8 de março de 2015

O Cemitério Abandonado



Ela não sabia como havia chegado até ali. Mas não estava preocupada com isso. Queria saber onde estava, para só depois entender o que estava fazendo naquela cabana envelhecida e abandonada em uma estrada de terra no meio do nada.

Espiou pela janela. Apesar de não conhecer a casa, sabia que era a janela dos fundos. No terreno irregular, cruzes de pedra se estendiam até o horizonte. Pareciam dispostas sem lógica alguma, colocadas por alguém que não estava disposto a perder tempo procurando um lugar para cada uma delas. Assim, o pequeno cemitério de crucifixos parecia mais uma barreira, mostrando que seria impossível andar por ali sem pisar em sepulturas.

O céu estava nublado. Não aquele nublado depressivo, mas um cinza escuro, quase negro, sombrio e ameaçador. Não era ameaça de chuva, mas sim um sinal da presença do mal. O mal rodava a casa, o mal pairava sobre o cemitério, o mal tinha seus olhos apontados para a pequena cabana.

Seus olhos se apertaram quando percebeu movimento no cemitério. Entre as cruzes, um vulto caminhava no horizonte, alheio a tudo. Talvez fosse o guardião dos sepulcros. Talvez fosse alguém velando por um dos mortos que ali descansavam. Ou talvez fosse alguém que fingia não prestar atenção na cabana ou em sua ocupante apenas para que ela se sentisse segura e baixasse sua guarda.

Afinal, o mal continuava espreitando no céu carregado de chumbo acima das cruzes.

Olhou ao redor. A cabana estava toda destruída, e ela se perguntou quem poderia morar numa casa como essa. E, mais uma vez, se perguntou o que estava fazendo ali. Olhou novamente para o cemitério, procurando pelo vulto negro que abria caminho entre as cruzes. Talvez ele tivesse uma resposta. Ou talvez ele não se importasse.

Subitamente, atravessou a pequena sala rumo à porta da frente. O chão rangeu sobre seus pés. Abriu a porta e estudou com cuidado a pequena estrada de terra que ligava à casa até o mundo real. Ela sabia que viera por ali, mas não sabia o motivo.

A passagem era impossível. Milhares de escorpiões corriam pelo caminho estreito de terra batida e seca. Muitos outros deviam estar ao redor da estrada, mas mesmo os que ela podia ver eram suficientes para impedir seu caminho. Eles haviam permitido sua passagem quando rumou à cabana, mas sabia que a missão dos escorpiões era justamente impedir que ela voltasse pelo mesmo caminho. Precisava seguir em frente.

Precisava atravessar o cemitério. Andando sobre sepulturas e sem ser vista pelo vulto.

De repente, percebeu um estranho a sua frente. Os escorpiões pareceram se agitar e começaram a correr uns em direção aos outros, aparentemente sem lógica. Demorou algum tempo até que ela entendesse o que estavam fazendo: estavam formando desenhos no chão. Talvez quem observasse de cima observaria com mais facilidade, mas ela não precisava colocar o pé para fora da cabana para entender que eles estavam formando pentagramas no chão.

Cada um deles formado centenas de escorpiões que se amontoavam uns sobre os outros, com garras, patas e antenas trabalhando se debatendo. Pentagramas vivos indicavam que era o momento.

E ela soube o que precisava fazer.

Atravessou a cabana correndo rumo à janela dos fundos, e trancou rapidamente a porta ao lado da janela, que ligava a pequena construção ao cemitério. O vulto aparentemente desaparecer e os pentagramas feitos de escorpiões vivos continuam na frente da cabana. Era hora.

O lobo que morava entre as cruzes envelhecidas surgiria de seu esconderijo para atacar quem estivesse dentro da cabana. O céu estava mais negro que nunca.

O mal estava chegando.


(Nem toda a imaginação do mundo supera um sonho de alguns segundos. E nem todo o terror do mundo supera um sonho de alguns segundos. Esta crônica é baseada em um pesadelo que a Esposa teve esta noite – mas que certamente será sempre mais sombrio na memória dela.)

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