23 de outubro de 2014

Se Um Fosse o Outro

Foi na manhã do sábado, véspera das eleições. Aécio e Dilma acordaram e descobriram que seus corpos estavam trocados.

Provavelmente, fora algo que acontecera na véspera, durante o debate da Rede Globo, quando os candidatos ficaram um de frente para o outro pela última vez. Mas nenhum dos dois fazia ideia de como isso havia acontecido. E, sinceramente, isso não era importante. Era um daqueles mistérios que acontecem somente em eleições no Brasil, tipo o Pastor Everaldo, que apenas acontece sem maiores explicações e pronto.

O que importa é que ambos estavam com os corpos trocados. Dilma era Aécio e Aécio era Dilma. E ambos sabiam que a oportunidade de fazer o adversário perder votos era boa demais para ser ignorada.

Aécio no corpo de Dilma olhou sua programação do dia. Apenas um comício que marcaria o encerramento da campanha. Imediatamente ligou para a redação da Veja e pediu para falar com Rodrigo Constantino.

- Rodrigo, tudo bem? É o A... É a presidenta. Quero fazer um convite. Quero que você compareça ao meu comício hoje. O PT vai pagar sua passagem. E depois darei uma entrevista exclusiva para você onde contarei tudo sobre o meu governo. Petrobras. BNDES. Tudo. A única condição é que essa entrevista precisa entrar no ar hoje. Tem que ser veiculada antes da eleição.

Não teve tempo de falar mais nada. Rodrigo Constantino bateu o telefone na cara do Aécio-que-agora-era-Dilma. O tucano tentou ligar mais duas vezes, mas o jornalista não atendia. Assim, desistiu e começou a se arrumar para o comício. Abriu o guarda-roupa de Dilma e, instintivamente, começou a procurar um terninho azul e amarelo.

Dilma que agora era Aécio também estava pensando em como tirar vantagem da situação, mas não sabia direito o que fazer. Essa era uma daquelas horas que gostaria de ter João Santana ao seu lado. Em busca de uma ideia, começou a rodar a agenda do celular de Aécio. Aloysio Nunes? Não. Armínio Fraga? Não. Dado Dolabella? Não. Fernando Henrique? Deus me livre. Lobão?

Lobão.

Discou e o ex-cantor atendeu.

- Meu presidente, bom dia. Tudo bem?

- Tudo. Estou ligando para dar uma informação em primeira mão.

- Qual?

- Hoje no comício eu vou anunciar um novo plano econômico. Eu vou... Nós vamos... O governo do... Eu vou confiscar a poupança. A poupança, sabe? A poupança de todos os brasileiros. Nós vamos confiscar. Eu vou confiscar. A poupança. Deixando somente 500 reais.

- Como assim? Confiscar a poupança?

- Isso. E não é só confiscar a poupança. É mais que isso. É muito mais que isso.

- Mais que isso? Como?

- Calma que eu já... Posso falar uma coisa? Espera, espera que eu vou concluir. Posso falar uma coisa? Pode colocar aí na internet. Coloca aí que eu sou o novo Collor...

- Presidente...

- Espera. Espera que eu vou chegar lá. Eu não vou ser o novo Collor. Eu vou ser mais que isso. Não basta ser o novo Collor. Porque não basta ser o novo Collor? Sabe o que eu vou ser? Eu respondo. Eu vou ser o Collor que deu certo. Coloca aí. No que se refere ao Collor, eu vou ser o Collor que deu certo.

- Presidente...

- Agora eu preciso ir. E sabe por quê? Eu respondo. Porque eu tenho um comício. Estamos em campanha e eu tenho um comício.

Não deu tempo para Lobão responder. Desligou o telefone e foi se arrumar para o comício, resmungando que Aécio não tinha nenhum terno vermelho em seu armário.

Enquanto partiam para os comícios, tanto o Aécio que havia virado Dilma como a Dilma que se transformara em Aécio sabiam: os eventos seriam definitivos. Ambos tinham consciência que espalhar notícias na internet não teria tanto impacto, já que ninguém mais acreditava em nada daquilo que aparecia nas redes sociais.

A chance de cada um destruir a candidatura do outro era no comício. Há meses estavam convencendo os brasileiros a votarem neles; agora, era hora de fazer o contrário. Era hora de Aécio implodir sua candidatura, era hora de Dilma explodir sua chance de reeleição.

