E Deus Criou a Mulher

Após criar o mundo e habitá-lo com dezenas de espécies de animais e plantas, Deus relaxou em Sua mesa e admirou por alguns instantes o Seu trabalho. “E pensar que alguns dias atrás, aqui, só havia escuridão. Nada mal, hein?”, pensou. Porém, um problema ainda O incomodava. Quem iria gerenciar aquilo? O ideal seria ter alguém ali embaixo tomando conta de tudo. Foi aí que teve a brilhante idéia de criar o homem.

Pegou um pouco de barro que tinha sobrado, e, sem paciência de inventar algo novo, criou o homem à Sua Imagem mesmo. Deu-lhe o nome de Adão e propôs o seguinte: o homem cuidaria de Seu paraíso, e, em troca, não pagaria aluguel. Assim, Adão chegou na Terra e se instalou numa caverna próxima a um rio. A cozinha não era muito espaçosa, mas a vista era maravilhosa. Além disso, ele estava morando de graça ali.

Nos primeiros dias, Adão não saiu da caverna. Era novo no lugar e desconfiava que se andasse pelado por aí acabaria causando falatório na vizinhança. A solução foi usar como roupa uma folha de parreira que o vento carregara para a porta da caverna. Fez o melhor que pôde para se cobrir com ela e saiu para conhecer seu mundo. Explorou o local sem encontrar grandes problemas, exceto no dia em que o vento carregou sua folha de parreira para longe e ele saiu correndo atrás dela, xingando, para delírio de um bando de girafas que estava por perto e que, desde desse dia, passaram a chamar Adão de “peladinho”.

Em poucos dias já conhecia toda a região e os animais que ali viviam, tendo inclusive feito amizade com um bando de macacos que morava perto da sua caverna. As noites, porém, eram difíceis e solitárias. Os animais se recolhiam em suas tocas e Adão ficava sozinho. Rodava os canais da TV sem achar nada de bom ou entrava na Internet, mas ele era sempre o único usuário nas salas de chat (ao menos, naquelas que ele entrava: Éden – 30 a 40 anos). Uma vez ele resolveu dar uma festa em sua caverna, mas foi um verdadeiro desastre: além do fato de uma zebra ficar bêbada e vomitar na entrada da caverna, Adão perdeu quase todo o seu estoque de cocos jogando pôquer com os macacos. Cansado dessa vida, mandou um e-mail para Deus, pedindo uma solução para isso.

Acordou no dia seguinte com uma dor nas costas infernal, como se tivessem arrancado uma de suas costelas. Saiu para dar uma volta e aproveitando a manhã de Sol, foi dar um mergulho no rio. Nadou por algumas horas e estava pulando na margem para tirar a água dos ouvidos, quando sentiu algo se aproximando por trás dele. Virou-se e tomou o primeiro grande susto de sua vida ao descobrir a criatura mais linda que ele tinha visto desde que chegara ao Paraíso. Era uma pessoa, que, assim como ele, andava sobre duas pernas, mas quase não tinha pelos pelo corpo. Seus cabelos eram loiros e compridos. Além disso, tinha um par de seios que justificava a expressão “viver no paraíso”.

– Eu sou Eva, disse ela, sorrindo.

Adão, que não estava muito acostumado com o convívio social e nunca precisou exercitar suas boas maneiras, partiu para cima dela, tentando beijá-la, mas foi recebido com um tapa na cara.

– Seu primata! Você acha que eu sou fácil assim?

– Hum?, respondeu Adão, demonstrando a sua habilidade ímpar com as mulheres.

– As coisas não são assim! Nós podíamos ao menos nos conhecer primeiro, não acha?

Adão resolveu tirar ela rápido dali, pois, com a gritaria, alguns animais já tinham parado para assistir a discussão. Conforme andavam, Eva continuava de cara fechada, respondendo tudo com monossílabas e, muitas vezes, sempre olhando para o outro lado. Desesperado para quebrar o gelo, Adão lembrou-se que alguns de seus amigos macacos davam presentes para suas fêmeas, e resolveu fazer o mesmo. Apanhou um galho que estava caído no chão e estendeu para ela, que nem deu atenção. Tentou o mesmo com uma pedra, com um rato morto e um punhado de terra, sempre sem sucesso. Já de saco cheio, apanhou uma flor no chão e ficou surpreso ao descobrir que ela sorriu com o presente. “Flores. Não posso esquecer disso”, pensou.

