os amigos e fumar na frente das meninas. Ouvia som alto e cantava um ou outro trecho errado, e começou a olhar as meninas. E foi indo nas festinhas de sábado à noite que aprendeu a conversar e a beijar.
E foi dormir cercado de paixões.
E, um dia, acordou jovem. Aí mal dava as caras em casa, ficava indo na faculdade e gastando o tempo com os amigos. Estudava, sabia que estava se tornando alguém na vida, mesmo sem ter muita idéia de como seria esse alguém. E, prestes a se formar, começou a trabalhar, trocando a bermuda e a camiseta por calça, camisa e sapatos.
E foi dormir cercado de livros.
E, um dia, acordou adulto. Estava formado, trabalhando de Sol a Sol e tentando subir na vida. Acordava cedo – mas nem por isso ia dormir cedo – e lutava para comprar suas coisas com o seu dinheiro, sabendo que esse era o certo a fazer. Os cabelos dos pais começaram a ficar grisalhos, sabia que era hora de parar de brincar.
E foi dormir cercado de projetos.
E, um dia, acordou sozinho. Estava morando em outra casa, cercado de caixas de mudanças. Descobriu então que não precisava ou não queria mais sair tanto, porque finalmente havia encontrado seu canto, seu mundo. E falava no telefone com os pais e sentia orgulho na voz deles, e isso fazia com que ele colocasse as besteiras que fazia para trás.
E foi dormir cercado de sonhos.
E, um dia, acordou com um cachorro. Agora ele tinha um melhor amigo, um confidente. Tinha alguém com quem conversar de madrugada, tinha alguém para consultar a qualquer momento. E começou a aprender o valor de ter um colo, e, principalmente, de dar colo. E o peso que é saber que um ser vivo depende exclusivamente dele para tudo.
E foi dormir cercado de pelos.
E, um dia, acordou no computador. Havia criado um blog, que nasceu do desejo de colocar algumas coisas para fora, e do velho sonho de viver de palavras, criando os mesmos mundos fantásticos que criava quando menino. Gostava mais deles que do mundo real – não tinha nada contra o mundo real, mas os seus eram mais divertidos.
E foi dormir cercado de letras.
E, um dia, acordou com ela. Ao menos, em sua mente. Ela havia surgido do nada e tomado sua vida de assalto. E, desde o primeiro dia, ele sabia que tudo o que faria, que tudo o que queria, seria por ela. E dançava, sonhava e planejava com ela. Os seus mundos fantásticos, agora, eram dela, porque ele era inteiro e absolutamente dela. Ele era dela e dos sonhos dela.
E foi dormir cercado de beijos.
E, um dia, acordou confuso. Se questionava algumas coisas que fazia, algumas atitudes que tomava. Se perguntava se estava no caminho certo, se fazia as coisas da forma correta, se amava demais ou de menos, se sentia ciúmes demais ou de menos, se cuidava bem dela ou não. E jurou para si mesmo que daria sempre, sempre, o melhor de si.
E foi dormir cercado de dúvidas.
E, um dia, acordou pensando. Pensava em tudo o que havia aprendido nestes anos todos. Havia aprendido a perdoar, a pedir perdão. Havia aprendido a tentar ouvir e entender, havia aprendido que não podia ficar sem algumas coisas, e que, por outro lado, sacrifícios grandes não eram tão grandes assim. E havia aprendido que ainda tinha muito que aprender.
E foi dormir cercado de idéias.
E, um dia, acordou nu. Estava abraçado com ela. Beijava a boca dela sem pudor algum, abraçava o corpo quente dela com força, e fazia com que ela gemesse e gritasse seu nome, explodindo cada minuto de saudade como se fosse a mulher mais desejada de todo o planeta. E adormecia ofegante sem querer sair, implorando para desaparecer nela.
E foi dormir cercado de pele.
E, um dia, acordou completo. Os seus mundos fantásticos, agora, eram um só. Seu mundo fantástico era ela. Escrevia para ela, criava pensando nela. E jurou que sempre faria de tudo para ser o herói daquele mundo, por mais difícil que fosse em alguns momentos. Mesmo entre lágrimas e gritos, entre sorrisos e beijos desesperados... Ele seria dela.
E foi dormir cercado de sorrisos.
Agora, sim, ele era um homem. E tudo por causa dela, que – talvez mesmo sem saber – o fazia se sentir um menino, em todos os minutos. Por causa dela, aquele homem amava como um menino e aquele menino desejava como um homem. E, por ela, ele jamais deixaria de ser homem-menino, nem esqueceria o seu lado menino-homem.
E acordou cercado de paz. E, mesmo acordado, sonhou que estava para sempre no colo dela.
Para sempre.
(Baseado numa vida real.)
10 leitores:
Muito, muito lindo mesmo! Acho que até consigo acreditar no amor de verdade vendo uma vida real como essas =)
São coisas assim que me fazem acreditar de novo. Não é preciso parecer perfeito para ser, de fato.
E depois de muito tempo, as lágrimas voltaram aos meus olhos. Dessa vez com um sentimento bom. Obrigada.
Você se parece muito com alguém que eu conheço. Gostei de lembrar dele. Quanto ao drama, malz aê, rs.
Lindo, perfeito!
E foi dormir cercado de pelos.
Ri litros, me vi nessa situação ainda ontem... ahahah
amei o texto. mesmo.
l u a ; ) diz:
http://champ-chronicles.blogspot.com/
eu já não sei mais, se eu queria ser esse cara, ou ser a namorada dele, ou ter um pouquinho do amor que ele tem.
juro que se eu encontrar ele na rua um dia, vou agradecer.
por quanto de coisas boas ele já me fez sentir, parada, lendo palavras na tela de um computador.
Victor diz:
O.o"
l u a ; ) diz:
le os dois textos que ele postou essa semana.
ele é um gênio.
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eu sempre achei Chico Buarque um gênio, e sou fã até não poder mais, dele.
Rob, você é um gênio.
lança logo um livro, pode ser um com todos os textos do champ, eu nao me incomodo não.
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obrigada.
tudo se resume a isso.
Inveja...
Inveja boa...
.....
Lindo.
Leio seus textos pelo Reader. Ultimamente, tem sido difícil não clicar no "Gostar" em todos eles. ;P
Caralho...
Linda história...
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