Ambos os comícios começaram mais ou menos no mesmo horário – cerca de uma hora depois da notícia que Aécio iria confiscar a poupança caiu na internet, o que fez quase ninguém dar atenção para a coluna de Rodrigo Constantino, na qual ele contava como o PT tentou atrai-lo para uma entrevista para derrubar seu avião, provavelmente da mesma forma que certamente havia feito com Eduardo Campos, com Ulysses Guimarães e provavelmente com os Mamonas Assassinas.

No comício do PSDB, Dilma que agora era Aécio sabia que não precisava nem tocar no assunto da poupança, que a esta altura já estava ganhando força na internet. Assim, resolveu falar sobre o Bolsa Família e políticas sociais. Ao lado de Aloysio Nunes e Fernando Henrique subiu no palco – depois de cuidadosamente passar pó-de-arroz no nariz para deixá-lo “acidentalmente” branco.

No comício do PT, Aécio que agora era Dilma teve um pouco mais de dificuldade de subir no palco por causa do pequeno salto do sapato que encontrou no guarda-roupa da presidente. E, ao lado de Lula e Chico Buarque e outras celebridades, começou seu discurso – depois de dar um sorrisinho safado ao arriscar uma espiadela no decote da atriz Ângela Vieira, que estava no palanque com uma blusinha vermelha e o número 13. E decidiu que deveria falar sobre a Petrobras.

- Eu estava no avião vindo para cá e me ligaram de Brasília com notícias ruins. Parece que realmente teve desvio de dinheiro da Petrobras. Eu disse a vocês que nosso governo não tem um engavetador geral da república. E agora nós sabemos a verdade! Todo mundo ganhou dinheiro com a Petrobras. O Aécio estava certo! Muita gente que está aqui nesse palanque ganhou dinheiro com a Petrobras! Muita gente! E quem negar isso é leviano! Gente que está aqui ao meu lado enriqueceu roubando a Petrobras! Gente leviana, corrupta! É um caso maior que o mensalão!

O comício do PT era um silêncio só – as pessoas mais próximas ao palco quase podiam ouvir Lula perguntando discretamente “você enlouqueceu de vez?” para a presidente. E o mesmo silêncio acontecia no comício do PSDB, depois das declarações iniciais de Dilma que agora era Aécio, que fazia seu discurso estrategicamente coçando o nariz e fungando o tempo inteiro.

- Eu vou falar uma coisa para vocês. Eu vou falar sobre o Bolsa Família. Posso falar sobre o Bolsa Família? Eu vou falar sobre o Bolsa Família. Todo mundo diz que o Bolsa Família precisa aumentar. No que se refere ao Bolsa Família, todo mundo diz que ele precisa aumentar. Quem diz que ele precisa aumentar? Todo mundo! Todo mundo diz que o Bolsa Família precisa aumentar, mais ainda do que aumentou no noss... No governo do PT! O que a Dilma fez... O que a Dilma fez, espera que eu vou concluir... O que a Dilma fez precisa continuar! Cada vez mais pobres precisam ir pra classe média! E andar de avião! E comprar carro!

Não eram apenas os comícios que estavam em silêncio, mas todo o Brasil.

Quando a notícia dos discursos polêmicos começou a rodar o país, emissoras de televisão começaram a transmitir os discursos ao vivo para todo o país. E foi na TV que muitos militantes do PSDB viram Aécio-que-ninguém-sabia-que-era-Dilma, falar como toda a política econômica iria girar em torno do Bolsa Família e dos programas assistencialistas.

- Não precisamos ter o Bolsa Família só para as famílias. Não! Precisamos ter também o Bolsa Pessoa! Porque a pessoa... A pessoa, ela é importante! Cada família precisa receber o Bolsa Família, e cada pessoa dentro dessa família vai receber o Bolsa Pessoa! Assim o filho... Sabe o filho que está ali em casa? Ele não precisa mais pedir dinheiro para o pai! Tem o dinheiro da família e o dinheiro da pessoa! E o dinheiro do cachorro, pras famílias que têm cachorro! O Bolsa Bicho! Agora, quem não trabalha vai poder consumir mais! Vai ter mais dinheiro! Isso vai aquecer a economia! E sabe quem sabe fazer isso! Eu? Eu não sei fazer isso! Ninguém sabe fazer isso como o PT!