A partir daí, o clima ficou mais leve e as coisas mais fáceis para o primeiro homem na Terra. Continuaram andando e conversando, descobrindo algumas afinidades (“você também foi criada a partir de barro? Nós temos tanto em comum!”) até que a noite começou a cair. Instintivamente, Adão percebeu que precisava fazer alguma coisa e levou-a para jantar na beira do rio, onde preparou um peixe e, na falta de vinho, tentou embebedá-la com água de coco. No meio do jantar, ela, mais animada, finalmente sorriu e perguntou:

– Por que você não me mostra sua caverna?

“Meu Deus, é hoje!”, pensou Adão.

Ficaram quatro dias trancados dentro da caverna (afinal Adão, literalmente, nunca tinha visto uma mulher na vida, e precisou de uns dois dias para entender direito a mecânica da coisa). Nesse período, alguns animais tiveram dificuldade em dormir com os estranhos ruídos que vinham de dentro da caverna, mas tudo ocorreu sem problemas – e o fato de nós estarmos aqui hoje é a prova disso.

Assim, a vida para Adão se tornou muito mais tranqüila. Adão, que não tinha muita prática em lidar com relacionamentos aprendeu rapidamente as novas regras da sua vida: precisava manter-se em silêncio durante a novela e, aos sábados era melhor ficar fora da caverna para não atrapalhar a faxina. Mas tinham problemas como todos os casais. Uma noite, ele ficou até tarde jogando futebol com os macacos e foi obrigado a dormir na sala. Além disso, uma vez por mês Eva tornava-se irritadiça, durante uns três dias, reagindo a qualquer tentativa de diálogo com gritos e socos no sofá. Isso sem contar quando, no meio da madrugada, ela o acordava, assustada:

– Que barulho foi esse?

– Humrff...

– Adão! Acorda! Eu ouvi um barulho na sala!

E lá ia Adão, resmungando, arrastando os pés e esbarrando nos móveis (que ela insistia em mudar de lugar todos os meses, pois nunca estava satisfeita com a decoração da caverna), olhar ao redor e não ver nada demais. “Não era nada, era só aquela serpente que está sempre rondando por aqui”, dizia, ao voltar para a cama.

Além disso, problemas como Adão deixar sempre as folhas de parreira sujas espalhadas pela casa e a enorme briga que tiveram quando, numa faxina, Eva jogou fora sua coleção de times de futebol de botão achando que era lixo, causavam grandes brigas, mas que eram facilmente superadas com uma boa conversa ou com o velho truque das flores, que Adão descobriu ser uma arma importante para o seu sossego.

Mas nada superou o dia em que Eva, que já andava com a cara fechada, sentou na frente de Adão, que estava ocupado tentando abrir um coco:

– Adão, precisamos discutir nossa relação.

– Relação? Como assim?

– É, Adão, nossa relação! Eu e você moramos juntos, logo, temos uma relação! Mas quando você vai começar a querer algo sério da vida?

– Algo sério? Tipo, um emprego? Mas eu já trabalho como zelador aqui.

– Eu estou falando da gente, seu debilóide! Eu moro com você, limpo sua casa e você nem aí, fica jogando bola e enchendo a cara com esses macacos inúteis! Larga esse coco e presta atenção!

– Mas...

– Quando nós vamos casar?

– Casar? Mas a gente não precisa casar, a gente já mora junto.

Neste momento, um grande passo da evolução humana foi dado. Adão descobriu que mesmo sendo capaz de caçar, pescar, subir em árvores e ser o lateral direito titular do time de futebol do bairro, ele não comandava sua própria vida. Havia algo que ele não sabia enfrentar. Eva fez cara de choro e suspirou:

– Você não me ama mais.

Duas semanas depois, estavam na Igreja, com o próprio Deus oficializando a cerimônia e os macacos como padrinhos.

E viveram felizes para sempre.

Isso, claro, até Eva resolver experimentar uma receita nova de torta que tinha visto na TV e decidir pegar as frutas de uma árvore que ficava em cima de uma colina. Resultado: foram expulsos do paraíso e sem ter para onde ir, tiveram que passar um tempo na casa dos pais dela, onde Adão descobriu o maior mal que habita o planeta: a sogra.

Pronto. Estava criado o Inferno.