O discurso de Dilma-que-ninguém-sabia-que-era-Aécio também estava na TV. E estava implodindo a Petrobras.

- Dizem que o Aécio ganhou dinheiro com aquele aeroporto que fez na fazenda da família! Aquilo é pinto perto da Petrobras! Aquilo não é nada perto do que aconteceu com a Petrobras nos últimos anos! Partidos inteiros sendo bancados por aquilo! Toda minha base aliada! E não dá para ser conivente com isso! É muita irresponsabilidade, falta de transparência! Nós precisamos colocar um governo que cuide da Petrobras, que acabe com o que nós fizemos com a Petrobras! Um governo que não se importe com Cuba, com a Venezuela, mas sim com o povo brasileiro! Precisamos acabar com essa farra da Petrobras! Precisamos privatizar a Petrobras para salvar a empresa! Precisamos que ela vire Petrobrax, e não PTBras!

O país estava em choque, como se um novo 7 x 1 estivesse acontecendo.

Era um apagão ideológico.

As últimas palavras de cada discurso, berradas quase ao mesmo tempo, entrariam para a história. Dilma gritando que “o povo brasileiro quer uma Petrobras privatizada, o povo brasileiro quer a Petrobras seja vendida”, e Aécio urrando que “nós vamos aumentar a Bolsa Família e acabar com a classe média! Precisamos seguir os passos de Cuba e da Venezuela e pintar a América Latina de vermelho!”.

Ambos desceram do palanque debaixo de silêncio absoluto. Cada um deles sabia que havia feito boa parte dos eleitores do adversário desistir do voto.

E foi exatamente isso que aconteceu: petistas e tucanos não sabiam mais o que fazer.

Alguns mais fanáticos ainda foram para a internet defender as novas ideias de seus partidos. Petistas alegavam que o PT sempre havia sido a favor da privatização da Petrobras, enquanto tucanos diziam que Aécio defendia desde jovem a revolução comunista na América Latina. As revistas seguiram o mesmo caminho: a Veja começou a elogiar a Venezuela e os programas sociais; a Carta Capital iniciou uma campanha em nome da privatização da Petrobras que seria liderada pelo PT.

A maioria dos militantes, porém não sabia mais como agir ao ver seu candidato se transformar no inimigo e desapareceram totalmente. Muitos nem foram votar, caso de Lobão – que já havia se mudado para Miami logo após o telefonema de Aécio – e de Emir Sader, que mudou de nome e foi morar no interior, e hoje nem tem internet em casa. Dizem que José Dirceu passou mal na cadeia quando ficou sabendo do discurso de Dilma, mas a história nunca foi confirmada. Fernando Henrique abandonou tudo e pode ser visto de bermuda e camiseta bebendo nos bares de Higienópolis, às vezes com Lula.

Já o pessoal do PMDB resolveu se manter neutro, esperando o resultado das eleições para ver quem iria apoiar publicamente.

Mas nenhum candidato conseguiu ganhar mais votos. Apenas fizeram com que o adversário perdesse votos.

E, na segunda-feira, a troca de corpos foi desfeita, sem maiores explicações, da mesma forma que havia acontecido.

Mas aí a eleição já tinha passado.

E um deles havia sido vencedor. Não faz diferença qual dos dois. O que importa é que a eleição de 2014 abriu caminho para a eleição histórica de Marina Silva em 2018. Eleita no primeiro turno com 98% dos votos válidos, Marina uniu o país inteiro com uma campanha de marketing que entrou para a história, cuja principal mensagem dizia:

Vote em quem você sabe que vai voltar atrás.
Vote em que você sabe que vai mudar de ideia.
Marina Presidente.
Essa você confia. 
Ou não.”.






Nota: Dizem que a ideia é metade de uma crônica. E a ideia - brilhante - desta crônica surgiu de um tweet do Vitor Augusto, mostrado para mim pelo Eden, que me desafiou a seguir adiante com a ideia. Aos dois: espero que gostem! 

1 leitores:

Felipe Cancas disse...

Genial, Rob!

Você tem um talento incrível para criticar a realidade política do pais com um humor inteligente. Eu choro de rir com os seus tweets durante os debates e compartilho da indignação com esta eleição que virou uma guerra de lama.

Parabéns pelos textos! Abraço

 

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